"Vós, filhos dos homens,
louvai o Senhor da glória sobre todas as coisas,
magnificai-o e exaltai-o grandemente!
E glorificai-o para todo o sempre,
para que toda honra e glória nas alturas seja
para Deus, o criador todo-poderoso,
e na terra haja paz para os homens de boa vontade!
Magnífico é este Rei pacífico, acima de todos os reis
De todo o universo,
Senhor Deus, nosso Criador,
Redentor e Salvador,
Conselheiro e nosso admirável Legislador."
"Esta oração é uma invocação ao Rei pacífico, mas também uma exortação aos homens de boa vontade para serem pacificadores", disse Pe. Pietro Messa, OFM, no ano passado, por ocasião da divulgação desta oração inédita de Francisco de Assis, apresentada na "Frate Francesco. Rivista di cultura francescana" (p. 7-35), pelo Padre Aleksander Horowski do Instituto Histórico dos Capuchinhos.
São Francisco de Assis, cuja festa a Igreja celebra hoje, 04-10-2023, é reconhecido pela radicalidade evangélica vivida, seja na opção voluntária pela pobreza, seja na relação que estabeleceu com todas as criaturas. A vida austera de Francisco de Assis continua a impressionar muitas pessoas quase 800 anos após a sua morte. Entretanto, segundo a historiadora italiana Chiara Frugoni, uma das maiores especialistas na vida de São Francisco de Assis, "desde o momento de sua conversão, pode-se dizer, São Francisco não inventou nada, mesmo quando suas decisões tinham alcance revolucionário. Ele decidiu aplicar o Evangelho ao pé da letra e seguir a vida de Cristo, para espalhar, por toda parte, uma mensagem de amor e de paz".
Na entrevista concedida ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU em 2015, Chiara Frugoni explicou o fundamento da relação de São Francisco com a natureza e seu amor por todas as criaturas. "Francisco, porque Cristo fez-se homem, sentia-se irmão de Jesus. E por isso mantinha uma forte relação com Deus Pai, Deus criador, cheio de gratidão pelo plano divino, do qual ele também, como criatura, sentia-se parte. Exatamente por isto respeitava profundamente a natureza. Não pensava ter direito, enquanto homem, de explorar e destruir".
Segundo ela, o Cântico de Frei Sol ou Louvor das Criaturas, de Francisco de Assis, "foi inspirado pelo Salmo 148, e a passagem de Daniel 3,51-89, que compreendem um louvor incondicional a toda a criação, incluindo os animais, dos peixes às aves".
"Francisco para nos quatro elementos porque está ciente da perturbação que o pecado original introduziu. Mas o convite à paz, na segunda parte do Cântico, é um convite a retornar àquele estado de harmonia originária, quando o homem não se sentia no centro do mundo e no direito de oprimir e destruir, mas com a obrigação de 'guardar', respondendo assim ao dom da Criação concedido generosamente por Deus ao homem", acrescentou.
Segundo o monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, o Cântico do Irmão Sol ou Cântico das Criaturas nasceu "de um homem, um cristão doente, fraco, pobre e em tentação, já cego, impossibilitado de ver o sol e as outras criaturas". Com este cântico, menciona, "Francisco diz primeiramente um 'amém', um 'sim' à vida e a este mundo, em seguida, louva, agradece ao seu Senhor que chama com intimidade e amor 'mi’ Signore', o meu Senhor. Como nos testemunha Tomás de Celano, Francisco 'já não era mais um homem que orava, havia se tornado uma oração viva'".
"O que fez e faz de Francisco de Assis esta criatura tão admirável e tão simpática, que une pessoas de diversos credos e propostas?"
Para Ildo Perondi, frei capuchinho e professor de Teologia na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), a resposta a esta pergunta é evangélica: "Francisco não viveu para si; ele viveu para Deus e para o mundo. No meio de uma sociedade em conflitos e em trevas, como era no século XIII, Francisco foi capaz de sonhar e propor alternativas tanto religiosas como civis. Ele entendia que somos uma grande fraternidade universal. Somos irmãos e irmãs de todas as criaturas e que existe beleza na diversidade. O rompimento desta harmonia provoca as guerras, os ódios, as divisões... Por isso, São Francisco é também o patrono da Ecologia. Francisco deu o exemplo daquilo que pregava. Chamava seus companheiros de freis, isto é, irmãos. Mas mostrou também que esta fraternidade deve ser com todas as pessoas e com todas as criaturas..."
Segundo o frade dominicano estadunidense Daniel P. Horan, professor de Teologia Sistemática e Espiritualidade na Catholic Theological Union, em Chicago, EUA, "todo o estilo de vida de São Francisco se concentrou em renovar a experiência diária e encarnada da vida cristã, priorizando os fundamentos dos valores do Evangelho a serviço dos pobres, dos esquecidos, dos sem voz e dos abandonados em seu próprio tempo e contexto". A reconstrução da Igreja, objetivo de Francisco de Assis no cumprimento das palavras que ouviu diante do crucifixo enquanto rezava, e tema continuamente atual e desafiador, pontua, "só pode ocorrer quando cada parte constitutiva seja reparada e a estrutura seja refeita inteiramente. E o modo pelo qual se faz essa reconstrução é importante: como penitentes, com humildade e em espírito de oração, exatamente como São Francisco fez há oito séculos”.
Na pregação da harmonia entre as criaturas, Francisco de Assis também exortava a humanidade à paz, tal como o faz o Papa Francisco na advertência à 3ª Guerra Mundial em pedaços atualmente em curso no século XXI. "Francisco dizia: 'Se ninguém estiver disposto a dar o primeiro passo e se ninguém tiver a coragem de perdoar, essa guerra não acabará'. Ele se referia à guerra das cruzadas. Hoje, a guerra que nos assola é aquela na qual o sistema capitalista mancomunado com as transnacionais e as elites subservientes à idolatria do mercado impõe aos povos e territórios, ameaçando exterminar a vida humana sobre o Planeta Terra", pontuou Gilvander Moreira, frei e padre da Ordem dos Carmelitas, ao refletir sobre como São Francisco nos interpela na atualidade.
Francisco. O Santo. Revista IHU On-Line N. 238.
O ECOmenismo de Laudato Si’. Da Crise Ecológica à Ecologia Integral. Revista IHU On-Line N. 469