09 Abril 2024
Imagens que parecem roubadas de um futuro distópico, ameaçador e aberrante. E mesmo assim já estão presentes: roupas, sapatos, acessórios, sedimentados, abandonados, corroídos pelo sol, pela chuva, pela passagem do tempo. Desertos lotados pela loucura consumista que se tornou uma calamidade natural, capaz de destruir o meio ambiente. Quando compramos aquela calça, aquela saia, aquele cinto, nunca pensamos em tudo isso, atordoados pelo efêmero prazer da compra. Um tema que Matteo Ward, fundador da Wrad, empresa de consultoria para o desenvolvimento sustentável no setor têxtil, cofundador da Fashion Revolution Italia, abordou com Sky e Will Media produzindo a série documental Junk. Guarda-roupas lotados, que fala sobre os efeitos do fast fashion.
A entrevista é de Maria Corbi, publicada por La Stampa, 07-04-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Matteo, mas moda sustentável, os tecidos sustentáveis, a reciclagem de que tanto ouvimos falar, são uma mentira?
Cerca de 70 por cento das fibras utilizadas nas roupas são fibras plásticas, derivam de combustíveis fósseis, são materiais como o plástico. O poliéster está no primeiro lugar do ranking. E reciclar vestido em vestido é muito difícil. Essa é uma das áreas de pesquisa em que se tenta investir mais, mas na verdade existem poucas cadeias de recuperação em nível internacional e não são suficientes para garantir o escoamento da enorme quantidade de roupas que são produzidas todos os anos.
Quantas?
150 bilhões de roupas produzidas todos os anos, 24 bilhões de pares de tênis, portanto 48 bilhões de sapatos. Para as roupas, apenas um por cento é realmente reciclado, o resto, seja por limitações tecnológicas ou por falta de infraestruturas, cadeias de suprimentos, tecnologias adequadas, acaba em aterros, incineradores ou simplesmente é jogado naquelas terras que se tornaram a lixeira do mundo.
Quais países estão mais envolvidos e prejudicados?
O Bangladesh, pela produção. Chile, Gana e Índia são os lixões da moda. 15 milhões de peças de roupa descartadas vão para Gana todas as semanas.
E onde as colocam?
Vi o inferno, não tem mais terra, tem gente que vive sobre uma estratificação de sapatos e roupas que se acumularam junto com excrementos e resíduos orgânicos. Montanhas de roupas apodrecidas que emitem gases tóxicos.
Solução?
Produzir menos e consumir menos. É o famoso elefante na sala, um problema que, por mais óbvio que seja, é ignorado ou não levado em consideração. O primeiro passo seria investir na justiça social, para dar às pessoas um salário digno.
E como isso impacta a sustentabilidade ambiental?
Vou responder com um exemplo. Eu estava em Bangladesh e caminhava por uma trilha com um cientista local, à minha esquerda havia fábricas têxteis, também muito bonitas, à minha direita plantações de arroz completamente submersas em lodo preto e camadas de restos de roupas. E ali se cultivava sobre os resíduos da produção de roupas, tóxicos. Perguntei ao meu interlocutor por que não havia filtros para evitar que todo o lixo fosse parar nos campos. E me respondeu que eles tinham os filtros, mas não podiam ativá-los porque as empresas ocidentais querem pagar pouco pelas camisetas e jeans.
E o mundo fica olhando.
Estamos nos mexendo lentamente demais, em nível europeu está se pensando não permitir a entrada no mercado comum de artigos feitos em condições adversas aos direitos humanos fundamentais. Mas a mudança precisa ser acelerada. É preciso incentivar um modelo de negócios diferente. Precisamos retornar a um lucro ético.
A política é dominada pelos interesses das finanças?
Aposto no bom senso dos políticos. Hoje existe um dilema e deve ser resolvido. A indústria da moda (esqueçamos por um momento o seu papel cultural) rouba recursos essenciais para produzir coisas não essenciais. E, portanto, é preciso se questionar sobre as prioridades quando há escassez de recursos. Os primeiros sinais de uma reação vêm de França, onde estão aprovando uma série de regulamentações para taxar o fast fashion e também para enfraquecer a sua capacidade de comunicação, obrigando as empresas a reutilizar e reparar as roupas.
Se retirarmos o fast fashion, o que resta é a moda de luxo, com preços inacessíveis para a maioria. Apenas os ricos poderão se permitir roupas “novas”?
É preciso redistribuir a riqueza, as empresas devem responder às necessidades da sociedade e não das finanças. É preciso criar lucro, mas acima de tudo valor econômico para a sociedade, permitindo que as pessoas satisfaçam as suas necessidades. Hoje é necessária uma mudança paradigmática na nossa forma de produzir e também de distribuir a riqueza. É por isso que nós a chamamos de revolução.
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“Nossos guarda-roupas produzem o inferno na terra”. Entrevista com Matteo Ward - Instituto Humanitas Unisinos - IHU