31 Outubro 2020
“Não há um grande mistério: as pandemias são completamente provocadas pelas atividades humanas”. E essas atividades são as mesmas que causam a crise climática e a extinção em massa de espécies: a “exploração insustentável” do planeta, segundo revelou uma análise do Painel Intergovernamental de Políticas Científicas sobre Biodiversidade e Ecossistema (IPBES, na sigla em inglês) da ONU.
A reportagem é de Raúl Rejón, publicada por El Diario, 29-10-2020. A tradução é do Cepat.
Entre as agressões que essa exploração ambiental acarreta, o IPBES destaca a mudança no uso dos solos, a expansão da agricultura intensiva e o comércio com a vida selvagem. Mas por que “o crescimento exponencial do consumo e o comércio” levou ao surgimento de doenças infecciosas? “Porque interrompe as interações naturais entre a vida selvagem e os micróbios, aumenta o contato entre esses animais silvestres, o gado, os humanos e os patógenos, o que levou a quase todas as pandemias”, responde o relatório.
De fato, os pesquisadores recordam que 70% destas novas doenças, e praticamente 100% das que se expandiram planetariamente (da gripe ao HIV e a Covid-19) são causadas por vírus cuja origem está nos animais e saltaram aos humanos pelo contato entre a vida selvagem, o gado e as pessoas.
Ao mesmo tempo, todas essas atividades que permitiram a irrupção de patógenos são responsáveis também por ao menos 23% das emissões de gases do efeito estufa que causam o aquecimento global, segundo o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês). Para completar o panorama, também fizeram com que até um milhão de espécies estejam à beira da extinção. Uma taxa que supera várias vezes a média dos últimos 10 milhões de anos, conforme alertou o próprio IPBES, em maio do ano passado.
Que a destruição de ecossistemas faz com que os vírus dos animais atinjam os humanos e, em última instância, se tornem pandemias mundiais é um fato conhecido. O que esta revisão ressalta é que a evidência surgida do conhecimento científico induz a “reavaliar a relação entre os humanos e a natureza e a reduzir as mudanças ambientais globais causadas por um consumo insustentável que levam à mudança climática, a perda de biodiversidade e a emergência pandêmica”, concluem os especialistas.
“As mesmas atividades humanas que provocam a mudança climática e a perda de biodiversidade também são responsáveis pelo risco de pandemias”, destaca o zoólogo e ecólogo de doenças, Peter Daszak, diretor do grupo de especialistas. “Os impactos no meio ambiente são o caminho para as pandemias”.
Porque o cálculo é que até 1,7 milhão de vírus permanece contido na fauna selvagem. Entre 500.000 e 800.000 têm potencial para infectar humanos, recordam os cientistas. Estão presentes especialmente em mamíferos como morcegos, primatas e roedores, mas também em aves e animais domésticos.
A destruição de habitats e a mudança no uso dos solos, como a transformação de matas tropicais em monoculturas como a palma e a soja, interconectam os efeitos da mudança climática, da perda de biodiversidade e da irrupção de novas doenças.
O ciclo pormenorizado pelos especialistas do IPBES inclui o desmatamento e a ocupação de ecossistemas para abrir campos para o cultivo e a pecuária – uma das grandes emissoras de gases do efeito estufa -, mas também para desenvolvimentos urbanísticos. Este processo expulsa ou extingue uma multidão de espécies silvestres e abrem espaço para o assentamento de humanos e de seus animais: “A via para as pandemias”, avalia este grupo de especialistas.
Além disso, a mudança climática está favorecendo a transferência de patógenos porque cria condições ambientais favoráveis para que vetores como, por exemplo, os mosquitos invasores prosperem e sirvam para espalhar patologias como a dengue, a malária ou a febre do Nilo Ocidental.
Na Espanha, o mosquito tigre, transmissor de doenças graves como a dengue, dobrou sua presença em cinco anos. E não para por aí a sinergia climática-pandêmica. A mudança do clima está provocando movimentos em massa de pessoas. A transformação de ecossistemas liberou patógenos até agora contidos. As espécies animais que melhor se adaptam a novos ambientes degradados e dominados pela ação humana podem abrigar novos vírus.
A análise insiste em que, até agora, as pandemias foram geridas de modo mais reativo ou paliativo que preventivo: confinamentos, tratamentos médicos e inclusive um grande esforço humano e econômico para encontrar vacinas. No entanto, este estudo destaca que atacar as doenças em sua origem e eliminar as condições que permitam seu surgimento seria uma fórmula mais efetiva e barata. “Ainda confiamos nas tentativas de controlar as doenças depois que tenham surgido, mas podemos escapar da era das pandemias com muito mais esforço focado na prevenção”, afirma Daszak.
O risco de pandemias pode ser reduzido significativamente, caso estas atividades sejam diminuídas, explica o relatório. Entre as linhas de atuação, os especialistas pedem “a promoção de um consumo responsável para que se reduza o consumo insustentável de recursos em zonas quentes, onde surgem as novas doenças. Também a redução no consumo excessivo de carne e produtos pecuários”, que estão no final de uma reação em cadeia que se inicia ao destruir ecossistemas para abrir espaço para a produção intensiva.
Ainda que o relatório aponte para a necessidade de algumas mudanças que qualifica como “sísmicas”, também destaca que o custo para prevenir o surgimento de pandemias como a Covid-19 será “cem vezes menor do que o provocado pela própria pandemia, razão pela qual existem incentivos econômicos muito fortes para realizar estas mudanças”.
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ONU: clima, biodiversidade e patologias se interconectam - Instituto Humanitas Unisinos - IHU