23 Agosto 2024
“Não vejo este momento com pessimismo, mas com esperança, porque vejo muitos homens e mulheres que estão prontos para dar uma segunda oportunidade à Igreja”. A afirmação é do cardeal português José Tolentino Mendonça e foi feita no decurso de uma entrevista publicada pelo diário argentino La Nacion.
A reportagem é publicada por 7Margens, 21-08-2024.
O também prefeito do Dicastério para a Cultura e a Educação manifesta o desejo de uma Igreja menos piramidal, que poderá sair do atual processo sinodal. Interrogado sobre o que significa para ele o atual Sínodo, que vai ter a sua segunda sessão à escala universal em outubro, Tolentino Mendonça entende que a questão da sinodalidade “marcará a Igreja do futuro” e que o Papa Francisco “teve uma grande visão”, ao lança-lo, já que, observa, “a Igreja deve crescer”.
“Mas para crescer, explica, deve fazê-lo através do diálogo consigo mesma, ativando todas as mediações e participação dos batizados”, de que “nascerão muitas outras coisas”. Além disso, o Sínodo ajudará a “ver claramente” a Igreja “não de forma piramidal, mas como um corpo”.
Nesta linha, o cardeal considera que aquilo que pode conferir à Igreja um rosto sinodal, “mais do que este ou aquele tema, é precisamente a participação e a vocação dos batizados”, que ele crê, “terá grandes consequências no futuro”.
Conduzida pela jornalista Elisabetta Piqué, que é uma amiga do Papa desde os tempos dele como arcebispo de Buenos Aires, a entrevista arranca em torno do perfil de Tolentino como homem de cultura e, especificamente, como poeta. Considerando a sua ascensão na Cúria Romana, destaca o que chama “o último sucesso” do cardeal: o pavilhão da Santa Sé na Bienal de Arte de Veneza, que ele “decidiu instalar num lugar inesperado”: uma prisão feminina, que “transformou numa experiência imersiva única, na qual a arte se funde com o mundo prisional, uma dura e difícil realidade, que poucos querem ver, que se tornou um dos grandes objetivos deste evento”.
As primeiras perguntas da jornalista têm presente a entrada do cardeal poeta na estrutura da Cúria e a visibilidade que adquiriu quando o Papa o convidou para dirigir os Arquivos e a Biblioteca do Vaticano, para orientar o retiro quaresmal da Cúria, o fez, depois, cardeal e o escolheu para dirigir o Dicastério que superintende na rede mundial das universidades católicas. Em concreto, Elisabetta Piqué procurara perceber se Tolentino Mendonça não experimentou problemas de compatibilização entre ser escritor, poeta, intelectual e, ao mesmo tempo, cardeal da cúria e, mesmo, se não sentiu que lhe estavam a cortar as asas.
O entrevistado não só não sente conflito entre os dois estatutos e mundos, como assume um dever continuar a criar, a pensar, a escrever, a ser poeta; vê isso como uma vocação. Mais: encontra no Papa um grande apoio. Vale a pensa seguir as suas palavras “O Papa Francisco ajudou-me muito nisso e sempre me deu toda a liberdade neste aspeto. Depois de me nomear cardeal, o que foi uma surpresa, quando nos conhecemos e eu disse: ‘Santo Padre, o que foi fazer?” (risos), ele respondeu-me: “porque você é a poesia” … Não é que eu seja a poesia, mas na cabeça dele represento aquela cota de poesia que a vida deve ter, como São Francisco, que disse aos seus frades que deveriam ter uma horta para subsistência da comunidade, mas que deveriam deixar uma pequena parte para plantar flores. Então, o útil e o inútil… e a poesia é o inútil que perfuma a vida”.
E é ainda sobre a poesia que ele faz uma confissão de esperança no futuro:
“Falamos de poesia porque faz parte da minha biografia, mas a Igreja tem todos os recursos espirituais para viver este tempo. Um tempo que não vejo com pessimismo, mas com esperança, porque vejo muitos homens e mulheres disponíveis para dar uma segunda oportunidade à Igreja”.
A visão que ele tem do Papa Francisco, de quem está próximo há seis anos, interessou também a entrevistadora. O prefeito do Dicastério diz-se “impressionado” com a inteligência do Pontífice e “com sua simplicidade evangélica”. Naquele homem há cheiro a Evangelho. É comovente. Uma pessoa diz: ‘Estou diante de alguém que acredita que a verdade é a verdade’. E isso não é muito comum”.
Mesmo a terminar, a jornalista lança-lhe a deixa: “sabe que dizem que você é um ‘papável’. O cardeal ri-se e, como se diz em português, chuta para o canto: “Acho que a Igreja neste momento tem um Papa extraordinário que todos deveríamos apoiar de todas as maneiras e estar-lhe gratos por tudo o que ele faz para ajudar a Igreja a ser mais missionária e mais profética”.