07 Março 2024
Doença, cujo avanço vem sendo agravado pelas mudanças climáticas, afeta todas as classes sociais, mas as suas consequências são piores para as comunidades historicamente marginalizadas.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 05-03-2024.
Nenhuma pessoa, de qualquer idade, gênero, raça ou classe social, está imune à dengue. A arbovirose já contaminou mais de 1 milhão de brasileiros, e subindo. Com o recorde atingido bem antes de abril, considerado o mês de pico da doença, a preocupação aumenta. Mas esse avanço acelerado, além de reforçar o elo entre a doença e as mudanças climáticas, escancara o racismo ambiental.
Ainda que o mosquito Aedes aegypti possa picar qualquer pessoa e contaminá-la com dengue ou chikungunya, o risco é sensivelmente maior para a população preta e pobre – assim como ocorre em eventos climáticos extremos, como ondas de calor e temporais. A precariedade da infraestrutura básica e a dificuldade de acesso à saúde pública, que historicamente afetam essas populações marginalizadas, são agravantes para o contágio da doença.
A proliferação do mosquito encontra terreno fértil em regiões urbanas com poucos recursos. O infectologista e pesquisador da Fiocruz Julio Croda salienta problemas como a ausência de saneamento básico, recolhimento de lixo, falta de rede de esgoto e de acesso à água potável e instalação de aterros sanitários, destaca O Globo.
Essa segregação urbana contribui diretamente para a vulnerabilidade dessas populações, expondo-as de maneira desproporcional à dengue. “Nas regiões mais pobres, principalmente nas comunidades carentes, o controle vetorial é mais difícil, por conta do adensamento populacional, dificuldade de água encanada regular e coleta de lixo. Por conta dessas condições de saneamento básico, a tendência é que as pessoas acumulem mais água em recipientes não apropriados, o que favorece a multiplicação do mosquito”, explicou Croda.
O médico infectologista José Davi Urbaez é outro que afirma que as condições sociais são causas do avanço da dengue, detalha a Agência Brasil, em matéria reproduzida por IstoÉ, IstoÉ Dinheiro e Correio da Bahia. “É claríssimo que, no caso da dengue e, habitualmente, todas as doenças infecciosas, são grandes marcadores dessa vulnerabilidade, porque ela é construída”, avalia.
É o caso da auxiliar de serviços gerais Juliana Pereira, 28 anos, cujo filho Vitor, de 3 anos, foi contaminado pela dengue. Eles moram numa casa na Cidade Estrutural, na periferia do Distrito Federal, “cercada de mato, lixo, água parada e falta de estrutura”, contou ela, que também teve a doença em fevereiro. O outro morador da casa, Jeferson Muniz, de 25 anos, irmão de Juliana, também não podia ir trabalhar havia 5 dias por causa dos sintomas da doença.
“O que mais me apavorou foi a possibilidade da dengue ficar mais grave. A gente é pobre e tem muito medo”, disse Juliana, que tem medo de todos em sua casa adoecerem ao mesmo tempo. Afinal, ela viu vizinhos ficarem mal nas últimas semanas.
O avanço da doença nas grandes cidades é motivo de alerta para o médico Carlos Starling, vice-presidente da Sociedade Mineira de Infectologia. Ele ainda chama atenção para o efeito das mudanças climáticas na lógica da doença. Com temperaturas mais altas e mais chuvas, o período sazonal da dengue, que costuma ir até abril, pode se estender até junho, mês em que tradicionalmente o número de casos cai de forma drástica.
Além do estrago na saúde pública, a dengue pode reduzir o PIB brasileiro em mais de R$ 12 bilhões, mostra um estudo da Federação das Indústrias de Minas Gerais (FIEMG). Segundo o levantamento, o Brasil corre o risco de uma queda de até R$ 7 bilhões no PIB devido à redução da produtividade causada pelos efeitos da doença, já que seis a cada 10 infectados são trabalhadores. Além disso, os custos relacionados ao tratamento podem atingir R$ 5,2 bilhões. O impacto econômico pode resultar na perda de mais de 129 mil postos de trabalho, comprometendo a geração de cerca de R$ 2,1 bilhões em massa salarial, informa a IstoÉ Dinheiro.
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Racismo ambiental agrava epidemia de dengue nas populações marginalizadas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU