06 Setembro 2024
Macron levou a França a uma situação completamente sem precedentes no período pós-guerra e, aparentemente, não sabe como sair dela. Nesse ínterim, na Alemanha e em toda a Europa, os extremismos estão crescendo tanto na direita quanto na esquerda. Marc Lazar, professor de História e Sociologia da Sciences Po, em Paris, não tem ideia de como isso vai terminar. Mas sabe quem gerou tudo isso.
A entrevista é de Annalisa Cuzzocrea, publicada por La Stampa, 04-09-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que Emmanuel Macron tem em mente?
Acho que ninguém sabe, talvez nem mesmo ele. Ele dissolveu as Câmaras após as eleições europeias dizendo que era preciso mais clareza, esperando ter uma maioria absoluta, em vez da maioria relativa que o apoiou nos últimos dois anos. Mas criou uma situação de grande confusão. Nunca houve um período tão longo na França sem um novo governo após as eleições.
Alguém disse, após as eleições, que Macron havia ganhado sua aposta, detendo Le Pen e Bardella. Não é verdade?
O voto dos franceses demonstrou três coisas: uma forte participação eleitoral; a derrota do centro macroniano e da direita clássica em relação ao avanço do Rassemblement national; e, por fim, a possibilidade de as esquerdas levar uma delegação importante ao Parlamento sem, no entanto, obter uma maioria absoluta. Entretanto, o menor denominador comum da votação é apenas um: a rejeição da política de Macron, uma mensagem de recusa da sua atuação. Sessenta e um por cento dos eleitores não o querem. Todas as pesquisas confirmam sua impopularidade.
O que pode acontecer agora?
Que aconteça um aumento da desconfiança em relação à política. Os franceses dizem: votamos por mudanças, mas nada muda. Como é possível?
É justificável que Macron não queira confiar o governo à candidata da nova frente popular Lucie Castets?
Sim, e por vários motivos. Assim que venceu as eleições, Mélenchon disse: todo o programa, apenas o programa. Há uma enorme responsabilidade da esquerda nessa situação, porque não soube propor uma solução de compromisso.
É Mélenchon que não quer?
Mélenchon percebeu o crescimento do Partido Socialista. Não domina mais a coalizão como em 2022 e isso o assusta. É por isso que escolheu uma estratégia muito dura, de guerra total contra Macron, a ponto de exigir sua destituição.
Isso seria possível?
Não, é um procedimento complicado, são precisos dois terços dos votos. Na verdade, Mélenchon gostaria que Macron renunciasse. Nisso, seus desejos coincidem com os de Marine Le Pen, que não diz isso claramente, mas tem o mesmo objetivo..
Para chegar às eleições presidenciais antes do tempo?
E com os consensos ainda altos. Mélenchon e Le Pen sonham com um segundo turno frente a frente, mas Macron fará de tudo para permanecer no poder.
O corte nas políticas no Rassemblement National não marcou sua derrota definitiva?
O partido de Le Pen teve um grande sucesso, quase onze milhões de votos no primeiro turno. Mas foi derrotado pela chamada Frente Republicana, que mostrou que a maioria dos franceses, por enquanto, não o quer no poder.
Por enquanto?
O Rassemblement não estava pronto para a política: tem um programa econômico cheio de contradições e um grande problema com a classe dirigente. Havia muitos candidatos quase fascistas ou totalmente incompetentes. Dito isso, Le Pen está jogando muito bem suas cartas.
Como?
Seu partido foi excluído de tudo no parlamento e isso permite que ela diga: vejam, eles têm medo de nós, não respeitam o voto de vocês. Ao mesmo tempo, não eleva o tom, se apresenta como moderada.
Muitas vezes se falou de uma sua proximidade com a Rússia, assim como são considerados próximos dos interesses de Putin os partidos extremistas que venceram no último domingo na Saxônia e na Turíngia. Há uma semente antiliberal crescendo em nossas democracias?
Sim, mesmo que o Rassemblement tenha moderado suas posições pró-russas que eram consideradas inaceitáveis na França após a agressão contra a Ucrânia. Portanto, condenou a guerra, mas, apesar disso, diz que a culpa é da Otan e, no Parlamento Europeu, quando se trata de votar em moções contra Putin, ele se abstém ou vota contra. A ambivalência permanece e esse é um grande problema com o qual esses partidos jogam. Como a Lega na Itália e o Afd na Alemanha: apostam no desgaste dos cidadãos e esperam ganhar com isso.
São apenas táticas?
Certamente há também uma forma de atração pelo modelo de Putin: nacionalismo e autoritarismo. Muito claro se olharmos tanto para a Lega quanto para o Afd.
E Fratelli d'Italia e Rassemblent Nnational?
Um pouco menos. O Afd é um partido de pró-nazistas. Sobre a Segunda Guerra Mundial, por outro lado, Marine Le Pen assumiu uma posição distante daquela de seu pai. E tinha condenado a proposta de 'remigration' do AfD - mandar de volta os imigrantes - à qual havia sido convidada a aderir.
Como é possível que os pró-nazistas vençam as eleições regionais na Alemanha em 2024?
Há várias explicações: a situação econômica na parte oriental da Alemanha, embora agora haja elementos de crescimento. A situação social, cheia de desigualdades: a unificação não trouxe as mesmas oportunidades para todos. Então, nessa parte da Alemanha, há uma rejeição total à imigração, embora haja poucos imigrantes.
É paradoxal.
Há uma dimensão nacionalista muito forte. A experiência do nazismo de 1933 a 1945 e do comunismo de 1945 a 1989 não criou as melhores condições para uma cultura democrática nessa parte do país. Além disso, há o tratamento liberalista duríssimo imposto ao Leste, o que não facilitou a unificação.
Existe em toda a Europa um aporto dos extremismos contra as sociedades abertas que construímos?
Temos que ser muito cuidadosos em nossas análises porque há pontos de contato entre todos esses partidos, mas também diferenças. Toda a família de direita que eu chamo de nacional-populista no Parlamento Europeu não foi capaz de se unir.
Existe uma parte da direita radical que é mais pragmática e menos identitária?
Sim, e isso mostra algo que às vezes subestimamos: que a democracia tem uma capacidade de aculturação, de persuasão, que força até mesmo os partidos com ideias extremas a se adaptarem. A respeitar as regras democráticas na maioria dos casos, rejeitando a violência. Isso pelo menos em países onde a democracia está estabilizada: é verdade para a Itália, para a Alemanha, para a França, mas não para a Hungria.
Quem podemos considerar responsável por esse crescimento dos extremismos?
Há uma enorme desresponsabilização dos partidos tradicionais do governo, mas que não podem continuar a atuar apenas na defesa contra esses partidos e movimentos. Em vez disso, eles devem mudar o mais rápido possível, combater a desconfiança em relação à política e o mal-estar social gerado pelas desigualdades, a precariedade que afeta principalmente as mulheres e os jovens. O problema sociocultural da imigração e da profunda transformação das nossas sociedades impõe uma demanda de identidade que exige respostas. Precisamos travar uma importante batalha cultural - e não uso a palavra batalha ao acaso - para dizer que tipo de sociedade e política queremos. Mas não como o futebol italiano de alguns anos atrás.
Não o catenaccio?
“Exatamente, não o catenaccio. Precisamos de uma dimensão mais ofensiva. Além disso, será decisivo o que acontecer nos Estados Unidos. Nos Estados Unidos, há um confronto direto entre dois conceitos de política e sociedade. A de Trump, fechada, racista e duríssima. A de Harris baseada em outra perspectiva. A votação de 5 de novembro será decisiva: não haverá consequências imediatas, mas logo serão vistas também na Europa.
Depois de 6 de janeiro, após o retorno da violência como arma política e a promessa de gerar mais violência, em caso de derrota, por parte de Trump, é possível torcer abertamente por ele, como fazem a maioria dos partidos de direita na Europa?
Vejo que Orban e Salvini não hesitam. Meloni e Le Pen parecem mais prudentes para mim, talvez por causa disso. Mas veremos se - no caso de uma vitória de Trump - correrão para Washington prontas para mudar sua política também. Certamente, se Trump for derrotado, prevejo que tons mais moderados prevalecerão. Haverá, mesmo numa determinada direita, uma rejeição de sua retórica violenta e agressiva: mas somente se ela se mostrar perdedora.
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“Na França e na Alemanha, extremismos diferentes: que os partidos tradicionais parem a onda”. Entrevista com Marc Lazar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU