17 Setembro 2024
O economista francês concorda com o plano de rejeição da austeridade, mas critica a perspectiva “tecnófila, mercantil e consumista” da proposta do ex-presidente do Banco Central Europeu.
A reportagem é publicada por El Diario, 15-09-2024. A tradução é do Cepat.
O economista francês Thomas Piketty analisou, num artigo publicado pelo jornal Le Monde, o relatório que Mario Draghi, ex-presidente do Banco Central Europeu, apresentou nesta segunda-feira, 09 de setembro, à Comissão Europeia. O plano de Draghi, cujo objetivo é não deixar que a União Europeia fique para trás devido ao desenvolvimento econômico maior da China e dos Estados Unidos, propõe aos 27 membros uma “injeção em massa” de recursos na organização: um aumento de 800 bilhões de euros anuais em investimentos, o que representa aproximadamente entre 4,4% e 4,7% do PIB do bloco.
Assim, a UE retomaria níveis de investimento não vistos desde as décadas de 1960 e 1970. O ex-presidente do BCE insiste que é necessário atribuir estes recursos à pesquisa, ao desenvolvimento de novas tecnologias e infraestruturas verdes, e para financiá-los sugere recorrer à emissão de dívida europeia, como já foi feito com o plano de recuperação após a pandemia. “Sejamos claros desde o início”, diz Piketty sobre a proposta, “é um passo na direção certa”.
O professor e economista francês, especializado em desigualdade econômica, aplaude o fato de que Draghi tenha proposto uma política que “tem o grande mérito de pôr fim ao dogma da austeridade orçamentária”, perspectiva que, segundo a coluna publicada no Le Monde, prejudicou desnecessariamente as economias europeias.
Piketty salienta que alguns setores, especialmente na Alemanha e em França, defenderam a austeridade, argumentando que “os países europeus deveriam fazer penitência pelos seus déficits passados e entrar numa longa fase de excedentes primários”. Isto implicaria, de acordo com esta posição, que os contribuintes deveriam “pagar muito mais impostos do que recebem em investimentos”.
“Na realidade, este dogma da austeridade baseia-se em um disparate econômico”, diz Piketty. “Em primeiro lugar, porque as taxas de juro reais caíram para níveis historicamente baixos na Europa e nos Estados Unidos nos últimos 20 anos: menos de 1% ou 2%, ou mesmo níveis negativos em alguns casos. Isto reflete uma situação em que existe um enorme maná de poupanças subutilizado ou mal utilizado na Europa e no mundo, pronto para ser despejado nos sistemas financeiros ocidentais com pouco retorno. Cabe aos poderes públicos mobilizar estes recursos e investi-los na formação, saúde, pesquisa e novas tecnologias, grandes infraestruturas energéticas e de transportes, renovação térmica de edifícios, etc.”, acrescenta o economista francês, em sintonia com as propostas de Draghi.
Ele também defende a estratégia do endividamento europeu proposto por Draghi: “Quanto ao nível da dívida pública, é de fato muito elevado, mas não sem precedentes”. Ainda assim, salienta: “O que a história mostra, no entanto, é que níveis tão elevados de dívida não podem ser tratados através de métodos comuns: são necessárias medidas excepcionais, tais como taxas sobre os ativos privados mais elevadas”.
Piketty não deixa de criticar alguns aspectos fundamentais do relatório do italiano. Embora celebre a proposta de um maior nível de investimento, critica-o por adotar uma “perspectiva tecnófila, mercantil e consumista bastante tradicional”, centrada na concessão de subsídios públicos para grandes empresas privadas em setores como a inteligência artificial, o ambiente e o âmbito digital. “Há muitas razões para acreditar que a Europa deveria aproveitar a oportunidade para desenvolver outros modos de governança e evitar dar, mais uma vez, plenos poderes a grandes grupos capitalistas privados para a gestão dos nossos dados, das nossas fontes de energia ou das nossas redes de transporte”, critica.
No que diz respeito aos investimentos nas áreas da pesquisa e da educação superior, Piketty concorda com Draghi que o Conselho Europeu de Pesquisa deveria financiar diretamente as universidades, mas adverte que o plano geralmente tem uma forma “muito elitista e restritiva”. O italiano propõe concentrar-se apenas em alguns centros de excelência nas grandes cidades, algo que Piketty considera “economicamente perigoso e politicamente inaceitável”, ao deixar de fora as regiões menos favorecidas em termos econômicos. “A saúde pública e os hospitais estão quase completamente ausentes do relatório”, acrescenta.
"Se a França, a Alemanha, a Itália e a Espanha, que representam três quartos da população e do PIB da zona do euro, conseguirem chegar a um acordo sobre um compromisso equilibrado e social e territorialmente inclusivo, será possível avançar sem precisar esperar pela unanimidade e apoiando-se num núcleo de países (conforme prevê o relatório Draghi). Este é o debate que a Europa deve entabular agora”, conclui o economista francês.
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Para Piketty, o relatório Draghi “tem o imenso mérito de acabar com o dogma da austeridade orçamentária” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU