23 Mai 2024
A Prefeitura foi alertada sobre problemas em quatro estações de bombeamento de águas pluviais depois de cheia de novembro de 2023; riscos são detectados desde 2015.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 23-05-2024.
O prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo (MDB), foi rápido em anunciar um acordo com a consultoria estadunidense Alvarez & Marsal para elaborar um plano de recuperação da capital gaúcha. A consultoria atuou em Nova Orleans após os estragos causados pelo furacão Katrina, em 2005, e é acusada de ter gentrificado a cidade. Melo, porém, não foi tão célere com os alertas sobre falhas no sistema anticheias da cidade. Além de desqualificar o aviso, culpa a natureza.
Depois da cheia que ocorreu em Porto Alegre em novembro de 2023 – uma das três emergências climáticas que atingiram o Rio Grande do Sul nos últimos oito meses –, a prefeitura foi avisada pelo Departamento Municipal de Água e Esgotos (DMAE) sobre problemas em quatro estações de bombeamento de águas pluviais (EBAPs), informa a Matinal. Engenheiros do órgão reforçaram a “necessidade urgente” de manutenção, mostram documentos acessados pelo deputado estadual Matheus Gomes (PSOL) e pelo jornalista Lennon Haas.
Melo classificou as denúncias como “narrativa mentirosa”, relata a Matinal. Culpou a concepção do sistema de proteção. Minimizou o papel das estações, mas, no pior momento da crise, apenas quatro das 23 casas de bombas estavam operando, e até a noite de 3ª feira (21/5) 13 delas continuavam inativas, segundo o GZH. Para completar o factóide, ele atribuiu a inundação às chuvas extremas.
Entretanto, não foi apenas em novembro passado que técnicos apontaram problemas no mecanismo de proteção de Porto Alegre. De acordo com o Meteored, a ineficácia do sistema contra cheias já era apontada no Plano Municipal de Saneamento de 2015 – quando Sebastião Melo era vice-prefeito da cidade, na gestão de José Fortunati (2013 a 2016).
O documento destacou a falta de capacidade hidráulica instalada e o estado precário das instalações e dos sistemas mecânicos e elétricos. Além disso, apontou que algumas casas de bombas atuavam em níveis operacionais abaixo dos 50%.
Um corte necessário: foi em 2016 que a Bombas Sinos se tornou responsável pelos dois maiores contratos de manutenção do sistema anticheias de Porto Alegre. Juntos, os contratos superam R$ 6 milhões, e um segue em vigor. Um de seus sócios é o engenheiro Thierri Moraes, que trabalhou no DMAE entre 2017 e outubro de 2020 fiscalizando os contratos justamente da Bombas Sinos, revela o Intercept.
Voltando aos avisos, um novo alerta à Prefeitura foi dado em 2018, em um parecer técnico elaborado por funcionários municipais, destaca a Folha. Na época, o prefeito era Nelson Marchezan Júnior (PSDB), que em 2021 foi sucedido por Melo.
Na noite de terça-feira, o Guaíba ficou abaixo dos quatro metros pela primeira vez em 19 dias, informa o g1, ainda acima de sua cota de inundação, de três metros. Pelas projeções de especialistas da UFRGS, o nível do Guaíba só deve ficar abaixo dos três metros no início de junho. Isso porque mais chuva está a caminho do Rio Grande do Sul nos próximos dias, informa o MetSul, o que deve diminuir o ritmo de baixa não apenas do Guaíba como da lagoa dos Patos.
Em tempo 1: O acordo pro bono com a consultoria Alvarez & Marsal indica que a prefeitura de Porto Alegre é incapaz de lidar com a atual crise, avalia André Moreira Cunha, vice-diretor da Faculdade de Ciências Econômicas da UFRGS. Em entrevista à Matinal, o professor se mostrou preocupado com a rapidez com que a empresa “se colocou no centro decisório” da atual crise. “Teríamos de estar pensando, planejando e agindo para criar maior resiliência climática na cidade. Não me parece que esta consultoria tenha competências técnicas para isso. Ela começará seu trabalho sem ônus para a cidade, mas findo o prazo da ‘amostra grátis’ virá o custo efetivo a ser pago. Este, talvez, seja o menor dos problemas, diante do custo real de negligenciar o risco climático ao se manter o modelo atual de urbanização”, destacou.
Em tempo 2: O ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, mandou o governador Eduardo Leite (PSDB) e a Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul explicarem, em dez dias, o enfraquecimento da legislação ambiental do estado. Fachin analisou o tema no âmbito de uma ação encaminhada à Corte pelo Partido Verde, lembra a Carta Capital. Somando o risco de uma seca seguir-se à inundação, como destaca o vencedor do Prêmio Mundial da Alimentação Rattan Lal na Folha, fica clara a necessidade do estado rever a forma como usa a terra, e não manter padrões predatórios.
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Tragédia no RS: prefeito de Porto Alegre culpa chuva e não admite falhas na manutenção do sistema anticheias - Instituto Humanitas Unisinos - IHU