23 Janeiro 2024
Em 14 de junho de 1946, Deus olhou para o paraíso que ele projetou e disse: 'Eu preciso de um guardião'. Então Deus nos deu Trump." Com essas palavras começa o vídeo que agora apresenta Donald em todos os comícios eleitorais. Uma investidura messiânica, para salvar a Terra do colapso político e moral. De fato, continua por três minutos, elogiando as virtudes do Ungido do Senhor em todos os campos da aventura humana, desde as relações familiares até aquelas com os ameaçadores rivais internacionais que deve manter sob controle.
A reportagem é de Paolo Mastrolilli, publicada por La Repubblica, de 16-01-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nem todo mundo gostou, para ser honestos. Como o pastor da Fort De Moines Church of Christ, Michael Demastus: “O vídeo chocou a muitos, inclusive a mim. Porque Trump não é nosso messias ou o herdeiro do trono divino. E além disso não é confiável no tema nacional do aborto".
A questão, porém, é que muitos evangélicos agora o veem dessa forma e, portanto, estão prontos a devolver-lhe as chaves do reino, mesmo que por enquanto sejam apenas dos EUA, em vez daquele dos Céus. Segundo a última pesquisa realizada pelo Wall Street Journal, 51% dos evangélicos de Iowa votam em Trump, contra 26% que ficaram do lado de DeSantis e 12% do lado de Haley. Daí a vantagem de 28 pontos que constava na pesquisa do Des Moines Register, publicada antes da convenção política da noite passada, que ocorreu tarde demais para o fechamento do nosso jornal, mas não deixou dúvidas sobre a sua vitória. A única incógnita era o segundo lugar, disputado por Haley a DeSantis, que inutilmente focou sobre aborto e ortodoxia cristã.
Em 2016, a última convenção política pré-Covid do Iowa, não foi assim. O senador Ted Cruz tinha derrotado Trump por um fio, precisamente porque os evangélicos no final não se dispuseram a votar em alguém que, entre outras coisas, pagou à estrela pornô Stormy Daniels para esconder a relação sexual teve com ela, enquanto sua esposa Melania dava à luz seu filho Barron. Na época o primeiro pastor que o apoiou foi Jerry Falwell Júnior, filho do Jerry Falwell que havia fundado a Moral Majority, entregando evangélicos e Casa Branca a Ronald Reagan. Durante o escândalo Lewinsky, o pai havia me dito que não suportava Clinton, “porque trabalhei com um presidente que tinha tamanho respeito por seu cargo que nunca tirava o paletó no Salão Oval". Durante um comício de Trump, perguntei ao seu filho como podia conciliar as declarações de seu pai com o apoio a Donald, e ele respondeu assim: “Deus trabalha por caminhos misteriosos. Ele também pode escolher um pecador para realizar os seus projetos”.
Algum tempo depois Jerry Falwell Junior foi forçado a renunciar quando se soube que sua esposa Becki tinha um relacionamento com o salva-vidas de sua piscina Giancarlo Granda, aprovada pelo marido, que aliás gostava de sentar-se na sala para observar suas performances sexuais. No Evangelho segundo João, Jesus nos advertiu que só quem é sem pecado pode lançar a primeira pedra. Mas a indiferença dos evangélicos pelos pecados de Trump, desde que ele lhes dê o que eles querem, está se tornando patológica. Então, se Deus escolhe um adúltero réu confesso, para cancelar a decisão Roe vs Wade com a qual a Suprema Corte legalizou o aborto nos EUA, ele se torna o Ungido do Senhor. E o mesmo vale para imigração, guerras culturais nas escolas, direitos dos homossexuais, cortes de impostos, até mesmo o assalto ao Congresso, as 91 acusações criminais ou as piscadelas aos ditadores.
Na cidade de Tabor, mil almas esquecidas no canto sudoeste de Iowa, na fronteira com Kansas, Nebraska e Missouri, Marilynne Robinson havia ambientado Gilead, romance seminal do Iowa vencedor do Prêmio Pulitzer e elogiado por Obama. Fala sobre o pastor congregacionalista John Ames que, morrendo de doença cardíaca, escreve ao jovem filho a sua história para que ele se lembre dele.
A tese da autora era que os puritanos foram mal compreendidos nos EUA porque não foram firmes conservadores negacionistas das alegrias da vida. De fato, também John Brown, herói puritano do abolicionismo, usava Tabor como base para as suas incursões. Mas Robinson se equivocou, pelo menos no plano político. Roger Charley, pastor da First Christian Church, explica-nos: “Não votarei em Trump, porque ele é uma pessoa que cria divisão e tenho sérias dúvidas morais sobre os seus valores. Mas é apenas a minha opinião pessoal." O colega Shawn, da Tabor Nazarene Church, de fato, o corrige: “Trump foi um grande presidente, se for reeleito, terá um bom desempenho novamente.”
O Iowa que votou duas vezes em Obama não existe mais, também porque os jovens progressistas se resignaram e estão abandonando as regiões rurais do estado para ir morar nas cidades de Minnesota, Illinois, talvez Wisconsin. Resta entender se essa virada conservadora devolverá a Trump apenas o Iowa, ou todos os Estados Unidos.
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O dogma evangélico que move Trump: “Ele é o escolhido de Deus” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU