11 Outubro 2023
Com dom Antonio Stagliano, presidente da Pontifícia Academia de Teologia, que encontramos no Vaticano, na Casa Santa Marta, falamos sobre Jesus e Deus, física teórica e do filmes de Oppenheimer, mas também de canções que “não são apenas canções” (Edoardo Bennato), visto que o bispo teólogo pegou as letras das canções de Francesco Gabbani, Marco Mengoni, Noemi, Simone Cristicchi, Fabrizio Moro, Roberto Vecchioni, Vasco Rossi, e depois de tê-las “estudado” fez a base musical e poética de uma “teologia para todos”, que chamou de Pop-Theology. E que ele divulga na igreja, na universidade, nas palestras, cantando à capela, ou acompanhado pelo violão que ele mesmo toca, ou cantando junto com o público que vem ouvi-lo e que, como num show de rock, canta com ele as músicas.
A entrevista é de Carlo Vulpio, publicada por Corriere della Sera, 08-10-2023.
Dom Antonio Stagliano, o senhor afirma que se faz teologia toda vez que se reflete sobre a existência humana e que Jesus teria vindo à Terra mesmo sem o pecado original. Uma novidade.
Jesus afirma de si mesmo ser antes de Abraão, antes de Adão, antes que o mundo existisse.
E quando os escribas e fariseus lhe objetaram que era muito jovem para ter visto Abraão, Jesus responde: “Eu não disse que vi Abraão, mas que Abraão me viu”. Como Palavra de Deus que vem à Terra para a nossa salvação, e não apenas para nos redimir do pecado original, sim, Jesus teria vindo de qualquer maneira.
Mas isso não vai contra a razão?
Sim, é um problema que enlouquece a razão. E que requer uma reflexão crítica e racional tanto à luz da fé, quanto por meio das analogias que encontramos na mecânica quântica e nas teorias do multiverso, interessantíssimas para nós, teólogos, já que a mecânica quântica é um modelo de interação matéria-espírito que permite a qualquer um, crente ou não, compreender que a realidade é muito mais profunda do que a sua crosta material.
Muitos seres humanos oram. Qual é o poder da oração?
A oração é poderosa porque é um encontro íntimo e profundo com o Deus invisível, que não é uma entidade genérica, mas uma pessoa viva. Nós, cristãos, acreditamos na Trindade. Pai, Filho e Espírito Santo, como realidades pessoais, três pessoas iguais e distintas.
A oração é um momento místico?
Certamente. Na oração mística você se eleva e entra no coração de Deus e de lá você olha para baixo e vê o que Deus ama: os pobres, os famintos, os aflitos, os migrantes à mercê das ondas... A oração é poderosa porque impele à caridade. O verdadeiro drama do catolicismo convencional é que reza, mas não se mexe.
E você explicou isso com “Amen”, uma música de Francesco Gabbani.
Achei perfeito (ele a cita, cantarolando): “Então vamos lá, povo / à espera de um milagre / Vamos elaborar o luto com um Amém/ Do rico em look ascético/ Ao pobre de espírito/ Vamos esquecer tudo com um Amém.” O que significa? Que você não pode orar e dizer: ‘Ouve-nos, Senhor’, e depois não se mexer.
Então Fabrizio de André estava certo, o cristianismo deve ser salvo da Igreja católica?
André tem razão nesse sentido. Essa esquizofrenia entre fé e obras de caridade é o drama do catolicismo. Portanto, eu que acredito na Igreja Católica, como teólogo, digo que esse catolicismo deve, de maneira cristã, ser denunciado.
Você insiste na verdade. Mas será que a verdade existe?
A verdade existe. Porque existe Jesus de Nazaré que diz: "Eu sou a verdade". A verdade para nós cristãos não é um conceito, mas uma pessoa. Como fala Vasco Rossi em sua música La verità, que termina assim: ‘A verdade não é uma coisa / a verdade se casa’. Certo, se casa, como uma pessoa. Para um cristão, Deus é a verdade. E a verdade existe como pessoa em Jesus.
“A verdade vos libertará”, está escrito no Evangelho de João.
É isso. Mas para que a liberdade exista é necessário que exista a pessoa e não o indivíduo. A liberdade do indivíduo é apenas a "minha" liberdade, subjetiva, egoísta, narcisista. A liberdade da pessoa em vez disso, é uma trama de relações humanas, relação de amor com os outros. O cristianismo indica um caminho para a liberdade: se você ama você é livre, se você explora você é escravo.
Não se vê muito dessa liberdade por aí.
“A causa reside numa globalização absolutamente economicista, um globalismo financeiro que, como um tsunami, arrasou tudo. Você só é livre para escolher que produto comprar no hipermercado. Se você tiver dinheiro. É por isso que o Papa Francisco insiste nos pobres e em tudo aquilo que liberta a Igreja daquele poder temporal que a tornava escrava”.
O consumismo pior que o fascismo (Pier Paolo Pasolini), a relação entre o homem e as coisas que substituiu a relação do homem com Deus e com o próximo (Eduard Limonov): esses são os inimigos da liberdade pessoal?
Sim, porque a ‘civilização do hipermercado’ é a barbárie. Como a máfia. Ambas mercantilizam as relações humanas, dizem que a única relação que pode te fazer feliz é aquela com as coisas. Portanto, ‘civilização do hipermercado’ e a máfia são inimigas do cristianismo e não podem desenvolver nenhuma afinidade eletiva com ele.
Pelo que foi dito até agora, você pensou em uma teologia para todos e a chamou de Pop Theology, por quê?
Pop como popular e como música pop. A ideia nasceu durante uma palestra sobre a ‘metafísica do concreto’, dez anos atrás. No evento, havia um público de trezentas pessoas, quase todas jovens, que estavam ficando entediadas. E eu tinha que apresentar as conclusões. Mas diante daqueles garotos cansados, depois de horas de palavras, eu disse que iria cantar a canção da Noemi Vuoto a perdere.
Vi os garotos imediatamente atentos e comecei a cantar: “Sou um peso para mim mesmo / Sou um vazio a perder...", e todos, quero dizer, todos, começaram a cantar comigo. Estavam conectados novamente.
Será que uma música os despertou da conferência soporífica?
Exatamente. E a partir daí pude dizer o que tinha em mente, ou seja, que o ‘vazio a perder’ nada mais é do que o horror que angustia o homem, que a metafísica é o ser ou não ser do Hamlet de William Shakespeare, e que até mesmo as canções de Sanremo se interessavam pela ‘metafísica do concreto’. Perguntei: quem ganhou Sanremo? E todos: “Marco Mengoni”. Com qual música? ‘L’essenziale’. Aqui está, eu disse, esse é um termo da metafísica. O essencial é aquilo que faz algo ser o que é. Vocês não se importam? Ah, não, porque se vocês amam uma pessoa, vocês querem saber sobre ela o essencial, a essência... E comecei a cantar: ‘Não vou aceitar / Mais um erro de julgamento / O amor é capaz de / Esconder-se atrás de palavras amáveis...’. E de repente os trezentos entediados tinham enlouquecido de alegria.
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Teologia em forma de canção contra o horror do hipermercado. Entrevista com Antonio Stagliano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU