30 Julho 2024
"A ausência do nome é um sinal da ausência de capacidade jurídica: quem não tem nome não pode ter direitos, quem não tem nome próprio não pode dar seu próprio nome", escreve Anita Prati, professora de Letras no Instituto Estatal de Educação Superior Francesco Gonzaga, em Castiglione delle Stiviere, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 28-07-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
A palavra é, na história, um privilégio para poucos e, quando escrita, é ainda mais. Do direito de palavra até o direito de dar nome às próprias palavras, o caminho para o direito autoral é pavimentado de exclusões.
"Autor" é uma palavra exigente: auctor, na língua latina, é aquele que cria e que atua como fiador. O valor jurídico do termo confirma seu peso e autoridade: é no desdobramento das funções e prerrogativas de um auctor que se dá a auctoritas — não em outro lugar, não de outra forma. Instrução, conhecimento e escrita não são apenas privilégios, são locais de exercício de autoridade. Entregar as próprias palavras à forma escrita implica ser capaz de se colocar como fiador do que foi escrito, poder assumir a sua paternidade. (Parêntese linguístico: aprendemos a falar dentro de um universo sonoro que chamamos de língua materna, mas das obras escritas reivindicamos a paternidade — algo que, de forma não neutra, tem a ver com a prática de dar o nome, ou melhor, o sobrenome.)
Se "autor" é um termo pesado, "autora" pesa muito, muito mais. Um peso tão insustentável que torna preferível a invisibilidade. Para as mulheres, é melhor um saudável anonimato, e que as suas palavras-pensamento, as suas palavras-escrita, caso vejam a luz, sejam imediatamente engolidas e encerradas na escrita dos homens — os únicos autorizados a se tornarem autores, a assinar, a dar o nome e reivindicar paternidade. Eis então outra história que não existe, escondida, desta vez, em um livro que, na página de rosto, leva o nome de um autor masculino e famoso. Ele é o grande poeta elegíaco Tíbulo. Ela é Sulpícia, a única poetisa latina cujos versos, cuidadosamente escondidos entre as páginas de uma obra que não é dela, chegaram até nós.
O nome do pai já é uma identidade.
Aliás, é a identidade. Nascer mulher em Roma significa não ter um nome próprio, mas assumir, na forma feminina, o nome da gens paterna. Isso explica o grande número de Julias nascidas na gens Julia, Tulia, filha de Marcus Tullius Cicero; Antonia, filha de Marco Antônio, e Cornelia, a mãe dos Gracchi, filha de Públio Cornélio Cipião.
Por trás do nome da poetisa Sulpícia está o nome de seu pai, Sérvio Sulpício Rufo, e há o nome da gens Sulpícia, estirpe de oradores e jurisconsultos, entre os quais se destaca seu tio paterno, um jurista de grande renome ligado por amizade a Cícero.
Sulpícia (Foto: Wikimedia Commons)
O nome Sulpícia, como todos os nomes femininos romanos, é a expressão de uma onomástica que é, na realidade, uma unomástica — em Roma, os nomes das mulheres não são verdadeiros onomas, nomes próprios, mas são ounoma, não nomes —, com o consequente e inevitável corolário: invisibilidade em nível social, inferioridade em nível jurídico.
A ausência do nome é um sinal da ausência de capacidade jurídica: quem não tem nome não pode ter direitos, quem não tem nome próprio não pode dar seu próprio nome. Sulpícia também tinha uma mãe, é claro, e como seu avô materno pertencia à antiga nobreza dos Valerii, sua mãe só poderia se chamar Valéria.
Seu tio materno, irmão de sua mãe, também era um homem famoso, nada menos que Marcos Valério Messalla Corvino, o grande general e político que, na era de Augusto, animou um círculo literário alinhado em posições, se não de aberto contraste, pelo menos alternativas àquelas expressas pelo círculo de Mecenas, promotor, em vez disso, de um empenho cultural totalmente a serviço do projeto político de Augusto. Em torno do tio de Sulpícia e de seu círculo gravitavam os poetas da grande temporada elegíaca romana, Tíbulo, o jovem Propércio, Ovídio. Foi justamente no contexto dessa ampla renovação cultural que, podemos imaginar, Sulpícia deu seus primeiros passos em direção à poesia.
Sulpícia é, como muitas moças romanas de bem da época, uma docta puella. Pertence a uma família muito nobre e de alto escalão, o que lhe dá a oportunidade de receber uma excelente formação. Estuda, familiariza-se com o mundo da literatura e da poesia e compõe versos. Ela compõe, mas não publica, e aqui está a diferença decisiva em relação aos poetas homens. Publicar um livro, apresentar-se como auctor, tem a ver com o exercício daquela auctoritas que as mulheres, de acordo com os romanos, e de acordo com muitos outros antes e depois deles, são excluídas por natureza.
Um livro editado por uma mulher implica uma exposição pública que se choca com a ideia de um feminino naturalmente vocacionado para a dimensão fechada da família e do lar, pensado como introvertido por natureza para a esfera do íntimo, em oposição ao masculino por natureza extrovertido para o público e o social.
Publicar o livro de uma mulher significa, implicitamente, atribuir à palavra feminina uma autoridade que vai além da esfera circunscrita do privado, do doméstico e do familiar. Um excesso inadmissível.
Sulpícia conhece e frequenta poetas elegíacos, lê seus poemas, lê os seus próprios. Ela ouve seus comentários, valoriza seus conselhos. Alguém que percebe e aprecia a qualidade de seu estofo poético a encoraja a continuar e talvez a ajude a buscar um caminho que possa lhe dar visibilidade mesmo fora do círculo de Messalla, no qual a jovem filha de Sérvio Suplício Rufo está, além disso, totalmente inserida. Enquanto isso, Tíbulo publica. Um primeiro livro contém dez elegias, o segundo, seis. O terceiro livro leva seu nome, mas na realidade os componentes poéticos contidos nele são todos de outra autoria. Quando, após a primeira edição impressa de 1472, o Corpus Tibullianum voltou a ser lido e admirado pelos intelectuais europeus, o terceiro livro do Corpus, o chamado Appendix Tibulliana, começa a gerar questionamentos.
Questiona, sobretudo, a voz feminina que, em alguns desses poemas, fala de si mesma na primeira pessoa. As hipóteses que se sucedem são todas fortemente marcadas pelo preconceito de gênero: como uma mulher não pode escrever poesia, aquela voz feminina só pode ser uma ficção, uma persona poética, o próprio Tíbulo que, em um sublime exercício de mimese, assume o papel e a voz de uma mulher.
Precisamos chegar ao século XIX antes que aquela mulher que se dá ao luxo de escrever poesia receba um status de credibilidade. E, a essa altura, até mesmo os juízos de mérito se veem pagando o preço do sexismo: se, considerando como auctor Tíbulo, a língua havia sido julgada como um latim original, elegante e refinado, quando confrontado com a hipótese de que, por trás daqueles versos, uma mulher poderia estar escondida, não faltam os críticos que falaram sem meias palavras de um "latim feminino" feio e amador.
Hoje, a atribuição à poetisa Sulpícia das seis elegias mais curtas do Appendix Tibulliana (quarenta versos ao todo) e o reconhecimento de uma autoria feminina é essencialmente unânime; na verdade, o interesse também está se estendendo também para as composições mais longas que, com as seis elegidiae, formam o chamado "ciclo de Sulpícia".
Indo além dos estereótipos de viés machista, que propunham uma divisão clara entre poemas curtos de Sulpícia e poemas longos e elaborados — e, por isso mesmo, de autoria masculina — novos trabalhos acadêmicos estão explorando os aspectos estilísticos formais, o conteúdo e os ideais literários de todas as composições do ciclo, trazendo à evidência sua coerência subjacente. Graças a essas pesquisas, nos é devolvido o rosto de uma poetisa refinada, capaz de um diálogo vivo e à altura de sua contemporaneidade artística e literária.[1]
Não sabemos por qual feliz combinação os poemas de Sulpícia não ficaram escondidos no fundo de um baú, à mercê do desgaste do tempo, mas seguiram um caminho que lhes deu a possibilidade de chegar até nós. Lê-los hoje é encontrar a voz de uma mulher que expõe seus próprios sentimentos, com aquela sabedoria de partir de si mesma que se tornaria um dos motivos fundadores das reflexões feministas no século XX.
Sulpícia não apenas fala de si mesma, mas também se autoriza a se apresentar como sujeito de desejo. Aqui está a pedra de escândalo dessa extraordinária maternidade poética: a mulher, musa tácita e passiva, objeto perene do desejo masculino, em Sulpícia assume uma postura totalmente diferente, dando voz à sua própria busca pela felicidade por meio de um corpo alegremente sexualizado. Isso foi suficiente para uma censura mais que milenar.
Finalmente o amor chegou e seja eu mais conhecida
por tê-lo encoberto por pudor do que por tê-lo revelado a alguém.
Comovida por meus versos, Citereia o trouxe
e o depositou em meu regaço.
Vênus cumpriu suas promessas. Se alguém, ao que se sabe,
não encontrou alegrias, que fale das minhas.
Não gostaria de confiar alguma coisa a tabuinhas seladas
para que ninguém a lesse antes de meu amado;
alegro-me de meu erro; aborrece-me fingir por minha reputação.
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A história que não existe: Sulpícia. Artigo de Anita Prati - Instituto Humanitas Unisinos - IHU