12 Março 2024
"No dia em que se realiza em Roma uma grande manifestação pela paz na Palestina e em Israel, a utopia do Papa torna-se a utopia de todos nós, homens e mulheres de boa vontade, crentes e não crentes. Enquanto forem produzidas armas, as guerras serão travadas e vice-versa, numa espiral perversa de ódio, violência e crueldade".
O artigo é de Giovanni Valentini, jornalista e escritor italiano, foi diretor da revista L'Espresso e vice-diretor do jornal La Repubblica, publicado por Il Fatto Quotidiano, 09-03-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
A guerra não isenta ao respeito. Pelo contrário, na guerra é ainda mais necessário do que em tempos de paz (de “O Caçador de Pipas” de Khaled Hosseini – Piemme, p.125 – 2004)
Mesmo aqueles que - como eu e os colegas Gad Lerner e Paolo Flores d'Arcais - se pronunciaram há dois anos neste jornal a favor do envio de armas para a Ucrânia, para apoiar a resistência contra a invasão russa e promover a paz, não deixaram de se referir aos apelos do Papa. Desde então, Bergoglio nada mais fez do que os repetir e os relançar, num tom cada vez mais veemente após a eclosão da guerra no Oriente Médio. E agora que suas mensagens se transformaram numa pregação quase cotidiana, Francisco chegou ao ponto de defender o desarmamento como “um dever moral”.
No dia em que se realiza em Roma uma grande manifestação pela paz na Palestina e em Israel, a utopia do Papa torna-se a utopia de todos nós, homens e mulheres de boa vontade, crentes e não crentes. Enquanto forem produzidas armas, as guerras serão travadas e vice-versa, numa espiral perversa de ódio, violência e crueldade. Aqueles que hoje realmente querem a paz no mundo só podem invocar o desarmamento como condição necessária para pôr fim às guerras em curso. Talvez passando por uma desescalada, uma “trégua humanitária” ou um “cessar-fogo”.
É, portanto, surpreendente que o governo italiano tenha se proposto a reformar a lei 185, ratificada em 1990 na sequência de uma mobilização civil e em particular das revistas missionárias, para reformar as normas sobre a importação-exportação de armas. Com base no texto aprovado por maioria em 21 de fevereiro no Senado, não será mais a Uama (a Autoridade independente e apolítica) a estabelecer os critérios para esse comércio; mas sim um comité interministerial ligado ao próprio executivo cujo titular da Defesa é Guido Crosetto, ex-presidente da AIAD (o sistema das indústrias do setor) e conselheiro da Leonardo, a gigante estatal dos armamentos.
Soma-se a isso a intenção de abolir a lista dos chamados "bancos armados", ou seja, a lista das instituições de crédito que obtêm lucros do comércio de armas para o exterior. São modificações que – como declarou ao jornal Avvenire, Francesco Vignarca, coordenador da Rede Italiana de Paz e Desarmamento – correm o risco de produzir “uma diminuição da transparência e de controles” longo dos olhos da opinião pública.
No mundo inquieto e turbulento em que vivemos, da Ucrânia ao Oriente Médio e ao Haiti, o objetivo do desarmamento não é considerado certo nem alcançável. O lobby internacional das armas evidentemente não tem nenhum interesse em jogar água na fogueira. Mas se se trata de um “dever moral”, como prega o Papa, então deve ser perseguido e compartilhado por todas as componentes sociais e civis. Só nessa perspectiva poderemos esperar extinguir a tempo os focos que ameaçam incendiar o planeta. E assim evitar o espectro de uma terceira guerra mundial, que provavelmente seria um conflito nuclear, destrutivo e devastador para a humanidade.
Os horrores a que assistimos há dois anos, desde o “roubo de crianças ucranianas” pela Rússia ao "massacre da farinha" perpetrado por Israel na Palestina, do ataque e estupros dos terroristas do Hamas à louca vingança de Netanyahu, tudo isso lembra a cada um o senso de responsabilidade, individual e coletiva. A mobilização das consciências deve alimentar um movimento popular a favor do desarmamento e da convivência pacífica. Aquela utopia não pode ser cultivada apenas pelo Papa Francisco.
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O apelo ao desarmamento não é apenas a utopia do Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU