09 Outubro 2023
Como sempre, os autores e obras citados nos documentos do magistério papal são informações muito relevantes para compreender os próprios documentos. Na recente Exortação Apostólica Laudate Deum, datada de 4 de outubro passado, o Papa Francisco inclui 44 notas de rodapé, a grande maioria delas são citações suas, especialmente da Laudato Si'. A citação no parágrafo 28, no rodapé, nota [22], corresponde a uma reflexão do filósofo e teólogo russo Vladimir Soloviev (Vladimir Sergeevič Solov'ëv, Moscou 1853 - Uzkoe 1900), retirada do livro "Os três diálogos e o relato do Anticristo" (Bolonha 2021, 256 páginas).
A reportagem é publicada por Il Sismografo, 06-10-2023.
28. Todos nós precisamos repensar a questão do poder humano, seu significado e limites. Nosso poder aumentou freneticamente em poucas décadas. Alcançamos avanços tecnológicos impressionantes e surpreendentes, sem perceber que, ao mesmo tempo, nos tornamos altamente perigosos, capazes de colocar em risco a vida de muitos seres e até mesmo a nossa própria sobrevivência. Hoje podemos repetir com a ironia de Solov'ëv: 'Um século tão avançado que até mesmo a ele coube ser o último'. [22] É preciso clareza e honestidade para reconhecer a tempo que nosso poder e o progresso que geramos estão se voltando contra nós mesmos. [23]
Os 'Três Diálogos e o Relato do Anticristo' são a 'última' obra de Solov'ëv, o ápice e talvez a retratação de toda a sua reflexão anterior. Nestas páginas, escritas pouco antes de sua morte, a confiança na história é substituída por uma interpretação mais dramática do tornar-se terreno. Enquanto nos 'Três Diálogos' o alvo polêmico de Solov'ëv é principalmente o cristianismo mutilado de Tolstói, o 'Relato do Anticristo' é um texto que continua a inquietar pela clarividência com que revela o rosto – ou melhor, um dos rostos – do Anticristo na era moderna. Seu Anticristo irrompe em uma história humana dessacralizada, esvaziada de horizontes transcendentais, agindo no vazio, em uma fragmentação horizontal de religiões, culturas, povos, abraçando cada aspecto da realidade, mas ao mesmo tempo despojando-o de seu significado essencial. Nesse sentido, o Anticristo de Solov'ëv, portador de uma ideologia conciliadora, 'inclusiva', capaz de uma capacidade quase infinita de afastamento da Verdade, parece particularmente atual e ameaçador nos dias de hoje, no deserto contemporâneo de sentido e valores.
O filósofo e teólogo russo Vladimir Soloviev (1853 - 1900). (Imagem: Wikimedia Commons)
Vladimir Solov'ëv (1853-1900) é talvez a expressão mais universal do pensamento russo moderno. Crítico do racionalismo ocidental, ele permaneceu estranho a qualquer exclusivismo nacional. Sua obra deve ser considerada, pelo contrário, uma imensa tentativa de síntese, baseada no conceito de 'unidade total' da realidade. Uma síntese religiosa em primeiro lugar – e de fato, Solov'ëv é uma pedra angular do ecumenismo cristão – mas estritamente ligada a um ideal de transformação concreta da realidade terrena. Entre suas obras destacam-se: 'A Crise da Filosofia Ocidental' (1874, trad. it. Milão 1986); 'Sobre o Divino-Humano' (1877-81, trad. it. Milão 1990); 'A Rússia e a Igreja Universal' (1888, trad. it. Milão 1983)."
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No documento Laudate Deum, o Papa Francisco cita “Os três diálogos e o relato do Anticristo” do escritor russo Vladimir Solov'ev - Instituto Humanitas Unisinos - IHU