23 Novembro 2023
"A mitigação da crise climática e a adaptação a essas mudanças são cruciais para minimizar os impactos na saúde humana e na saúde das demais espécies vivas da Terra", escreve José Eustáquio Diniz Alves, doutor em Demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE, em artigo publicado por EcoDebate, 22-11-2023.
“Os humanos são incapazes de viver em harmonia com o planeta. Eles não sabem como fazer
isso e como seria uma coexistência harmoniosa. Porque eles nem conseguem ver
o quão parasitas, destrutivos e venenosos são para a Terra” – George Tsakraklides (26/10/2023)
A humanidade já ultrapassou 6 das 9 fronteiras planetárias, sendo que duas delas – Mudança climática e Perda de biodiversidade – são o que os cientistas chamam de “limites fundamentais” e tem o potencial para conduzir o Sistema Terra a um novo estado que levaria a civilização ao colapso.
Em junho de 2019 escrevi, aqui no Ecodebate, o artigo “A vida na Terra tem duas ameaças vitais: mudanças climáticas e ecocídio” (Alves, 19/06/2019) onde argumentei que a ideia utópica de uma harmonia entre o crescimento da população e o desenvolvimento econômico estava se transformando em uma distopia, pois o desenvolvimento sustentável se tornou um oximoro e o tripé da sustentabilidade (social, ambiental e econômico) se transformando em um trilema.
Agora em 2023, a crise climática e ambiental está mudando de patamar com consequências extremamente danosas para a humanidade e as demais espécies do planeta. Com a aproximação da 28ª Conferência das Partes das Nações Unidas (COP28) sobre mudanças climáticas, a ser realizada em novembro, em Dubai, e a 16ª Conferência sobre a biodiversidade, na Turquia em 2024, os ambientalistas de todo o mundo fazem um forte apelo para que ser reconheça que estas crises estão interligadas.
Neste sentido, mais de 200 revistas científicas da área da saúde uniram-se para exigir que as organizações globais e os líderes políticos reconheçam que a crise climática e ambiental é tão grave que constitui uma emergência sanitária global.
O editorial “Time to treat the climate and nature crisis as one indivisible global health emergency”, publicado no periódico acadêmico British Medical Journal (BMJ), dentre outras publicações, afirma que “a mudança climática e a perda de biodiversidade não são desafios independentes, mas uma crise unificada que deve ser abordada em conjunto para preservar a saúde e evitar uma catástrofe iminente”.
O mundo natural é constituído por um sistema global interdependente. Os danos a um subsistema podem criar efeitos de retroalimentação (feedback) que prejudicam outros. Por exemplo, secas, incêndios florestais, inundações e outros efeitos do aumento das temperaturas globais destroem a vida vegetal e levam à erosão do solo e, assim, inibem o armazenamento de carbono, o que significa mais aquecimento global. O degelo dos polos, da Groenlândia e dos glaciares libera o CO2 aprisionado no gelo, afeta a circulação das correntes marinhas, destrói a vida marinha e eleva o nível dos oceanos.
O aumento das temperaturas, os fenômenos meteorológicos extremos, a poluição atmosférica e a propagação de doenças infecciosas são algumas das principais ameaças à saúde, exacerbadas pelas alterações climáticas. Acrescente-se a isto os problemas sociais como escassez de terra e moradia, insegurança alimentar, estresse hídrico, agravando aumento da pobreza e da fome e migração em massa de refugiados climáticos. As mudanças no uso da terra forçaram dezenas de milhares de espécies a um contato mais próximo, aumentando o intercâmbio de agentes patogênicos e o surgimento de novas doenças e pandemias.
Assim, a emergência sanitária global já está provocando o aumento das taxas de mortalidade. A grande seca que ocorre na Amazônia em 2023 tem prejudicado a saúde de milhões de pessoas que vivem na maior floresta tropical e na maior bacia hidrográfica do mundo, mostrando que a falta ou má qualidade da água e do ar afetam a saúde humana e aumentam o número de óbitos.
As ondas letais de calor ceifam vidas em todo o mundo. Entre 2000 e 2019, estima-se que cerca de 489.000 pessoas tenham morrido a cada ano devido ao calor, segundo a Organização Meteorológica Mundial (OMM). A cidade de Phoenix, nos Estados Unidos, teve o ano mais mortal já registrado, com mortes por calor aumentando em 50%. Se a temperatura global superar o limite de 2º Celsius, do Acordo de Paris, haverá uma pandemia provocada pelo excesso de calor, o que vai afetar especialmente as populações mais idosas.
Os dois gráficos abaixo mostram duas tendências demográficas que estão altamente correlacionadas. O gráfico da esquerda mostra que a população mundial de 80 anos e mais de idade que era de menos de 100 mil pessoas no ano 2000 deve chegar próximo de 1 bilhão de pessoas no ano 2100. Com o envelhecimento da população global, cresce também as mortes. O número de óbitos do mundo que estava abaixo de 50 milhões por ano em meados do século passado, chegou a 60 milhões atualmente, deu um salto para 70 milhões durante a pandemia da covid-19, voltou para casa de 60 milhões, mas vai ter um crescimento expressivo e deve chegar a 120 milhões de óbitos em 2100.
Portanto, o número de óbitos no mundo aumentará, inexoravelmente, devido ao envelhecimento populacional e a mudança da estrutura etária. Mas a emergência sanitária global pode agravar as fatalidades, afetando a saúde especialmente da população idosa.
Portanto, a crise climática e ambiental pode ter impactos significativos na saúde humana e no meio ambiente, e esses impactos podem, indiretamente, contribuir para o surgimento de condições que favorecem o surgimento de doenças e novos desafios para a saúde pública. Alguns dos fatores relacionados à crise climática que podem influenciar a saúde e a propagação de doenças são:
O estudo, publicado na revista Nature Medicine indicou que mais de 61 mil pessoas podem ter morrido durante as sufocantes ondas de calor da Europa no ano passado e países do Mediterrâneo – Grécia, Itália, Portugal e Espanha – tiveram a maior taxa de mortalidade de acordo com o tamanho da população.
Artigo publicado na revista acadêmica The Lancet (Romanello et al, 14/11/2023) mostrou que as mortes de pessoas com mais de 65 anos relacionadas ao calor extremo já aumentaram 85% desde a década de 1990 e o número de pessoas que correm o risco de morrer devido aos efeitos do calor extremo pode aumentar em cinco vezes até 2050.
Há oito anos, a revista Lancet começou a compilar as pesquisas mais recentes sobre como as mudanças climáticas afetam a saúde humana. Foi o primeiro esforço coordenado para destacar as descobertas científicas sobre as consequências das alterações climáticas para a saúde, publicado na esperança de tornar o tema mais central nas negociações climáticas globais. Os relatórios anuais da Lancet sobre este tema, que resumem pesquisas conduzidas por dezenas de cientistas de instituições líderes em todo o mundo, têm assumido um tom cada vez mais terrível.
A publicação de 14 de novembro de 2023 foi o relatório mais contundente até agora. Com base em pesquisas publicadas em 2022 e em dados preliminares sobre ondas de calor e inundações recordes em 2023, a Contagem Regressiva sobre Saúde e Mudanças Climáticas da Lancet alerta para “danos irreversíveis” devido ao ritmo limitado na mitigação das fontes do aquecimento global, principalmente a combustão de combustíveis fósseis.
Ao contrário dos “countdowns” anteriores, o relatório deste ano inclui projeções sobre a forma como as alterações climáticas influenciarão a saúde humana num cenário em que as temperaturas globais aumentam, em média, 2º Celsius em relação aos níveis pré-industriais. Esse aquecimento produziria um aumento de 370% nas mortes anuais relacionadas com o calor, colocaria mais 525 milhões de pessoas em risco de sofrer de insegurança alimentar moderada ou grave e potencialmente estimularia um aumento de 37% na propagação do vírus mortal da dengue, transmitido por mosquitos. Bilhões de pessoas podem ser afetadas pela crise climática.
A Contagem Regressiva da revista Lancet é publicada todos os anos antes da Conferência das Partes (COP). O momento da publicação do relatório visa estimular os negociadores climáticos a terem em conta as suas conclusões nas suas discussões.
A COP28 deste ano, que acontecerá em Dubai de 30 de novembro a 12 de dezembro, contará com um “dia da saúde” pela primeira vez na história do evento, um sinal de que a sobreposição entre clima e saúde está finalmente a tornar-se mais do que apenas uma reflexão tardia para os negociadores .
Portanto, embora a crise climática possa não gerar diretamente epidemias, ela deve criar condições que favorecem a propagação de doenças e representar desafios adicionais para a saúde pública. No longo prazo, as ondas letais de calor certamente irão provocar mais mortes do que a pandemia da covid-19.
A mitigação da crise climática e a adaptação a essas mudanças são cruciais para minimizar os impactos na saúde humana e na saúde das demais espécies vivas da Terra.
ALVES, JED. A vida na Terra tem duas ameaças vitais: mudanças climáticas e ecocídio, Ecodebate, 19/06/2019. Disponível aqui.
Abbasi K, Ali P, Barbour V, Benfield T, Bibbins-Domingo K, Hancocks S et al. Time to treat the climate and nature crisis as one indivisible global health emergency BMJ, 25 October 2023. Disponível aqui.
Marina Romanello et al. The 2023 report of the Lancet Countdown on health and climate change: the imperative for a health-centred response in a world facing irreversible harms, The Lancet, November 14, 2023. Disponível aqui.
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A crise climática e ambiental é uma ameaça à saúde humana e à vida na Terra. Artigo de José Eustáquio Diniz Alves - Instituto Humanitas Unisinos - IHU