10 Abril 2024
Ministro de Minas e Energia prova novamente que é a pessoa errada no lugar errado; edição traz ainda iniciativa contra desinformação e dados sobre destruição de florestas.
Reproduzimos a seguir a newsletter do Observatório do Clima, 08-04-2024.
A gente ia dizer que o ministro Alexandre Silveira (PSD-MG) é um “fio desencapado”. Mas a metáfora é ruim: remete a eletricidade, que no Brasil (ainda) é majoritariamente renovável. O chefe das Minas e Energia está mais para um poço de onde jorram abobrinhas sobre transição energética e intrigas contra colegas do governo.
Nesta semana Silveira falou muito. Deu duas entrevistas ao jornal Folha de S. Paulo: uma na segunda-feira para criticar a secretária nacional de Mudança do Clima, Ana Toni, e outra na quarta-feira, onde sobrou também para o presidente da Petrobras, Jean-Paul Prates (PT-SE), cuja fritura pública ele ajuda a promover.
Em ambas, o ministro insistiu nas teses falaciosas de que o Brasil precisa abrir novas áreas de exploração de óleo e gás para bancar a descarbonização (o que lembra este cartaz dos tempos da Guerra do Vietnã), de que quem atrapalha a destinação de recursos para isso é o Ministério do Meio Ambiente e de que o Brasil só será um país rico quando explorar todos os hidrocarbonetos de suas águas. Aqui, aliás, pratica um abraço de afogados com seu rival da Petrobras, que disse ao New York Times no mês passado que pretende tirar “até a última gota” de óleo do país.
Nesta edição da newsletter, vamos contar por que Silveira desinforma sobre o tema da transição, o que o torna uma força do atraso no setor mais estratégico para o combate à crise do clima e um passivo para Lula no caminho da COP30.
E, por falar em desinformação, trataremos também de uma corajosa iniciativa de produtores de conteúdo na internet que resolveram encarar a máquina de “verdades alternativas” de extrema-direita Brasil Paralelo.
Boa leitura.
“A palavra é de prata, o silêncio é de ouro”. O ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira (PSD-MG), ignorou o provérbio nesta semana e deitou a falar. Em 48 horas, deu duas entrevistas à Folha de S.Paulo que demonstram, como se isso ainda fosse preciso, que ele é a pessoa errada para comandar o setor no momento em que o mundo promete eliminar gradualmente os combustíveis fósseis e o Brasil se prepara para presidir uma conferência do clima.
Na primeira entrevista, atacou Ana Toni, a secretária de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente. Toni havia dito ao mesmo jornal, na segunda-feira, que não viu em lugar nenhum no governo um plano para usar dinheiro do petróleo para bancar a transição energética – mantra de gente como Silveira, Jean-Paul Prates, Helder Barbalho, Aloizio Mercadante e até de Lula para justificar a abertura de novas fronteiras de exploração no país. O ministro devolveu que há um fundo de R$ 33,8 bilhões que poderia ser usado para isso, o Fundo Social do Pré-Sal, e ainda acusou o Meio Ambiente de bloquear uma proposta no Conselho Nacional de Política Energética sobre transição energética.
A fala tem dois problemas: primeiro, se já existe um fundo que poderia ser usado para a transição, por que não está sendo usado? Precisa mesmo esperar chegar o dinheiro das novas fronteiras fósseis? Segundo, Silveira omite que foi o Ministério do Meio Ambiente que propôs, ainda em 2009, usar royalties de petróleo para descarbonização. Isso está previsto na lei do Fundo Clima, que no entanto perdeu esse recurso em 2012, quando o governo mudou todas as regras dos royalties na criação do regime de partilha e do Fundo Social do Pré-sal.
E aí veio a segunda entrevista, que não poupou ninguém. Além de voltar a atacar Ana Toni, chamando a fala da secretária de “complexo de vira-lata”, Silveira questionou a competência do presidente da Petrobras, citando a confusão do pagamento de dividendos que derrubou as ações da empresa. E foi claro ao dobrar a aposta nos combustíveis fósseis: disse que o Brasil só pararia de explorar quando “atingir o IDH à altura dos países industrializados”. Só se esqueceu de combinar com a atmosfera, que não comporta mais nenhum novo projeto de exploração se a humanidade quiser ter chance de limitar o aquecimento global em 1,5ºC, e com os compradores internacionais, que podem deixar os ativos da Petrobras encalhados se levarem a sério a necessidade de acelerar a saída dos fósseis para cumprir o Acordo de Paris.
Enquanto repete a cantilena de “explorar fósseis para a transição”, a Petrobras segue contribuindo para aprofundar a emergência climática e fazer água (ou óleo) das metas do acordo do clima. Relatório publicado na última quinta (4) com dados da base Carbon Majors mostrou que apenas 57 produtores (entre países, empresas estatais e privadas) respondem por 80% das emissões de gases-estufa provenientes de combustíveis fósseis e cimento entre 2016 (após a adoção do Acordo de Paris) e 2022. No desonroso ranking dos 20 maiores emissores desta lista, lá está ela: a Petrobras aparece na 19ª posição, respondendo por 2,8 bilhões de toneladas de CO2 equivalente despejadas na atmosfera no período.
Há quase dez anos, desde antes de os termos “pós-verdade” e “fake news” entrarem para os dicionários, o OC mantém a tradição de fazer um post falso em 1º de abril. Neste ano falamos de petróleo e, como de praxe, além de avisar no pé que o texto era falso, demos várias dicas: o post chamava Alexandre Silveira e Jean-Paul Prates de “velhos amigos”, falava em “guinada de 360 graus” na política energética e afirmava que em 2026 a Petrobras passaria a se chamar Renobras e venderia todos os seus ativos fósseis (ah, quem dera). Nada disso serviu de alerta para a deputada Sílvia Waiãpi (PL-AP), que publicou em sua redes sociais um vídeo horrorizado com a “notícia”, denunciando a perda de bilhões em royalties pelo Amapá com a suposta desistência da Margem Equatorial “noticiada” pelo OC. O caso está na coluna de Guilherme Amado no Metrópoles.
O relatório lançado na última quinta (4) pela organização World Resources Institute (WRI) trouxe uma boa notícia para o Brasil: o país reduziu em 36% a destruição de florestas tropicais primárias em 2023 e, junto à Colômbia, apresentou os melhores resultados globais na contenção da perda de florestas. Mas, no melhor estilo do meme “Chico Buarque feliz, Chico Buarque triste”, há grãos de sal nessa história: seguimos sendo líderes mundiais na destruição de florestas tropicais primárias, respondendo por 30% do total devastado globalmente (uma cifra consideravelmente menor do que os 43% de 2022).
O levantamento mostrou ainda que altas no desmatamento em outros países neutralizaram os bons resultados de Brasil e Colômbia. O ritmo atual conduz ao fracasso da meta de zerar e reverter a perda de florestas até 2030, como determina a Declaração de Líderes sobre Florestas, adotada na COP26, de 2021, em Glasgow. Bolívia, Laos e Nicarágua puxam a lista de aumento no desmate. O relatório foi elaborado com dados da plataforma Global Forest Watch, da WRI, em parceria com a Universidade de Maryland.
Mais aqui.
O ritmo industrial de produção de desinformação da produtora Brasil Paralelo, seu vultoso financiamento, os lucros com a monetização (que segue ocorrendo com a complacência das plataformas digitais), somados à sua artilharia jurídica sempre disposta a caçar críticos, tornam hercúlea a tarefa de enfrentar a mais azeitada máquina de propaganda de extrema-direita da internet brasileira. Mas não impossível. Mais de 50 criadores de conteúdo na internet resolveram encará-la e promoveram a Brasil Parasita. A última semana teve lançamentos diários de conteúdos em diversas áreas combatendo teorias da conspiração, alegações infundadas e toda sorte de desinformações com evidências, verificação de fatos e indicação de fontes confiáveis. Destacamos o excelente “O que a Brasil Paralelo não quer que você saiba?”, do canal Normose. Em formato de documentário, destrincha em quase uma hora as origens, narrativas, estrutura e formas de operação da produtora.
Tom Zé não sossega. Aos 87 anos, o gênio tropicalista acaba de lançar um single ambientalista maluco, surrealista e brilhante, Jesus Floresta Amazônica, apenas dois anos depois de lançar o álbum Língua Brasileira. A canção explora uma eventual segunda encarnação de Jesus Cristo, que voltaria não como ser humano, mas como floresta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O poço de abobrinhas de Alexandre Silveira - Instituto Humanitas Unisinos - IHU