22 Dezembro 2023
A reportagem é de Adriana Masotti, publicada por Religión Digital, 20-12-2023.
A biografia de uma pessoa, mulher e leiga, que está prestes a se tornar santa: o anúncio da próxima canonização, em 11 de fevereiro de 2024, da beata Maria Antonia de San José, Mama Antula no idioma indígena. A língua quíchua dá um significado muito especial ao livro Mama Antula: "La fede di una donna indomita", publicado pela Libreria Editrice Vaticana (LEV), e apresentado ontem à tarde no Arquivo de Cinema do Vaticano.
Na apresentação, a novidade é destacada com alegria e gratidão por todos os palestrantes, coordenados por Andrea Tornielli, diretor editorial do Dicastério para a Comunicação. Estão presentes as duas autoras do livro: Nunzia Locatelli e Cintia Daniela Suárez. “Nesta biografia exaustiva e atraente”, afirma, “os autores narram, com rigor histórico, a vida de uma mulher secular e intrépida”. Dela, Tornielli destaca a coragem que também a levou a realizar atos de rebelião. “Numa época em que as mulheres não tinham voz, Maria Antonia de San José decidiu não obedecer às regras familiares e sociais da Argentina colonial, transgrediu as ordens das mais altas autoridades para manter vivo o trabalho dos padres jesuítas, expulsos violentamente do territórios da América do Sul”. Mama Antula será a primeira santa da Argentina.
Nascida em 1730 em Silipica, Santiago del Estero, na Argentina, e falecida em 7 de março de 1799 em Buenos Aires, Mama Antula “é uma daquelas santas evangelizadoras do povo que o Papa Francisco adora canonizar”, diz Paolo Ruffini, prefeito do dicastério. Citando um artigo da Civiltà Cattolica, continua: “Caminhante, comunicativo, determinado, daqueles que 'sai, procura, vai, não movido pelo seu caráter, nem por uma ordem divina unilateral, mas porque olhou para cima (...) Viram multidões errantes como ovelhas sem pastor, e foram movidos a sentir o amor do Bom Pastor que deu a vida por aquelas ovelhas”.
Ruffini resume a vida e a obra de Mama Antula, que "viveu durante os anos da destruição das reduções da Companhia de Jesus; comprometeu-se, uma vez expulsos os jesuítas pela realeza de Portugal e Espanha, por instigação do maçons e secularistas, para continuar pregando os exercícios espirituais que já não podiam ministrar. Acredita-se que foram mais de 70.000 leigos para os quais Mama Antula organizou os exercícios na casa que ela fundou com este propósito em Buenos Aires em 1795. Para conseguir chegar lá, ela caminhou descalça por 4.000 quilômetros pelas salinas, pelas florestas, pelos morros dos pampas e pelas intermináveis planícies de seu país.
Padre Lucio Adrián Ruiz, secretário do Dicastério para a Comunicação, concentra sua atenção no milagre que levou à canonização de Mama Antula: é o professor Claudio Perusini, 66 anos. Internado no hospital de Santa Fé em 2017 em estado gravíssimo devido a um acidente vascular cerebral, suas chances de voltar ao normal parecem mínimas. Um bilhete entregue por um padre amigo à esposa de Cláudio, com uma oração à bem-aventurada Mama Antula, abriu uma luz de esperança. A partir desse momento, junto com os filhos, a senhora começou a orar por um milagre. Poucos dias depois, o homem recuperou as funções vitais e hoje, após um longo processo de reabilitação, leva uma vida normal.
O Pe. Ruiz relata um detalhe significativo que sugere uma história de amizade entre o próximo santo argentino, o Papa Francisco, e Perusini. O futuro Papa Bergoglio e Cláudio, de fato, se conheceram quando ele ainda era estudante do ensino médio e Jorge Mario era provincial jesuíta em Santa Fé. Cláudio queria entrar na Companhia de Jesus e tinha começado a frequentar o noviciado mas, como ele mesmo diz, numa ocasião Jorge Mario, "dando-lhe palmadinhas nas costas, recomendou-lhe que procurasse outro caminho e disse-lhe que certamente no futuro batizaria seus filhos". O que Claudio Perusini certamente nunca teria imaginado – conclui Dom Ruiz – é que quem fez esta recomendação se tornaria o Papa que canonizaria Mama Antula, ou seja, aquele que intercedeu diante de Deus por aquele milagre que lhe permitiu continuar vivendo.
As palavras de María Fernanda Silva, embaixadora da Argentina junto à Santa Sé, são cheias de emoção e gratidão para com Mama Antula e para com o Papa Francisco pela sua próxima canonização. Destaca-se a grande devoção que o povo argentino sente pela futura santa, que tem sido despendida especialmente pelos mais pequenos do seu povo. “Ela é uma mãe do nosso povo”, diz o embaixador, “uma mãe espiritual, uma mulher especial. Agora toda a Igreja universal receberá o dom que ela representa, a sua fé e também o modelo do seu zelo apostólico”. E se é verdade que Mama Antula dedicava o seu tempo aos últimos, aos índios, aos escravizados pelos colonizadores espanhóis, Maria Fernanda Silva sublinha que na Casa do Beato os exercícios espirituais eram abertos a todos, e que à sua volta formou-se uma verdadeira “comunidade de fé e providência”. Para a embaixadora, María Antonia de San José é um exemplo de caminho de esperança e esta é a mensagem que deixa à Argentina e ao mundo.
“Quando criança, Maria Antonia via os maus-tratos dos índios e dos escravos e, com o passar do tempo, a dor dessas pessoas tornou-se insuportável. Ela os sentia como irmãos e sofria com eles”, diz Nunzia Locatelli, uma das duas autoras. A fé de uma mulher indomável. "Aos quinze anos", continua, "decidiu abandonar o conforto da família e escolheu um destino que não estava planejado para sua classe social, rompendo com a família. Com efeito, decidiu ingressar como leiga consagrada no beguinato jesuíta de Santiago de l'Estero, que era uma comunidade de mulheres ao serviço dos mais necessitados e, em particular, das mulheres". Lá permaneceu por 22 anos, durante os quais também pôde receber uma sólida formação jesuíta. Os padres ensinaram-na a organizar os exercícios espirituais de Santo Inácio, tesouro da Companhia de Jesus.
“Certa noite de 1767, os jesuítas foram brutalmente expulsos da América do Sul, das missões de Santiago de l'Estero e Córdoba, no Vice-Reino do Peru”, lembra Locatelli. “A expulsão da Companhia das Américas deixou um vazio intransponível; as missões foram um ponto de referência para a população local, que ficou órfã, desorientada. A única luz, o único consolo que lhes restava era Maria Antonia”. Assim, arriscando a própria vida, Mama Antula começou a organizar os exercícios espirituais de acordo com o que havia aprendido, reunindo cada vez mais seguidores no seu próprio território e em outros.
Na palestra final, a argentina Cintia Daniela Suárez, segunda autora do livro, contou os sofrimentos vividos e os obstáculos que Mama Antula teve que enfrentar para cumprir sua missão, que tinha como objetivo a salvação das almas. “No século XVIII as classes sociais não se misturavam”, explica Suárez, “a alta burguesia andava de um lado da rua e os camponeses, escravos e pobres do outro. Mama Antula conseguiu misturar as diferentes classes sociais em sua casa sem distinção ou separação, em harmonia, essa era a novidade, seu selo".
Mama Antula é considerada a mãe espiritual da Argentina. Nos documentos de sua época coletados para este livro, conclui Suárez, "lemos que Mama Antula era considerada um oráculo, juízes, altos prelados e as mais altas autoridades a consultavam em caso de problemas. Por sua casa passavam os Padres da Nação Argentina, os membros do primeiro governo nacional".
“Cuidado, essa mulher vale ouro!”, disse o Papa Francisco ao falar dela anos atrás com Gerardo Zamora, governador de Santiago del Estero, que recorda esse episódio no livro, comentando: “Isto marcou um antes e um depois para milhares de pessoas. Quem era realmente esta mulher? Cada resposta significou redescobri-la e redescobrir-nos”, porque em Mama Antula “encontramos os valores da nossa identidade”. A sua grande coragem, conclui Zamora, “forjou um modelo a seguir para as gerações futuras, com um longo caminho de fé e de serviço que todos admiramos ainda hoje”.
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“Mama Antula”: a biografia de uma mulher intrépida que em breve será santa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU