14 Setembro 2023
Douglas Rushkoff é um dos maiores especialistas em internet. Em 2017, o pai do conceito de viralidade e um dos pensadores mais influentes sobre o impacto da tecnologia em nossas vidas foi convidado por cinco multimilionários (cujos nomes está proibido de revelar) para um retiro superluxuoso, no meio do deserto, para falar sobre “o futuro da tecnologia”.
Ao chegar, percebeu que a única preocupação desses homens tão poderosos era, literalmente, como salvar sua pele do apocalipse, o que eles chamavam de “o evento”. Colapso ambiental, explosão nuclear, um vírus imparável, sabotagem informática, guerra biológica... “Há anos, os bilionários se preparam para escapar do resto da humanidade, da turba enfurecida, de nós”, explica.
É disso que trata o ensaio La supervivencia de los más ricos (Capitão Swing), onde Rushkoff detalha as fantasias escapistas dos bilionários tecnológicos e sua mentalidade egoísta. Não é por acaso que Jeff Bezos deseja emigrar para o espaço, que Elon Musk quer colonizar Marte, que Peter Thiel (o fundador do Paypal) aspira a imortalidade, em seu bunker na Nova Zelândia, e que Sam Altman, o criador do ChatGPT, propôs carregar sua mente em um supercomputador. “Para eles, o futuro da tecnologia consiste em apenas uma coisa: escapar do resto de nós”, explica Rushkoff.
A entrevista é de Leticia Blanco, publicada por La Opinión de Murcia, 09-09-2023. A tradução é do Cepat.
Por que escreveu o livro?
Quando conheci esses bilionários da tecnologia, percebi que, na realidade, não tinham intenção alguma de tornar o mundo um lugar mais habitável. Só estão interessados em construir algo para sua sobrevivência pessoal. Sua promessa de que a tecnologia criará um mundo melhor para todos é radicalmente falsa. Estão se preparando para a catástrofe que eles próprios provocaram.
Realmente, acreditam que poderão escapar do apocalipse?
É que não são tão inteligentes quanto parece. Não leem muito, a maioria abandona a universidade após o primeiro ano, como Mark Zuckerberg, que é muito imaturo. São pessoas muito poderosas, cuja educação cultural se limita a ter assistido a alguns filmes de zumbis.
O que eles têm em comum?
Somos todos, no fundo, um pouco estranhos. Mas, por exemplo, o problema de Elon Musk é que a sua estranheza, seu autismo ou Asperger, pode se tornar muito extrema, quase sociopata, caso não se equilibre com algo mais. Algumas emoções humanas são exacerbadas com a tecnologia digital e podem levar a uma visão totalizadora do mundo. Tenho certeza de que Musk é uma pessoa divertida e com boas intenções, mas não pode evitar ver os humanos de uma distância sociopática, como se fôssemos peças de uma máquina.
Como?
O digital adora o capitalismo e o capitalismo adora o digital porque ambos podem crescer exponencialmente para sempre. O capitalismo está dizendo que o projeto humano tem a ver com lucro, com os números. Por isso, prevalece uma compreensão não espiritual do mundo, cientificista, onde tudo pode ser rotulado. O digital domina, expande e consome, por isso adora a masculinidade, ao menos a ocidental tradicional tóxica. E é por isso que o ambiente digital premia todos esses líderes ateus, materialistas, expansionistas e colonialistas.
No livro, explica que os bunkers não são mais uma fantasia.
Parece loucura, mas são uma realidade. E não existem apenas no Havaí e na Nova Zelândia. Há uma empresa suíça, a Oppidum, que atua em sua construção por toda a Europa, sobretudo na Croácia. São apartamentos de luxo no subsolo. São vendidos à prova de terremotos e desastre nuclear.
Escreve sobre a internet desde que nasceu. Em que momento as coisas se perderam?
Por volta de 1994. No início, a rede não tinha fins lucrativos, era um espaço puro que iria ajudar as pessoas a se conectarem. Nós que estávamos lá no início, éramos jovens californianos que gostavam de psicodelia e acreditavam na utopia. Programávamos durante o dia e, à noite, íamos de rave. Até que a revista Wired disse, em 1993, que a rede era uma grande oportunidade de negócio e tudo foi por água abaixo.
O Estado era, então, o inimigo.
Não prevíamos que se você se desfaz do governo, cria um espaço sem lei para que as corporações façam o que quiserem. Não soubemos enxergar que a desregulamentação não consiste apenas em deixar que os piratas informáticos atuem livremente, mas que as grandes empresas também façam o mesmo. Não acredito que Biden consiga regulamentar as grandes empresas tecnológicas.
No que a internet se transformou?
A tecnologia digital é realmente boa em criar soluções falsas para os problemas. Também no momento de nos isolar e distanciar das repercussões de nossas ações. Quando você compra um Tesla, não vê a poluição gerada pela fabricação de sua bateria, nem as crianças nas minas de cobalto. A Amazon, inclusive, tem uma opção para evitar o contato humano com o entregador.
Tudo isso nos lembra um pouco os hippies, que acabaram virando yuppies.
Sim, o capitalismo sempre foi genial em absorver sua própria crítica. Você pode ir ao Burning Man, beber ayahuasca, usar roupas sustentáveis e pregar sobre os direitos das mulheres e continuar sendo um imbecil destrutivo. Quando eu era jovem, pensava que qualquer pessoa que consumisse cogumelos enxergaria o que eu vi e se tornaria uma boa pessoa, mas a maioria dos idiotas continua idiota depois de tomar ácido. Hitler também era encantado pelos psicodélicos. E a natureza!
O que nos salvará?
Os livros, a comédia, os filmes, os rituais, a dança, o amor, a ioga, o tantra e todas essas coisas das quais as pessoas riem. Detesto dizer isto, mas, neste momento, é mais provável que a magia nos salve do apocalipse do que o futuro tecnossolucionista. A racionalidade, o cientificismo e o solucionismo atingiram os seus limites. Não acredito que a Monsanto vá resolver a crise alimentar cultivando alfafa falsa no oceano. É hora de recuperar as ciências perdidas.
Qual é a sua opinião a respeito da disputa entre Musk e Zuckerberg?
Eles se veem como deuses. É como se Zeus e Atena decidissem travar uma batalha e nós, pequenos humanos, observássemos de baixo. Ou como se Batman e Superman estivessem lutando. Mark Zuckerberg se vê como César Augusto. Está obcecado por ele. Tem o mesmo corte de cabelo e inicia suas reuniões com seu grito de guerra: ‘Dominação!’. Deveríamos ficar agradecidos pelo fato de o seu modelo ser um ditador benevolente como Augusto e não Calígula. E Elon Musk se vê como um semideus. Ambos interpretam suas fantasias pop como heróis da humanidade.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“Os bilionários da tecnologia estão se preparando para a catástrofe que eles mesmos provocaram”. Entrevista com Douglas Rushkoff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU