12 Abril 2024
Após o governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), anunciar na segunda-feira (8) a liberação da licença de instalação (LI) para as obras de exploração de potássio em área que se sobrepõe à comunidade Lago do Soares, território reivindicado pelos Mura, em Autazes (AM), lideranças ouvidas pela Amazônia Real alertam para riscos de conflito.
A reprotagem é de Elaíze Farias, publicada por Amazônia Real, 09-04-2024.
Os indígenas afirmaram que não vão aceitar a atividade sem seu consentimento e avisam para a possibilidade de conflitos caso a pauta da mineração de potássio não volte a ser analisada pela Justiça. O Tribunal Regional Federal da 1ª Região derrubou, em fevereiro de 2024, e novamente no último dia 30 de março, uma decisão da juíza federal Jaíza Fraxe, que impedia o licenciamento ambiental pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) à Potássio do Brasil. Para o Ministério Público Federal no Amazonas e os Mura do Lago do Soares, o licenciamento tem que analisado pelo Ibama, por ser terra tradicional indígena.
A outra esperança é o início dos trabalhos do Grupo Técnico de Delimitação e Demarcação da Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai), que deve começar a partir de maio. O GT foi constituído em agosto de 2023 pela Funai, após 20 anos de espera dos Mura do Lago do Soares e da comunidade Urucurituba, onde a empresa pretende construir o porto de escoamento do minério.
Felipe Gabriel Mura, que recentemente assumiu o cargo de tuxaua da comunidade Lago do Soares, na bacia do rio Madeira, disse que a empresa Potássio do Brasil continua pressionando os moradores a aceitarem a exploração minerária.
“Eles têm trabalhado aqui e agora a empresa está alugando terras para poder passar com seus equipamentos. São terrenos de criação [de gado] dos indígenas. Esperamos que depois da notícia de hoje (08), a Funai não mude novamente a data para iniciar os estudos”, afirmou.
O canteiro de obras está tão próximo das casas que os moradores avistam facilmente os trabalhadores da empresa Potássio do Brasil. “Estão a dois minutos, de lancha, da escola da comunidade”, disse o tuxaua, que alerta para o impacto social que começa a perturbar os moradores.
Conforme a Amazônia Real revelou, os trabalhos da Potássio do Brasil começaram antes mesmo da liberação da licença. Indígenas relataram abertura de picadas, desmatamento e marcação de áreas georreferenciadas. Os indígenas avistam periodicamente drones sobrevoando a comunidade.
A Assessoria de Imprensa do Ipaam, órgão estadual licenciador, disse que a LI refere-se à escavação e montagem da estrutura iniciada, sem autorização de funcionamento. O nome técnico é “lavra subterrânea sem beneficiamento”.
“As LIs serão liberadas por atividade dentro de um cronograma que deve ter um prazo mínimo de análise de 30 dias para cada atividade a ser licenciada e ainda não dá direito de operação/exploração”, disse o Ipaam, em nota enviada à Amazônia Real.
O Ministério Público Federal se manifestou, informando que “considera irregular a licença concedida pelo governo do Amazonas por meio do Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (Ipaam) à empresa Potássio do Brasil para exploração de potássio na região de Autazes (AM) e irá adotar as medidas cabíveis”.
Para o MPF, a licença viola direitos constitucionais, normas internacionais e também direitos dos povos indígenas. Desde 2016, o órgão mantém um processo judicial que questiona a liberação da exploração de potássio. O assunto está judicializado e passou por diferentes julgamentos.
Wilson Lima e a Potássio do Brasil negociam livremente a atividade mineradora no Estado – projeto orçado em 2,5 bilhões de reais – por terem ao seu lado indígenas favoráveis à mineração de potássio. Em novembro de 2023, um grupo de Mura anunciou apoio ao projeto, mas o posicionamento foi contestado por outras lideranças da etnia, incluindo os moradores do Lago do Soares. O MPF denunciou em uma ação civil que a empresa e os indígenas pró-mineração coagiram e intimidaram outros Mura para aceitar o empreendimento.
No anúncio de segunda-feira, o governador estava acompanhado de vários políticos locais e empresários do Amazonas, além do grupo de Mura que apoia a mina de silvinita. O minério é matéria-prima para a fabricação de fertilizantes e o Brasil importa o produto.
O professor William Mura é da Terra Indígena Apitica e faz parte do grupo de lideranças de sua etnia que apoia os Mura do Lago do Soares, contrários à mineração de potássio. Ele comentou que o anúncio do governador do Amazonas não foi surpresa, mas que os indígenas não vão entregar sua terra. William destacou que as obras já vinham sendo realizadas antes mesmo da liberação da licença. Para o professor, a possibilidade de conflitos é iminente.
“A gente não vai baixar a guarda e nem entregar nosso território. Se continuar como está, vai causar impacto e os Mura não vão aceitar. Para tomar essa decisão, o governo do Amazonas e o Estado brasileiro deveriam explicar o que vai acontecer. Mas não trouxeram especialistas, ninguém sabe o que pode acontecer caso ocorra uma tragédia, um acidente, se perfurar e acontecer algo. Simplesmente estão chegando sem avisar nada e sem dialogar”, disse.
Ele criticou a postura contraditória dos governos do Amazonas e do Brasil na sua retórica ambiental nas agendas internacionais. “Defendem lá fora o meio ambiente, a floresta amazônica, a sustentabilidade. Aqui dentro do nosso país estão entregando a Amazônia para a mineração. Negando o direito de um povo indígena”.
Em nota divulgada na tarde de segunda-feira (8), a comunidade Lago de Soares cobrou providências e demarcação da Funai, do Ministério dos Povos Indígenas e do MPF. Na nota, eles pedem a retirada imediata “de todos os invasores que cometem a ilegalidade dentro do nosso território, pela qual vem causando todos os tipos de impacto sociocultural, ambiental e territorial em nosso território Mura”.
“Os avanços da política do governo, autorizando a exploração em nosso território para extração de potássio e outros minerais, contra os direitos natos do Povo Mura, têm um cenário genocida e etnocida formado para invadir nossos territórios, apagar nossa identidade cultural, retirar nossos direitos. E cada dia surgem novos ataques que afetam nossa saúde, educação, e nossa integridade física, cultural e territorial”, diz trecho da nota.
Herton Mura, também professor e liderança da etnia, salientou que está em curso uma ação grave de violações de direitos e de tentativa de “esconder a existência de indígenas Mura no Lago do Soares”.
“As autoridades não querem falar como vai ser a vida desse povo daqui pra frente. Um povo que já vem sofrendo vários ataques antes mesmo da licença ser autorizada. Não existe lei que ampare mineração em terra indígena. O Lago do Soares pode não ser homologado, mas é um território tradicionalmente ocupado. A Constituição Federal garante nossos direitos. O STF reconheceu nosso direito”, disse.
Herton Mura também chamou atenção da “ausência da Funai” e na falta de uma medida que garanta os direitos dos indígenas.
“A gente vê uma Funai praticamente inativa. Embora já tenha feito o GT, até então já existe um processo de demarcação. Mesmo assim, o governo está abrindo mineração dentro de terra indígena. O movimento indígena está calado. Isso é um desgaste para a população indígena. A gente fica sem saber para quem recorrer. É uma tristeza para os indígenas, que apostaram na eleição do presidente Lula, apostou na Funai e na criação de um MPI”, disse.
Para Herton, sem uma resposta imediata e dura, os Mura vão precisar lutar sozinhos contra a mineração de potássio, mas não vão desistir seu território.
“Está todo mundo preocupado em falar da Amazônia como a solução do planeta para diminuir a crise climática, mas ninguém quer saber da situação do Lago do Soares e dos parentes Mura. Como se a mineração não fosse influenciar na questão climática, uma vez que corre risco de contaminar a bacia amazônica com cloreto de sal”.
Em nota de repúdio, a Articulação das Organizações e Povos Indígenas do Amazonas (Apiam) afirma que as comunidades Mura não foram consultadas nem foi realizado o Estudo do Componente Indígena no processo de licenciamento ambiental, o que viola o direito à consulta livre, prévia e informada estabelecido pela Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
A Apiam também destacou para os riscos de “grande movimentação de pessoas vinda de outras regiões, riscos de transmissão de doenças, destruição da terra e do meio ambiente, contaminação das águas, diminuição dos alimentos são preocupações que afligem as comunidades e só se agravam diante dos efeitos das mudanças climáticas que são resultados do modelo de desenvolvimento econômico ganancioso da sociedade não indígenas”.
Após a publicação desta reportagem, a Funai enviou resposta à Amazônia Real, dizendo o próximo passo do GT da Terra Indígena Lago do Soares e Urucurituba, será a elaboração de um Plano de Estudos para reunir informações sobre o histórico do procedimento, a indicação das ações que serão realizadas, bem como de metodologias e prazos. “A partir da consolidação do Plano de Estudos é que se dará a pactuação entre o GT e a Funai, por meio da Coordenação-Geral de Identificação e Delimitação (CGID), para dar curso ao procedimento demarcatório”, diz a nota.
A Funai não informou quando vai começar os procedimentos do GT mencionados na nota.
O órgão disse ainda que “não é órgão licenciador, mas sim órgão interveniente em procedimentos de licenciamento ambiental, em todas as esferas de governo: federal, estadual e municipal”.
“Quando um determinado empreendimento tem o potencial de causar impactos socioambientais sobre povos ou terras indígenas, a Funai realiza o acompanhamento de todo o processo a fim de assegurar os direitos indígenas, inclusive fazendo recomendações aos órgãos licenciadores”, afirmou a Funai na nota.
De acordo com esse entendimento do órgão, “caso existam controvérsias jurídicas envolvendo a administração direta e indireta da União, impõe-se a submissão do feito para a Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal”, como é o caso do processo envolvendo a TI Lago do Soares.
“Após manifestação dos órgãos e entidades interessados, caso constatado o conflito, busca-se a adoção de medidas de autocomposição”.
Também após a publicação desta matéria, a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileia (Coiab) divulgaram nota conjunta repudiando a licença de instalação.
“Entendemos que tal autorização é retrocesso à medida que já tem causado danos irreparáveis ao território e ao Povo Mura. As comunidades locais, mesmo antes da implementação desse projeto, já vêm sendo impactadas psicologicamente e socialmente, especialmente nesse momento pelo assédio às comunidades como estratégia para aceitarem a implantação do empreendimento”, diz trecho da nota.
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Povo Mura teme conflito após Wilson Lima liberar mineração de potássio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU