"O autor estuda sequencialmente a experiência 'estética' de Maria, o discernimento que ela faz sobre os sinais de Deus, os sentidos de Maria, o seu 'sentimento materno' singular, para encerrar a reflexão centrando-se nos sentidos de Maria moldados pelo Espírito".
O artigo é de Roberto Mela, teólogo e professor da Faculdade Teológica da Sicília, em artigo publicado por Settimanna News, 19-07-2024.
O estudioso bíblico milanês Franco Manzi ensina Novo Testamento e Língua Hebraica no Seminário de Milão e em outros institutos acadêmicos, incluindo a sede da Faculdade de Teologia do Norte da Itália.
Neste volume o estudioso oferece uma versão atualizada e ampliada de uma obra publicada em 2005. Ele busca a raiz da beleza “teológica” de Maria (cujas feições humanas ninguém conhece), que é o esplendor da santidade e da verdade de Deus é também imagem da bondade e da fidelidade de Cristo, o mais belo dos filhos do homem.
Da nota introdutória à forma da missa da Virgem Maria, mãe do amor, ele extrai três razões pelas quais a Virgem Maria é chamada de “bela”, isto é, capaz e pura.
Em primeiro lugar, porque, sendo "cheia de graça" e "enriquecida dos dons do Espírito", "está revestida da glória do Filho e adornada de todas as virtudes".
Em segundo lugar, porque, da forma mais pura, amou apaixonadamente a Deus, ao seu maravilhoso Filho e a todos os homens, com um amor virginal, esponsal e maternal.
Terceiro, porque participou esplendidamente do mistério da concepção e nascimento de Cristo, bem como da sua morte e ressurreição, aderindo com a doçura e a força do amor em perfeita harmonia com o desígnio salvífico de Deus.
Reprodução da capa de Maria di Nazareth, capolavoro dello Spirito. Riflessioni bibliche (Foto: Divulgação)
O autor pretende investigar a ligação entre Maria de Nazaré e a beleza de Deus a partir de um perfil teológico-bíblico. Sigamos o seu pensamento, exposto sobretudo na Introdução (pp. 7-22).
Cheia de graça (cf. Lucas 1,28) do Espírito Santo, a Virgem Maria é bela, porque amou apaixonadamente a Deus Pai, dedicando-se totalmente ao Filho de Deus e a toda a sua missão salvífica, desde a concepção até à ressurreição.
A reconsideração dos textos marianos do NT numa perspectiva trinitária permite-nos determinar, de forma exegeticamente fundamentada, a essência da beleza de Maria e a sua experiência “estética” e espiritual da mesma beleza de Deus.
Duas objeções pairam – segundo Manzi – sobre a possibilidade de seguir o “caminho da beleza” (via pulchretudinis) num estudo de natureza bíblico-teológica. Um de método e outro de conteúdo.
Perguntamo-nos se é correto um exegeta seguir a via pulchretudinis e não a via veritatis.
Há também o perigo de uma certa retórica que corre o risco de se limitar a repetir afirmações bastante genéricas sobre a beleza, a estética e mesmo a teologia estética e a estética teológica.
A estética é uma ciência jovem – recorda o autor – e a “estética teológica” ainda está a caminho de definir o seu próprio horizonte epistemológico. Atualmente, estão surgindo vários cargos (na Itália, pensemos em Bruno Forte, Pierangelo Sequeri e Crispino Valenziano).
Mesmo que a reflexão sobre a beleza não possa evitar algum esforço, para Manzi é inaceitável propor uma dicotomia entre os dois caminhos e o sentimento que navega, ainda que inconscientemente, para a separação indevida entre razão e fé.
Também deve ser superada a objeção que surge do fato de que, nos escritos canônicos da Bíblia, nenhum dado sobre a beleza física de Maria de Nazaré deve ser superado.
Mesmo para os artistas, sua imagem revelava uma beleza que ia além do físico.
Manzi se pergunta, portanto, que beleza está envolvida quando refletimos teologicamente sobre a Tota pulchra a partir da atestação do Novo Testamento.
Partindo de um discurso de Paulo VI em 1975, que viu a relevância da exegese bíblica para a via veritatis e não para a via pulchetudinis, Manzi está convencido de que a variedade de métodos e abordagens exegéticas atualmente em uso permitem que os estudiosos da Bíblia ofereçam as próprias soluções específicas. contribuição para empreender fecundamente a via pulchretudinis da Mariologia.
A tese que Manzi pretende apoiar é a seguinte: "[s]se para a Bíblia a beleza de Deus coincide em última análise com o esplendor do seu agápē, isto é, o amor unívoco e incondicional que ele 'é' (Primeira Carta de João 4,8.16), Maria participou dela de forma completamente singular. Em particular, ela recorreu a isso através dos seus sentidos, que eram ao mesmo tempo corporais e "espirituais", isto é, inflamados nela pelo Espírito Santo, que a encheu de graça (Evangelho segundo Lucas 1,28). Fez-lhe assim imagem da "Imagem do Deus invisível" (cf. Segunda Carta aos Coríntios 3,18) ou - como canta Dante no Paraíso (XXXII, 85-86) - "o rosto que mais se assemelha a Cristo". (pp. 19-20).
Manzi desenvolve sua tese em quatro etapas.
Primeiro ele foca na beleza do Pai de Jesus, analisando a “forma” do agápē. A beleza do agápē transparece nas criaturas e na história. Por fim, o estudioso faz uma pausa para refletir sobre a experiência “estética” da beleza de Deus – agápē.
Numa segunda etapa, analisa-se a beleza do Filho Jesus, perscrutando de perto a “forma” do servo do Senhor. Desta forma emerge a beleza de Jesus transfigurado, a de Jesus “bom pastor” e a de Jesus crucificado.
A terceira etapa estuda a beleza da mãe de Jesus, refletindo sobre a “forma” da serva do Senhor. A reflexão sobre os textos do NT revela a conformação da beleza de Maria com a de Cristo na encarnação, na sua paixão e a conformação da beleza de Maria com a de Cristo obediente à cruz.
Num quarto momento Manzi reflete sobre os sinais “graciosos” de Deus e sobre os sentidos “espiritualizados” de Maria. O autor estuda sequencialmente a experiência “estética” de Maria, o discernimento que ela faz sobre os sinais de Deus, os sentidos de Maria, o seu “sentimento materno” singular, para encerrar a reflexão centrando-se nos sentidos de Maria moldados pelo Espírito.
Na conclusão de seu denso volume (pp. 113-116), Manzi se pergunta que beleza salvará o mundo.
Ele responde lembrando que a revelação bíblica afirma que a única beleza que causou a salvação da humanidade e de toda a criação é a do amor incondicional (agápē) de Deus, revelado definitivamente por Cristo e servido de maneira igualmente incondicional pela Virgem Maria.
"Em última análise – escreve o estudioso – a experiência estética e espiritual de Maria consistiu na sua total – virginal – disponibilidade para se deixar conformar pela graça de Deus à 'condição de serva' (morphḕ doúlou) de Jesus Cristo. Graças à receptividade ativa da serva do Senhor, o Espírito Santo, que accendit lumen sensibus, continuou a agir nela, permitindo-lhe saborear com todo o seu ser a beleza crucificante e glorificante do agápē de Deus” (p. 116).
O autor conclui o seu esforço com uma bela citação de Paulo VI (de 1975) que vale a pena citar na íntegra: "A Igreja Católica, aliás, sempre acreditou que o Espírito Santo, intervindo de forma pessoal, mesmo que em comunhão inseparável com o outras pessoas da SS. A Trindade, na obra da salvação humana, associou-se à humilde virgem de Nazaré. Assim a Igreja pensou que Ele o fez de uma forma adequada à sua natureza de Amor pessoal do Pai e do Filho, com uma ação ao mesmo tempo muito poderosa e muito doce, para adaptar perfeitamente a pessoa de Maria, com toda a sua faculdades e energias espirituais e corporais, às tarefas que lhe estão reservadas no plano da redenção" (ibid.).
A obra de Manzi é acompanhada por inúmeras notas, colocadas no final do volume (pp. 117-128) - escolha que muitos poderão não gostar, dificultando uma consulta visual rápida - e pela rica bibliografia (pp. 129-140) .
O volume ajuda a aprofundar uma reflexão mariológica original, que combina a análise exegético-teológica com a da estética teológica.
FRANCO MANZI, Maria di Nazareth, capolavoro dello Spirito. Riflessioni bibliche [Maria de Nazaré, obra-prima do Espírito. Reflexões bíblicas, em tradução livre] (Le Àncore), Àncora, Milão 2024, pp. 144, € 14,00, ISBN 9788851428464.