06 Junho 2024
O que Jesus faria hoje? Aboliria o culto e a missa. Essa, pelo menos, é a opinião da pastora Hanna Jacobs, de Hildesheim, na Alemanha. Publico aqui uma tradução artesanal de seu artigo no Zeit-online. É longo, mas vale a pena ser lido. Não só isso: aquelas pessoas que, como este que escreve, gostariam de gritar o escândalo como primeira reação fariam bem em se fazer algumas perguntas.
O comentário é de Fulvio Ferrario, teólogo italiano e professor da Faculdade de Teologia Valdense, em Roma, em artigo publicado em sua página no Facebook, 11-05-2024. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ferrario continua: "É verdade: a situação na Itália é MUITO menos trágica (por enquanto): mas os fenômenos descritos pela colega não são desconhecidos. Naturalmente, não há Igreja sem a Palavra: mas, diz ela, esta última ressoa sempre e apenas em um culto deserto? Repito: as soluções parecem-me problemáticas, para dizer o mínimo, mas as perguntas são bastante sérias".
E complementa: "No entanto: se eu tivesse que dizer, de pés juntos, por onde começar, eu me perguntaria se, na situação atual, nós, pastores e pastoras, estamos verdadeiramente tão ocupados a ponto de sermos forçados a copiar as intercessões da internet no sábado à noite. Não estou nada convencido disso e, portanto, a primeira coisa que eu farei será preparar com dedicação as orações para o domingo que vem".
O culto dominical está em risco de extinção. Literalmente: há alguns anos, quando eu ainda era pastora em uma comunidade e cumprimentava regularmente os fiéis à porta da igreja aos domingos de manhã, quase uma em cada duas pessoas tinha uma tal idade que não era possível pensar que, em 10 anos, elas ainda poderiam frequentar a igreja. Somente muito raramente eu via pessoas da minha idade sentadas na igreja às 10 horas aos domingos de manhã. Praticamente não há seiva nova para aquela que ainda é a principal oferta da igreja.
Levanta-se, portanto, a questão sobre se, pelo bem de poucos e dos idosos, deve-se continuar assim docilmente, até que mais ninguém venha, ou se não é mais digno traçar uma linha corajosa e, assim, liberar o tempo e as energias de que as igrejas precisam urgentemente.
Sou definitivamente a favor da segunda hipótese. As funções dominicais não só perderam popularidade, mas também seu fascínio. Quem ainda convidaria seu vizinho não crente para a igreja? As comunidades fazem publicidade com as cantatas de Bach, não com o rito das 10h. Não admira que seja uma relíquia. Há 500 anos, os reformadores encontraram-se diante da tarefa de definir o que poderia ser a Igreja sem o papa e desenvolveram sua pastoral a partir do culto.
A Confissão de Augsburgo de 1530 descreve a Igreja como constituída pela palavra e pelo sacramento. No início da era moderna, as 10h da manhã de domingo era o momento ideal para ouvir um sermão e celebrar a comunhão: as donas de casa e os agricultores tinham terminado a ordenha e ainda não era hora de dar de comer aos animais ao meio-dia.
Mas não é apenas o horário – ao qual a grande maioria das comunidades protestantes nos países de língua alemã continua aderindo em vão – que é um resquício da era luterana. A ideia de que uma comunidade é constituída pelo fato de que todos aqueles que dela fazem parte devem se encontrar no mesmo lugar e na mesma hora também vem do pensamento pré-moderno. O nascimento dos partidos políticos, há mais de 150 anos, demonstra que é possível sentir-se parte de uma ideia comum sem necessariamente encontrar todos os seus membros em reuniões regulares.
No entanto, embora já esteja claro há muito tempo que a Igreja não é composta apenas por aqueles que se sentam dentro dela nas manhãs de domingo, quem pertence ao “núcleo central da congregação” e quem não pertence é em grande parte determinado pela participação no rito dominical. São os fiéis, os idosos, aqueles que geralmente se contentam com uma reunião que consiste em uma liturgia com cantos e um sermão. Eles não querem que aquilo que eles consideram uma tradição muito bonita seja interrompida. Cerca de 2% dos membros das Igrejas protestantes vão à igreja em um domingo normal. Quando poucos exercem grande influência, isso se chama oligarquia.
Não é apenas o núcleo da comunidade – que é rapidamente confundido com a comunidade como tal e muito maior dos cristãos protestantes batizados – que defendem o rito religioso. A instituição eclesiástica também se apega a ele. Em primeiro lugar, os meus irmãos e as minhas irmãs ministros – os pastores amam as funções religiosas, e eu não sou de forma alguma uma exceção. É uma das poucas ocasiões que restaram em que o próprio papel é claro e não precisa ser aperfeiçoado dependendo da situação e do interlocutor, na barraca da quermesse do bairro ou quando se contam as histórias bíblicas no jardim de infância.
No culto, a pastora está na frente, preparou o que vai dizer, não precisa reagir espontaneamente às perguntas e às histórias de vida individuais. Já rezou e cantou a liturgia centenas de vezes, e isso serve também para se tranquilizar em um momento em que a diminuição e a insignificância das igrejas se tornou um tema constante e angustiante.
No domingo de manhã, uma igreja de um povo que não existe mais é encenada para o pequeno grupo de pessoas presentes. Para os protestantes, a esmagadora falta de interesse por essa oferta de edificação pode ser amarga. Para o clero católico, deve ser irritante até ao absurdo. Com enorme esforço, os sacerdotes, cada vez menos numerosos (e mais idosos!) possibilitam aos fiéis o cumprimento de seu dever dominical. Isso porque cada pessoa de fé católica é efetivamente obrigada a participar da missa dominical, incluindo generosamente também o sábado à noite. No entanto, mais de 94% dos católicos ignoram essa obrigação, e a tendência está aumentando.
O fato de as duas maiores Igrejas se apegarem estoicamente ao culto dominical como evento de destaque é uma negação da realidade. Os vicariatos gerais e os escritórios eclesiásticos regionais estão cientes da marginalização do culto, que às vezes é até descrito publicamente como um modelo obsoleto.
Ironicamente, esse é também um sintoma do processo de contração em curso, já que os recursos de pessoal podem ser distribuídos com base no esquema “um culto em cada igreja”. Quando duas comunidades se fundem, toma-se um cuidado meticuloso para garantir que a chamada “oferta de culto” seja mantida em todos os edifícios eclesiásticos existentes e que seja distribuída equitativamente. Para as funções religiosas em semanas alternadas ou uma após a outra, outras coisas são canceladas, como a tarde das crianças ou o café da manhã dos idosos. O rito tem prioridade.
Mas a renovação da Igreja não ocorrerá através do culto dominical. É por isso que ele deve ser abandonado, não para fechar a Igreja, mas para encontrar uma saída de sua insignificância. Abandonar a maior parte dos ritos das 10h contrariaria a tendência para a autoabolição e estaria no espírito de Jesus, que praticava as conversas, os banquetes e as curas mais do que as visitas ao templo.
Será que o mundo teria tomado conhecimento de suas palavras se ele as tivesse pronunciado principalmente na sinagoga? A jovem Igreja primitiva poderia ter obtido a força para resistir às perseguições nos ritos dominicais muitas vezes anêmicos de hoje? Eu creio que não.
Os ritos dominicais envolvem pessoal e dinheiro que poderiam ser investidos em outro lugar. O modelo de organização do serviço da Igreja regional da Baviera estima o tempo de trabalho para um rito religioso, incluindo sua preparação, em oito horas e meia. Isso não inclui o tempo de trabalho do sacristão e do músico da igreja.
No entanto, esse tempo beneficia apenas uma pequeníssima parte daqueles que o financiam por meio dos impostos da Igreja. Poderíamos até dizer que a Igreja gasta muito dinheiro para manter suas tradições. Para 50 pessoas ou mais, provavelmente isso vale a pena, especialmente quando o rito do domingo de manhã ainda tem um significado real na vida. Para uma triste dúzia de pessoas, porém, não vale mais a pena.
A ideia bíblica de que o velho deve primeiro morrer para dar lugar ao novo também se aplica à cultura do culto. Desde que se abandonou em muitos lugares a ideia de que os batismos devem ocorrer necessariamente durante as funções dominicais, estão em pleno aumento as celebrações de batismos em águas abertas ou em piscinas, em que as crianças podem correr e depois fazer um piquenique.
O lema, portanto, é o conta-gotas em vez do regador. É preciso tomar decisões corajosas sobre onde empregar o tempo liberado. O princípio norteador deveria ser o sentido do culto, ou seja, que Deus serve a nós, seres humanos, e nós servimos a Deus ao mesmo tempo. Em termos da ideia de base, essa é uma situação verdadeiramente vantajosa para Deus e para a criatura.
Onde as pessoas hoje experimentam que Deus as está servindo? O que as ajuda a voltar para casa melhores do que quando saíram? E o que ajuda as pessoas a se desapegarem de seus problemas e a se reorientarem em direção à graça? Há muito mais pessoas que acreditam em Deus do que aquelas vão à igreja. No entanto, aqueles que tomam as decisões nas comunidades e nos sínodos têm dificuldade em se fazer perguntas sem apresentar automaticamente um culto ao estilo de Taizé como solução. Isso porque muitas vezes não aprenderam mais nada. No fim do vicariato, a formação prática para ser pastor, há exames práticos em duas áreas: o ensino escolar e o culto dominical.
No passado, já foram encontradas respostas para a pergunta sobre como uma pessoa pode servir a Deus fora da participação dos ritos religiosos. Segundo o ensinamento luterano, quem exerce conscientemente sua profissão serve a Deus. Isso certamente se estendeu para múltiplos campos de atividade, de modo que, no espírito da caridade ativa, o compromisso com os necessitados ou a proteção da criação também são vistos como algo que agrada a Deus.
No entanto, não faz mal perguntar de novo como se pode servir a Deus. Não é impossível alcançar novas realizações nesse sentido. Afinal, durante um certo período, pensou-se até que Deus ficaria contente se jejuássemos e nos flagelássemos ao extremo.
Reconhecer que o rito dominical foi um evento especial durante um longo tempo esclarece as ideias. O que mais pode estar em seu lugar? A degustação de vinho bíblico na igreja e o culto jazz, por exemplo, complementam-se. O grupo leitura teológica feminista edificará mais pessoas do que a noite de culto, enquanto outros serão atraídos pelo culto pop.
O rito dominical deveria ser substituído por um número menor de programas, mas de mais alto perfil, o que não seria apenas uma vantagem para os fiéis e os buscadores, mas também para os pastores. Eles teriam mais tempo para planejar eventos significativos e para redigir cuidadosamente bons textos, em vez de copiar rapidamente as intercessões da internet no sábado à noite.
Só então, quando as pessoas estiverem ansiosas por participar de um serviço religioso especial e particularmente preparado, talvez elas trarão consigo um vizinho interessado – e as igrejas voltarão a estar um pouco mais cheias.
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O que Jesus faria hoje? Aboliria o culto e a missa. Artigo de Fulvio Ferrario - Instituto Humanitas Unisinos - IHU