12 Junho 2024
A reportagem é de Jaime Patias, publicada por Religión Digital, 10-06-2024.
Visando ampliar e intensificar esta rede de pessoas, comunidades e instituições comprometidas com o cuidado da Casa Comum, a Pontifícia Universidade Gregoriana, de Roma, acolheu, no dia 7 de junho, um encontro sobre o sinodal caminho da Igreja na Amazônia.
Uma rede, dois remos, canoas, peneiras, algumas abóboras e rostos de mártires, colocados no átrio da Universidade, recordaram o Sínodo para a Amazónia de 2019, ligando as comunidades do território à cidade eterna de Roma. O arranjo criou o ambiente para a abertura mística do diálogo promovido pela Rede Eclesial Pan-Amazônica (REPAM) e pela Conferência Eclesial da Amazônia (CEAMA), lideradas por suas respectivas presidências.
Participaram cerca de 50 pessoas, entre representantes de agências de cooperação internacional, organizações pastorais e eclesiásticas, de vida consagrada e jornalistas de diversos meios de comunicação.
Reunião da REPAM e CEAMA em Roma (Foto: Reprodução Religión Digital)
“Os povos originários da Amazônia provavelmente nunca foram tão ameaçados em seus territórios como agora”, afirmou o Papa Francisco em Puerto Maldonado, no Peru, em 2018. A declaração foi lembrada por Dom David Martínez de Aguirre, vice-presidente da REPAM, que em 2019 foi secretário do Sínodo para a Amazônia. “As imagens falam mais alto que as palavras”, disse o bispo de Puerto Maldonado, referindo-se a um dos vídeos exibidos durante o evento para denunciar os impactos da exploração de petróleo e outros minerais na região.
Participaram cerca de 50 pessoas, entre representantes de agências de cooperação internacional, organizações pastorais e eclesiásticas, Vida Consagrada e jornalistas de diversos meios de comunicação. (Foto: Reprodução Religión Digital)
“O Sínodo dos Bispos e a exortação Querida Amazônia destacaram as belezas e o drama da Amazônia”. No documento, “o Papa fala de injustiças e crimes. Cinco anos depois temos que dizer, com tristeza, que a situação não só continua, como piorou”, observou. “Os bispos do Peru denunciaram recentemente a flexibilização das leis ambientais que deixam a Amazônia e o Planeta ainda mais vulneráveis.” Além disso, “os estados reivindicam soberania e os países são cooptados pelo crime organizado, refletindo uma crise de democracia”. Segundo o bispo, existe uma ligação entre “cultivo de coca, tráfico de drogas, mineração ilegal, exploração de madeira, tráfico de terras, tráfico de pessoas e conivência em ilegalidades”.
A porta-voz das comunidades, Yesica Patiachi, originária do povo Harakbut do Peru e vice-presidente da REPAM, trouxe à reflexão uma questão histórica. “Os povos indígenas estão ameaçados desde a chegada dos ‘brancos’. Nós que estávamos na Amazônia não éramos considerados humanos, mas selvagens, não tínhamos alma. Eu me pergunto agora, quem não tem alma? “Quem são os selvagens como diziam?”, questionou Yesica ao defender a importância da educação para encontrar saídas. “Nos últimos cinco anos, pelo menos 30 ambientalistas perderam a vida. E nos perguntamos: o que fazemos?
A indiferença mata porque contribui para a violação dos direitos humanos. Não queremos esquecer a nossa sabedoria ancestral. Um povo que não tem acesso à educação torna-se mais vulnerável. O maior clamor dos povos indígenas não é celebrar missa, mas sim ajudar-nos a educar nossos filhos. Quero que estudem numa universidade”, disse Yesica, escritora, investigadora, pintora e educadora, que conheceu a Igreja através da educação de religiosas que vão aonde o Estado não vai.
Na Gregoriana, ele lembrou uma pergunta feita certa vez na Universidade Católica do Peru: “Quantos estudantes indígenas vocês têm aqui? Este é um processo longo e temos instituições que, como a REPAM e a CEAMA, investem na educação”, ferramenta indispensável para a autodeterminação das comunidades. “Não podemos voltar atrás, temos que avançar tecendo redes, remando juntos”, concluiu.
O encontro foi moderado pelo padre jesuíta Adelson Araújo Santos, professor da Gregoriana, e pela irmã Laura Vicuña, catequista franciscana e vice-presidente do CEAMA, e coordenado pelo irmão João Gutemberg, marista e secretário executivo da REPAM, e Rodrigo Fadul, vice-secretário, que reforçou a importância de unir forças e trabalhar em rede.
Ao cumprimentar os convidados, o presidente do Collegium Maximum (Pontifícia Universidade Gregoriana), padre jesuíta Pino Di Luccio lembrou que o encontro se realiza no âmbito das comemorações dos dez anos da criação da REPAM, organização fundada em 2014, a que, juntamente com o CEAMA, estabelecido no caminho sinodal em 2020, gerou vários processos e diversas redes eclesiais comprometidas com a defesa e promoção da ecologia integral em todo o mundo. “O território amazônico é um tesouro de valor incalculável para o nosso planeta, um presente de Deus para todos. Preservar, proteger e gerir de forma sustentável esta terra é essencial para a nossa sobrevivência e a das gerações futuras”, disse Di Luccio. “O Programa Universidade Amazônica (PUAM) e o Diploma em Ecologia Integral promovido pelas universidades pontifícias de Roma são algumas das contribuições acadêmicas para o desafio de cuidar do Planeta”.
Yesica Patiachi e Monsenhor David Martinez de Aguirre (Foto: Reprodução Religión Digital)
A Amazônia está no coração do Papa Francisco que, em 2015, a destacou na encíclica Laudato si' e em 2019 realizou o Sínodo. Na exortação apostólica Querida Amazônia (2020), Francisco afirma: “a Amazônia amada se apresenta aos olhos do mundo com todo o seu esplendor, seu drama e seu mistério, encorajando uma conversão ecológica e convidando-nos a cuidar da Criação e a promover uma Igreja com rosto amazônico” (QA 1).
Na situação atual e diante dos desafios na missão da Igreja, os presidentes do CEAMA e da REPAM, Cardeal Pedro Ricardo Barreto e Dom Rafael Cob García, agradeceram as instituições pelo apoio nos diversos projetos em favor da Igreja e comunidades e destacou a necessidade de remarmos juntos com os dois remos de forma coordenada e complementar. O remo da REPAM com atuação ambiental, cultural e social, e o remo do CEAMA com sua especificidade canônica e jurídica. Ambos promovem uma Igreja com rosto amazônico e a sinodalidade na busca de novos caminhos e de uma ecologia integral.
O cardeal peruano Pedro Barreto, arcebispo emérito de Huancayo, explicou ainda que, conforme o CEAMA, "estes dias tivemos uma espécie de visita ad limina para informar o Papa e os dicastérios sobre o andamento (da Conferência Eclesial), exatamente como as Conferências Episcopais. E sentimos do Papa e dos dicastérios de Roma entusiasmo, alegria e sobretudo esperança, uma esperança que não decepciona”. Por isso “continuamos caminhando juntos”, disse o cardeal.
Ao comemorar dez anos, a REPAM deseja retornar às suas origens na periferia, às suas bases onde foi concebida no Vicariato de Puyo (Equador), em abril de 2013, e depois nascida em Brasília em setembro de 2014. Seu presidente, Dom Rafael Cob García, lembrou que “a REPAM é fonte de vida na Pan-Amazônia em pelo menos quatro tarefas: saber ouvir o território, ouvir o grito do povo e da terra; diálogo intercultural na diversidade; cuidar da Casa Comum da qual a Amazônia é parte essencial; construir alianças com aqueles cujo ideal é defender a Amazônia”.
Entre os vários núcleos, Rafael Cob destacou os direitos humanos. “As pessoas que vivem na Amazônia têm seus direitos vulneráveis. É por isso que a REPAM produz relatórios e os apresenta em diversas esferas (ONU, OEA) para reivindicar os direitos dos povos. É importante trabalhar juntos e em rede”, destacou o bispo do Vicariato de Puyo.
A vice-presidente da REPAM, Irmã Carmelita Conceição, freira salesiana, destacou “a complementaridade entre a REPAM e a CEAMA na concretização do compromisso do Sínodo, que é buscar novos caminhos para que as populações tenham o seu espaço e as suas necessidades atendidas”. Entre os centros de trabalho estão “os povos amazônicos e a Igreja nas fronteiras, que é a presença em lugares isolados para promover os direitos humanos”. Este trabalho é importante porque o povo amazônico sofre, é perseguido, é violentado e não tem forças sozinho para enfrentá-lo. Outro núcleo importante é o dos jovens”, disse Irmã Carmelita. As iniciativas REPAM e CEAMA são uma luz de esperança.
“Na crise global em que vivemos, precisamos de alianças, para construir pontes e não muros”, afirmou o representante da ADVENIAT, Pe. Martin Meyer, instituição da Igreja alemã que tem apoiado projetos na Amazônia. Também falaram os representantes da Caritas Espanhola, Ana Cristina Morales, da CAFOD da Inglaterra, Diana Trimino, e o Pe. Patricio Sarlat, do Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral. As organizações internacionais são aliadas no caminho sinodal e no cuidado e defesa do território. Entre as principais preocupações estão a formação de liderança, a educação, os direitos humanos, a defesa internacional e a participação de mulheres e jovens nos processos.
Em Roma, a delegação do CEAMA e da REPAM participou de uma série de atividades que incluíram uma audiência com o Papa Francisco no dia 3 de junho, reuniões nos departamentos que compõem a Cúria Romana, um evento na Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), entrevistas com a mídia e reuniões com organizações eclesiásticas sobre a missão da Igreja na Amazônia.
O território Pan-Amazônico inclui Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Guiana Francesa, Peru, Suriname e Venezuela. O presente e o futuro do Planeta dependem da sobrevivência da Amazônia em sua biodiversidade e da proteção de seus povos ameaçados por projetos predatórios. A missão da Igreja envolve também o cuidado da criação.
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Yesica Patiachi: "Quem não tem alma? Quem são os selvagens da Amazônia?" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU