18 Julho 2024
"Assim, também é possível entender de imediato as razões pelas quais Scorsese encontrou em Endō (e não pela primeira vez, pois o diretor já havia produzido em 2016 o filme Silêncio, baseado no romance homônimo do escritor japonês) um autor que, como ele mesmo admite, é um romancista (e não um biblista) que estabeleceu como objetivo da obra apresentar uma figura de Jesus que possa ser acolhida, ou, pelo menos, tornada menos anônima e desconhecida, para um público não cristão como o japonês", escreve Tiziano Tosolini diretor do Centro de Estudos Asiáticos dos missionários xaverianos em Osaka, em artigo publicado por Avvenire, 26-06-2024. A tradução é de Luísa Rabolini.
O livro A vida de Jesus, do escritor católico japonês, é a fonte de inspiração para o novo filme do diretor que já havia se inspirado em Endō para "Silêncio".
O que aconteceria se dois autores, que não se consideram teólogos ou exegetas profissionais, decidissem investigar a figura de Jesus com o objetivo de apresentá-lo com um rosto tão reconhecível ou compreensível quanto possível para as pessoas de hoje? O que aconteceria se dois artistas, movidos pelo ímpeto e pelo tormento de sua busca espiritual, mais que pelo desejo de se agarrar a uma fé predefinida por outros, empreendessem a viagem até as profundezas de suas próprias almas numa tentativa de deixar que emergisse neles a revelação da transcendência, dando assim voz às palavras e aos gestos de Jesus que tiveram o poder misterioso de tocar e transformar a sua existência? Que imagem de Cristo emergiria desse esforço espiritual? Que tipo de interpretação da mensagem do Evangelho se articularia e ressoaria de forma inédita e cativante para o homem contemporâneo?
Talvez uma das respostas mais atuais a essas perguntas esteja tanto em um livro publicado pelo escritor católico japonês Shusaku Endō (A vida de Jesus, 1973) quanto no filme que o diretor estadunidense Martin Scorsese, aceitando um recente convite do Papa Francisco para criar novas obras de arte sobre a identidade e a missão de Jesus, decidiu realizar, deixando-se sugestionar justamente pela representação peculiar de Cristo que emerge do livro de Endō. Debruçando-se sobre algumas percepções iniciais desse seu projeto, o diretor declarou que o filme será ambientado principalmente nos dias atuais e se concentrará nos ensinamentos fundamentais de Jesus para explorar seus princípios e revelações, mas evitando cair em formas de árido proselitismo.
Ao anunciar essa sua nova empreitada cinematográfica, Scorsese disse:
"Estou tentando encontrar uma nova maneira de torná-lo acessível a todos e eliminar o ônus negativo do que tem sido associado à religião institucional... No momento, quem fala sobre ‘religião’ desperta a antipatia de muitas pessoas porque ela fracassou de várias maneiras. Entretanto, isso não significa necessariamente que o que lhe deu o impulso inicial estava errado. Vamos retornar ao passado. Vamos repensá-lo. Alguns ainda o rejeitarão, mas isso poderia fazer a diferença na maneira como se vive a própria existência, até mesmo na sua própria rejeição" (For Martin Scorsese, It's All about Forgiveness, em Los Angeles Times, 8 de janeiro).
Assim, também é possível entender de imediato as razões pelas quais Scorsese encontrou em Endō (e não pela primeira vez, pois o diretor já havia produzido em 2016 o filme Silêncio, baseado no romance homônimo do escritor japonês) um autor que, como ele mesmo admite, é um romancista (e não um biblista) que estabeleceu como objetivo da obra apresentar uma figura de Jesus que possa ser acolhida, ou, pelo menos, tornada menos anônima e desconhecida, para um público não cristão como o japonês. É claro que o escritor sabe que alguns teólogos teriam reservas a vários pontos de sua exposição, mas Endō não se cansa de repetir que está mais interessado nas "verdades" da Bíblia do que nos "fatos" históricos, ou seja, naquelas verdades do espírito que mantêm a sua validade (e que ainda respeitam a verdade essencial da mensagem cristã), mesmo que não correspondam diretamente a fatos "reais" ou historicamente acontecidos. [...] A obra de Endō não deve ser lida como uma obra de apologética ou de história, mas sim como um relato de um encontro com "o amor de Deus" e com o "Deus do amor", oferecendo assim até mesmo aos céticos, aos que perderam a confiança e às pessoas cansadas e solitárias de hoje um retrato do rosto do Senhor no qual possam se espelhar e se recriar espiritualmente.
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Para falar de Jesus, Scorsese retorna a Endō. Artigo de Tiziano Tosolini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU