22 Fevereiro 2024
"Do assassinato do líder da oposição russa e das centenas de milhares de mortes na Ucrânia aos quase 30.000 palestinos mortos por Israel na Faixa de Gaza, aos reféns israelenses detidos pelo Hamas e às 800.000 pessoas que estão passando fome afligidas por guerras, repressões e mudanças climáticas, este ano a Conferência de Segurança de Munique, encontro da elite da diplomacia global, teve como pano de fundo um cenário sombrio", escreve Nathalie Tocci, diretora do Instituto de Assuntos Internacionais, na Itália, professora honorária da Universidade de Tübingen, e que foi assessora da chefe da Diplomacia da União Europeia, Federica Mogherini, encarregada de elaborar a estratégia global europeia no campo da segurança e a defesa, em artigo publicado por La Stampa, 19-02-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Assim que cheguei em Munique foi divulgada a notícia: Alexey Navalny morreu na prisão de segurança máxima siberiana, onde estava detido.
Do assassinato do líder da oposição russa e das centenas de milhares de mortes na Ucrânia aos quase 30.000 palestinos mortos por Israel na Faixa de Gaza, aos reféns israelenses detidos pelo Hamas e às 800.000 pessoas que estão passando fome afligidas por guerras, repressões e mudanças climáticas, este ano a Conferência de Segurança de Munique, encontro da elite da diplomacia global, teve como pano de fundo um cenário sombrio.
Saio não muito tranquilizada. A vice-presidente dos EUA, Kamala Harris, falou mais aos eleitores de Michigan que aos presentes no plenário. Enfatizando o imperativo do empenho estadunidense no mundo e o perigo do isolacionismo, Harris disse pouco ou nada. É a terceira vez consecutiva que a ouço e a cada ano espero que seja diferente, mas sempre saio desapontada: Harris simplesmente não toca nem coração nem cabeça. Não que tenha dito coisas sem sentido: a ameaça do isolacionismo dos EUA é tangível.
O congressista republicano Pete Ricketts, após o tocante discurso do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky, mesmo defendendo o envio de armas para a Ucrânia, teve a audácia de comparar a invasão russa da Ucrânia ao desafio da gestão da fronteira meridional com o México, para dizer que cada país tem os seus problemas. Pior ainda o senador trumpiano de Ohio, JD Vance, que na sessão que moderei argumentou que Vladimir Putin não representa uma ameaça para a Europa. Soube depois que, de Munique, Vance iria a Budapeste para um encontro com o autocrata Viktor Orbán, uma visita que diz muito.
Os europeus presentes, no entanto, estavam conscientes da ameaça e da necessidade de se prepararem para o pior. Depois do Reino Unido, a França e a Alemanha também assinaram um pacto de segurança com a Ucrânia. A Presidente da Comissão, Ursula von der Leyen, praticamente anunciando a sua candidatura à reeleição para a direção do executivo da UE, declarou que, se fosse reeleita, criaria um Comissário da Defesa - uma inovação absoluta - que poderia ser atribuída a um País do Leste europeu. A primeira-ministra dinamarquesa, Mette Frederiksen, frisou que o seu país enviará toda a artilharia disponível para a Ucrânia, enquanto o presidente checo, Petr Pavel, declarou que Praga enviará 800 mil munições para Kiev. Em suma, os europeus não estão parados.
Mas não é suficiente. O Chanceler alemão, Olaf Scholz, não fez novos anúncios, por exemplo, quanto ao envio de mísseis Taurus, enquanto grandes países europeus como França, Alemanha, Reino Unido, Itália e Polônia, embora presentes em nível ministerial, não aproveitaram a oportunidade para dar a mensagem clara e forte de que conseguiremos vencer mesmo sem os Estados Unidos, caso Donald Trump vier a ser reeleito para a Casa Branca e dê seguimento às suas ameaças de abandonar a Europa à sua sorte.
Não que não tenham havido notas de otimismo. Quando comecei a participar da Conferência de Munique, mais de dez anos atrás, no auditório eu era literalmente empurrada a cotoveladas pelos homens brancos bastante idosos que dominavam o ambiente. Hoje não existem apenas muito mais mulheres, mas também representantes de países de todos os cantos do mundo. E graças à presença da fenomenal presidente de Barbados Mia Mottley, dos chefes de estado e de governo da Colômbia, Catar e Gana, dos ministros das Relações Exteriores da China, Índia e de dezenas de outros países, mas também de CEOs e representantes da academia e da sociedade civil, os temas abordados são muito mais variegados: em suma, clima, inteligência artificial, demografia, energia e segurança alimentar aparecem na agenda.
Mas a maior nota de otimismo foi a determinação de Yulia Navalnaya que, tomando conhecimento da morte do marido durante a Conferência, dirigiu-se ao auditório com voz trêmula e firmeza nos olhos, dizendo estar certa de que chegará o dia em que o regime de Putin pagará pelo que fez ao seu país, à sua família e ao seu marido. Parafraseando Zelensky, com aquela mesma determinação deveríamos nos perguntar não quando acabarão as guerras, mas o que podemos fazer para detê-las e abrir o caminho para uma paz justa.
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O estreito caminho da paz global entre os grandes da Terra em Munique. Artigo de Nathalie Tocci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU