19 Dezembro 2023
O presidente da Pontifícia Academia de Teologia e arcebispo emérito de Noto concedeu uma entrevista à publicação Omnes, na qual explicou, em linhas gerais, as mudanças introduzidas pelo Papa Francisco com o motu proprio intitulado "Ad theologiam promovendam".
A reportagem é de Federico Piana, publicada por Omnes, 15-12-2023.
“Uma reforma em continuidade”. Dom Antonio Staglianò escolhe cuidadosamente estas palavras para começar a descrever as profundas mudanças que o Papa, com a carta em forma de motu proprio sob o tnome "Ad theologiam promovendam", introduziu nos estatutos da Pontifícia Academia de Teologia que preside. Uma revolução de não pouca importância que até mesmo representa uma mudança de paradigma para a Academia fundada por Clemente XI em 1718.
Em uma longa conversa ao meio de comunicação Omnes, Staglianò destaca que, normalmente, quando se utiliza a expressão “revolução paradigmática” em ciência, faz referência à obra de Thomas Kuhn, intitulada A estrutura das revoluções científicas, na qual o filósofo norte-americano explica como na ciência ocorrem transtornos que geram novos métodos e uma nova forma de proceder na própria ciência.
“Tomamos emprestada de Kuhn a ideia do paradigma, mas não podemos deixar de lê-la dentro da Igreja. Afinal, a teologia é uma forma eclesial, não apenas uma ciência, que deve situar-se dentro da Tradição”, afirma Staglianò. A revolução está lá, mas dentro da continuidade.
Nova teologia
A construção de uma nova ideia de teologia é a maior novidade desta revolução. Staglianò a chama de Teologia sapiencial: “A chamamos assim seguindo as instruções do Santo Padre. Em essência, a ciência teológica deve ser concebida cada vez mais como sabedoria”.
E se tudo isso é novo, acrescenta, “é em referência ao contexto que foi criado nos últimos 300 anos, ou seja, desde o Iluminismo e o nascimento da ciência, o conhecimento tem sido concebido cada vez mais em termos intelectualistas, racionalistas”.
Esse preconceito que o Iluminismo impôs à cultura, segundo Staglianò, “é um preconceito que precisa ser desfeito, porque se o conhecimento é fruto da ciência, então a Revelação cristã não pode ser considerada conhecimento, mas acaba sendo rotulada como opinião: porque tudo o que não é conhecimento, o preconceito iluminista o situa no âmbito da opinião, da não verdade”.
Uma nova linguagem
Aqui, portanto, nos encontramos em uma situação desconfortável, admite Staglianò: “Por um lado, acreditando na Revelação de Deus em Jesus Cristo chegamos a conhecer verdadeiramente a Deus, mas esse conhecimento - que seria a Verdade de Deus - segundo a abordagem do Iluminismo não teria caráter de verdade”.
Portanto, sustentar que a teologia é sabedoria significa, antes de tudo, pedir que “se aplique também à teologia aquela indicação que Bento XVI fez a todas as ciências e a todos os saberes: ampliar os limites da razão em sentido sapiencial. Isso significa que “a razão deve medir-se com toda a experiência humana”.
O conhecimento provém da Revelação, do Evangelho. E a verdadeira novidade consiste em “recuperar, em uma linguagem nova, o que a teologia sempre foi antes de constituir-se como ciência: a saber, sabedoria”, aprofunda Staglianò.
Teologia sem fronteiras
A uma teologia que se redescobre como sabedoria não se podem impor limites ou fronteiras. E isso, diz Staglianò, “por uma razão missionária subjacente à própria fé cristã. A fé corresponde ao Evangelho, e Jesus é o filho de Deus em carne humana, sendo, portanto, a salvação e a redenção que Deus quis para todos”.
Daí uma consequência lógica que o presidente da Pontifícia Academia de Teologia resume assim: “Se o Evangelho é destinado a todos, então todos podem ouvir o Evangelho: refiro-me também àqueles que pertencem a outras religiões ou mesmo àqueles que não creem.
Todos precisam ser salvos por Jesus Cristo e aqui, diz Staglianò, “entra a questão do serviço que a teologia sapiencial pode prestar à evangelização da própria Igreja Católica que, talvez, depois de mais de 2.000 anos, precisa ser revigorada. O grande risco é que ela tenha perdido o verdadeiro rosto de Deus”.
Novos instrumentos
Entrar em diálogo com esses mundos diversos e distantes é uma das novas e importantes prioridades da Pontifícia Academia de Teologia. Para isso, os novos estatutos preveem novas estruturas.
Em primeiro lugar, explica Staglianò, “um Conselho de Estudos Superiores chamado a interagir com as esferas da cultura superior, incluindo a institucional. E então pensamos em cenáculos teológicos com os quais relacionar a teologia sapiencial com o povo para falar de Deus através dos temas da vida, da carne sofredora, das questões políticas e sociais”.
Para fazer tudo isso, conclui Staglianò, “nos ajudarão algumas figuras criadas graças aos novos estatutos: a do interlocutor referente. Serão pessoas ou grupos de pessoas aos quais a Pontifícia Academia de Teologia poderá se referir para abrir espaços de interlocução de amplo alcance”.
Leia mais
- Teologia em forma de canção contra o horror do hipermercado. Entrevista com Antonio Stagliano
- Para além da “religião civil” e do “cristianismo burguês”. Artigo de Antonio Staglianò
- Uma ministerialidade no feminino. Exortação e nota pastoral de Dom Antonio Staglianò, bispo de Noto
- A abordagem do Papa Francisco à teologia continua a recepção do Vaticano II
- Francisco convida os teólogos católicos a uma “revolução cultural”. Artigo de Massimo Faggioli
- A Opção Francisco e a reforma da Igreja. Desafios e perspectivas. Conferência de Massimo Faggioli
- A reforma da igreja. Artigo de Enzo Bianchi
- Papa Francisco critica católicos norte-americanos reacionários que se opõem à reforma da Igreja
- Quando se trata de reforma da Igreja, Francisco não tem medo de causar algum desconforto
- Por que as reformas de Francisco na Igreja estão entrando em uma etapa decisiva
- Com nova promoção de cardeais, Francisco perpetua sua linha reformadora da Igreja
- Alemanha: Mulheres que promovem reformas na Igreja, na mira do discurso de ódio
- Reformadores da Igreja esperançosos com a menção do documento do sínodo à ordenação de mulheres e inclusão LGBTQ
- Defensores LGBTQ+ e reformadores da Igreja reagem positivamente ao último documento do Sínodo
- Sínodo dos Bispos desafiado a prosseguir com a reforma da Igreja
- Votar em mulheres e leigos no Sínodo: um pequeno passo na reforma “urgente” da Igreja. Artigo de Consuelo Vélez
- Há mais de 10 anos, o Papa Francisco abriu a porta da reforma da Igreja. É hora de passar. Editorial do National Catholic Reporter
FECHAR
Comunicar erro.
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“A ciência teológica deve ser concebida cada vez mais como sabedoria”, diz Staglianò, presidente da Pontifícia Academia de Teologia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU