08 Dezembro 2023
“Os Estados Unidos, e não Kissinger, são os responsáveis por suas políticas de morte. Ele foi apenas a sua mão executora, escreve Marcos Roitman Rosenmann, sociólogo, analista político e ensaísta chileno-espanhol, em artigo publicado por La Jornada, 07-12-2023. A tradução é do Cepat.
Separar a política externa dos Estados Unidos dos secretários de Estado que ocuparam a função, da Segunda Guerra Mundial até hoje, parece uma má opção. Da mesma forma, enfatizar as ambivalências do personagem e esquecer que ele era um servidor do establishment é não compreender o papel do responsável pela diplomacia dos Estados Unidos dentro do complexo militar-industrial, a Casa Branca, o Pentágono e a CIA. Além disso, chamá-lo de ególatra, assassino etc., pouco ou nada contribui para decifrar o seu papel na política externa dos Estados Unidos. Tampouco considerá-lo guardião do Ocidente.
No entanto, após a sua morte, essas foram as perspectivas que prevaleceram nas análises. Sendo assim, os detratores colocam de um lado da balança seu apoio às ditaduras e genocidas, ao passo que, no outro lado, seus defensores destacam o seu compromisso com a paz mundial, o desarmamento e a defesa da democracia. Em ambos os casos, o resultado é uma descrição de Kissinger acima do sistema político dos Estados Unidos.
Isto leva a questionar: era um iluminado? Um Rasputin manipulador, enquanto Nixon e Ford seus fantoches? Por acaso, tinha licença, não consultava, nem acatava as decisões provenientes do Conselho de Segurança Nacional? Ao mesmo tempo em que era secretário de Estado, servia como diretor na sombra da CIA, da DEA e controlava o Pentágono? Se essas questões fossem resolvidas com um sim, estaríamos na presença de um super-homem. Contudo, não foi o caso de Kissinger.
As respostas não estão em Kissinger, é preciso buscá-las no papel que os Estados Unidos desempenharam em tempos de Guerra Fria, para além das excentricidades do personagem e suas mil faces. Não devemos esquecer qual era a sua missão como secretário de Estado: expandir o poder dos Estados Unidos, reforçar o seu controle militar dentro da OTAN e manter a sua influência entre os países aliados da Europa ocidental. Por conseguinte, suas decisões sempre foram consensuadas entre democratas e republicanos. Basta lembrar o chamado Relatório Kissinger sobre a América Central, redigido em 1984, cuja comissão era composta por representantes dos dois partidos.
Os Estados Unidos sempre compreenderam as relações externas com a América Latina a partir de uma posição intervencionista, de força e submissão. Não se trata de uma relação entre iguais. Desde a Doutrina Monroe, seus secretários de Estado implementam uma relação de poder assimétrica. Quintal, jardim frontal, política de boa vizinhança, o pau e a cenoura. Os nomes podem variar, mas o resultado é o mesmo. Invasões, processos desestabilizadores, golpes de Estado, um bloqueio a Cuba que dura 60 anos, financiamento de narcopolíticos, apoio a ditadores, genocidas, torturadores e patrocinadores de guerras espúrias.
Não é Henry Kissinger, é o imperialismo estadunidense e seus governantes. Se há dúvidas, vejamos alguns nomes de secretários de Estado, em diferentes governos, que desempenharam um papel relevante nos processos desestabilizadores da região, desde 1945. Eles aplicaram os mesmos critérios de Kissinger no momento de defender os interesses dos Estados Unidos e do complexo militar-industrial, financeiro e tecnológico. John Foster Dulles (1953-1959), com Dwight Eisenhower; Cyrus Vance (1977-1980), com Jimmy Carter; Alexander Haig (1981-1982), George Shultz (1982-1989), com Ronald Reagan; Madeleine Albright (1997-2001), com Bill Clinton; Colin Powell (2001-2005) e Condoleezza Rice (2005-2009), com George W. Bush; Hillary Clinton (2009-2013), com Barack Obama; Mike Pompeo (2018-2021), com Donald Trump. Nenhum dos citados escapa de apoiar processos desestabilizadores na América Latina. Não só na América Latina, mas também em todo o chamado Terceiro Mundo.
Os Estados Unidos e seus governos, se voltarmos à Doutrina Monroe, nunca tiveram outro interesse a não ser um controle geopolítico da região, em que o princípio da subordinação e da dependência é o fio condutor de suas decisões. Se não houvesse Kissinger, outro em seu lugar teria dado sinal verde para desestabilizar o governo de Salvador Allende, como Dulles fez com a Guatemala, em 1954. Da mesma forma, outro teria apoiado a ditadura de Pinochet e Videla, como Dean Rusk (1961-1969), durante os governos de Kennedy e Lyndon Johnson, fez com a ditadura do Brasil, em 1964, e a invasão da República Dominicana, em 1965.
No entanto, se algo pode ser destacado como marca de Kissinger, além da arrogância, foi o desprezo e a ignorância para com a América Latina, atitude que ostentava. Isto se manifestou em sua resposta ao então chanceler do governo chileno de Eduardo Frei Montalva, Gabriel Valdés Subercaseaux, em 1968. O texto foi citado por Gregorio Selser no Relatório Kissinger contra a América Central:
– Senhor Ministro, o senhor fez um discurso estranho. Veio aqui para falar da América Latina, mas isso não é importante. Nada importante pode vir do sul. A história nunca ocorreu no sul. O eixo da história começa em Moscou, vai até Bonn, atravessa Washington e segue para Tóquio. O que acontece no sul não tem importância. O senhor desperdiçou o seu tempo.
– Senhor Kissinger, o senhor não sabe nada sobre o Sul.
– Não, senhor Valdés, e não me importa...
Em conclusão, Os Estados Unidos, e não Kissinger, são os responsáveis por suas políticas de morte. Ele foi apenas a sua mão executora.
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Henry Kissinger: a diplomacia da morte - Instituto Humanitas Unisinos - IHU