21 Mai 2024
"Pensando bem, trata-se da coroação de um duplo percurso, empreendido individualmente pelos dois protagonistas, que os levou a se encontrarem no meio do caminho. Uma metamorfose convergente, que transformou o papa em um ator religioso, e o ator num papa leigo", escreve o matemático e lógico italiano Piergiorgio Odifreddi, ex-professor da Universidade de Turim e da Cornell University, em artigo publicado por La Stampa, 08-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Minha primeira reação à notícia de que Benigni concelebraria com Bergoglio foi um sobressalto na cadeira. O enredo do filme Il Papp'occhio se tornou realidade? O Papa realmente convocou um comediante (o diretor Arbore na ficção de 1980, o ator Benigni na realidade de 2024) para encenar um espetáculo para a televisão vaticana? O Pai Eterno realmente estaria se preparando para intervir, chegando com um Panda com a placa “Paraíso 0001” na Praça de São Pedro, como aliás já faz regularmente seu atual vigário? Será que Benigni corre o risco de ser engolido pelo Inferno no final, depois de ter brincado demais com o fogo do além nos shows-conferência do tour Tutto Dante?
Minha segunda reação, no estilo de uma das primeiras declarações de Francisco, foi então: “Quem sou eu para julgar?”. Por que raios, se um professor ateu e anticlerical como eu conseguiu conviver com um professor crente e papa como Ratzinger, chegando ao ponto de publicar dois livros com ele, um homem do espetáculo ateu e anticlerical como Benigni não poderia conviver com um homem do espetáculo crente e papa como Bergoglio, chegando ao ponto de fazer um evento com ele?
Pensando bem, trata-se da coroação de um duplo percurso, empreendido individualmente pelos dois protagonistas, que os levou a se encontrarem no meio do caminho. Uma metamorfose convergente, que transformou o papa em um ator religioso, e o ator num papa leigo.
Francisco foi criticado desde o início, pelos seus fiéis, por ter evitado ao máximo ser papa, à maneira tradicional de seus antecessores, e em vez disso ter-se esbanjado em atitudes espetaculares e tomadas de posição controversas. Por exemplo, a alardeada escolha “pauperista” da residência em Santa Marta e dos carros pequenos, as contínuas entrevistas a jornais e TVs, os livros autobiográficos, as participações em eventos políticos, como os fóruns sobre a família e a natalidade, as falsas e insubstanciais aberturas em relação à comunhão aos divorciadas e aos casamentos homossexuais, a péssima escolha de vários colaboradores, até brigas públicas com subordinados. Tudo isso muitas vezes criou perplexidade e confusão entre os fiéis e o clero, e não por acaso já há algum tempo se fala de um possível cisma na igreja alemã.
Benigni, por sua vez, está a anos-luz do ator irreverente e antissistema de seus primeiros filmes e de suas primeiras participações televisivas. O conhecimento e a declamação de Dante levaram-no naturalmente a misturar sagrado e profano, e tender cada vez mais para o primeiro, afastando-se cada vez mais do segundo. Há algum tempo as suas participações, as suas plateias e os seus argumentos tornaram-se institucionais: não mais o chefe da oposição (Berlinguer), os festivais da Unità e as variações linguísticas sobre o tema da vagina, mas o Primeiro-Ministro (Renzi), o festival de Sanremo e o elogio à Constituição.
Na época do Covid, os dois futuros coadjuvantes já realizaram separadamente os ensaios gerais do seu próximo espetáculo conjunto: o Papa Francisco aparecendo sozinho na Praça de São Pedro, na presença apenas do Pai Eterno, e Benigni declamando sozinho no Palácio do Governo, na presença apenas do Presidente da República. Tudo isso, claro, transmitido pela televisão, em benefício dos fiéis telespectadores e dos telespectadores fiéis. Portanto, vamos aproveitar o espetáculo do dia 26 de maio, tentando lembrar qual dos dois coadjuvantes é o papa e qual é o ator, e esperando poder distinguir o espetáculo do sermão. Embora aposte que nenhum dos dois recordará o escândalo planetário da pedofilia eclesiástica católica, que o Dia Mundial das Crianças também tem a função de fazer esquecer.
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Benigni aburguesado e o Angelus com o Papa. Artigo de Piergiorgio Odifreddi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU