10 Julho 2024
Financiados por BB e Banco da Amazônia, pecuaristas apontados como invasores de parque estadual em RO forneceram gado a JBS e Marfrig, como revelou a Repórter Brasil.
A reportagem é de Ana Carolina Amaral, publicada por Repórter Brasil, 04-07-2024.
Presos após a investigação do Ministério Público de Rondônia, dois invasores do parque estadual Guajará-Mirim obtiveram crédito rural do Banco do Brasil (BB) e do Banco da Amazônia (Basa), de acordo com dados do Banco Central obtidos pelo Greenpeace e acessados pela Repórter Brasil.
Um dos beneficiados foi o ex-juiz Hedy Carlos Soares. Em menos de dois meses, entre junho e agosto de 2021, ele conseguiu quatro concessões de crédito rural do Basa para bovinocultura e aquisição de animais em sua fazenda Prosperidade, no município de Buritis (RO).
Com uma área total de 946 hectares, a fazenda Prosperidade teve 130 hectares desmatados entre 2012 e 2021, de acordo análise do Greenpeace baseada nos dados de satélite do Prodes, programa de monitoramento do Inpe (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais). Um ano depois, o ex-juiz conseguiu mais uma emissão de crédito rural para a mesma propriedade, somando um total de mais de R$ 2,4 milhões.
O último crédito foi emitido em 1º de agosto de 2022. Quinze dias depois, Soares seria preso por determinação do Tribunal de Justiça de Rondônia por ter dado sentenças que o favoreciam. Uma delas legitimou a posse da fazenda Cantão, inserida no parque Guajará-Mirim e da qual o juiz era arrendatário.
O juiz movimentou pelo menos 300 cabeças de gado entre as fazendas Cantão e Prosperidade, de acordo com Guias de Trânsito Animal (GTAs) citadas nas investigações do Ministério Público.
Em maio, a Repórter Brasil já havia revelado que pessoas apontadas como laranjas do juiz forneceram por anos gado à JBS e Marfrig, que admitiram a relação com os fornecedores e informaram que eles foram bloqueados.
Outra fazenda a apenas 400 metros da propriedade Cantão, a Recanto, em Nova Mamoré (RO), recebeu do Banco do Brasil R$ 251 mil, em janeiro de 2020, para aquisição e manutenção de animais. Seu proprietário, Walvernags Cotrin Gonçalves, foi preso no último novembro por invasão ao parque estadual Guajará-Mirim. Segundo as investigações do Ministério Público, ele le atuava no mesmo grupo do ex-juiz.
Na época em que recebeu o crédito, a propriedade tinha menos de 4% da sua área com vegetação nativa. Dos 419,05 hectares da fazenda Recanto, 402 hectares foram desmatados entre 2013 e 2015, de acordo com os dados de satélite do Prodes/Inpe analisados pelo Greenpeace. O montante equivale a 95,9% da propriedade.
Isso significa que, ainda que tenha obtido autorização para a derrubada da vegetação, a propriedade está irregular em relação às áreas mínimas de conservação em propriedades rurais previstas pelo Código Florestal. A lei federal prevê que, além de manter conservadas as Áreas de Preservação Permanente em margens de rios e topos e encostos de morros, as propriedades rurais devem manter uma parcela de vegetação nativa denominada Reserva Legal. Na Amazônia, a Reserva Legal deve corresponder a 80% da propriedade em áreas de florestas.
Questionada pela reportagem, a Sedam, secretaria estadual de desenvolvimento ambiental de Rondônia, não respondeu se as fazendas Prosperidade e Recanto contavam com autorização do órgão para o desmate – as chamadas autorização para supressão de vegetação (ASV).
A responsabilidade das instituições financeiras vem sendo regulamentada por normas do Banco Central desde 2008 para restringir o crédito rural a infratores ambientais. Já a responsabilização da cadeia da pecuária na Amazônia por fornecedores ligados a crimes ambientais contam apenas com diretrizes do protocolo Boi na Linha, uma iniciativa do Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) em parceria com o Ministério Público Federal.
As resoluções do Banco Central foram atualizadas em 2023 com normas mais rígidas, que vetam o crédito a propriedades com áreas embargadas, com o Cadastro Ambiental Rural (CAR) suspenso ou com sobreposição a unidades de conservação, terras indígenas e florestas públicas em todo o país.
Ainda assim, segundo análise do Greenpeace, as normas atuais são insuficientes para evitar a concessão de créditos a desmatadores. No relatório Bancando a Extinção, publicado no último abril, a ONG revelou que 10.074 propriedades inseridas total ou parcialmente em unidades de conservação na Amazônia foram beneficiadas por recursos do crédito rural entre 2018 e 2022.
Também receberam o financiamento 24 propriedades sobrepostas a 7 terras indígenas, 21.692 imóveis sobrepostos a florestas públicas não destinadas; 798 imóveis financiados com embargo do Ibama e 29.502 propriedades com desmatamento.
A pesquisa foi realizada a partir do cruzamento de bancos de dados públicos, como o Sicor (Sistema de Operações do Crédito Rural) do Banco Central, o Cadastro Ambiental Rural (CAR) e os dados de desmatamento do Prodes/Inpe. As propriedades de Hedy Carlos Soares e Walvernags Cotrin Gonçalves estão entre os casos apurados pelo Greenpeace.
“Os bancos alegam que concederam os créditos antes da norma mais recente do Banco Central, de 2023, entrar em vigor. Mas nós temos leis, como a de crimes ambientais, e elas são soberanas. Como os bancos ignoram a legislação?“, questiona Thais Bannwart, porta-voz do Greenpeace Brasil.
A partir da denúncia do Greenpeace, o Ministério Público Federal publicou uma recomendação no início de junho para que os bancos cancelem crédito rural para propriedades em áreas de conservação na Amazônia. As instituições têm 30 dias para responder.
Em seu relatório, o Greenpeace sugere novos critérios de concessão de crédito para evitar as brechas encontradas pela pesquisa. Elas seriam sanadas, segundo a ONG, com medidas como a exigência de autorização para supressão de vegetação (ASV) e a rastreabilidade do gado – que evitaria o uso do crédito rural para adquirir animais ligados a desmatamento.
Outra sugestão da ONG muda o alvo do escrutínio: o veto de recursos passaria a mirar o proprietário que tenha embargos ou autuações em quaisquer de suas propriedades – e não só a propriedade inscrita para a operação de crédito, como manda o critério atual.
As mudanças fechariam as brechas que permitiram a concessão de créditos a Hedy Carlos Soares e Walvernags Cotrin Gonçalves. Os advogados de ambos foram procurados pela reportagem por e-mail, mas não retornaram aos contatos.
“Casos como o de Walvernags Cotrin Gonçalves, que recebeu financiamento do Banco do Brasil para uma fazenda com 96% da área desmatada, ilustram que nem mesmo a primeira norma do Conselho Monetário Nacional que fez exigências ambientais para o crédito rural para o bioma Amazônia – a resolução CMN 3545/2008 – está sendo cumprida”, avalia a especialista em finanças sustentáveis Luciane Moessa, diretora da Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis e ex-procuradora do Banco Central.
O Banco do Brasil é o maior operador do crédito rural na Amazônia Legal, segundo o Greenpeace. Somente em 2022, a instituição concedeu 44,10% do valor dos contratos de crédito rural na região. O BB ficou em 8º lugar entre dez grandes bancos avaliados no Rasa (Ranking da Atuação Socioambiental de instituições financeiras), desenvolvido pela Associação Soluções Inclusivas Sustentáveis.
Já o Banco da Amazônia foi avaliado pelo Rasa no ranking dos bancos de desenvolvimento e agências de fomento e ficou em 2º lugar, atrás somente do BNDES.
Questionados sobre a concessão de crédito a invasores do parque Guajará-Mirim, os dois bancos reafirmaram suas políticas através de nota, mas não mencionaram os casos apresentados pela reportagem.
“O BB não comenta casos específicos em respeito ao sigilo bancário”, afirma a nota do Banco do Brasil, acrescentando que o banco “está seguro sobre a conformidade em seus processos de concessão de crédito”. A íntegra da nota pode ser lida aqui.
Já o Banco da Amazônia afirmou que está em constante aprimoramento dos critérios de avaliação de riscos socioambientais e climáticos. “Atualmente, esses critérios incluem a verificação automática de sobreposição com áreas indígenas, quilombolas, reservas públicas, unidades de conservação e embargos”, diz a nota do banco.
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Banco do Brasil financiou investigado por grilagem com fazenda 96% desmatada - Instituto Humanitas Unisinos - IHU