Aspectos psicológicos do Discernimento Vocacional: itinerário formativo para o discernimento das vocações. Artigo de Eliseu Wisniewski

(Foto: Ramses Sudiang | Unsplash)

05 Setembro 2023

"O trabalho oferecido por Giuseppe Crea e Vagner Sanagiotto é uma obra recomendável para a formação permanente de todos aqueles que estão envolvidos com o processo de discernimento – valendo o que dizem os autores – o discernimento reconhece que existem motivações interiores que precisam de vigilância constante, para ajudar aquele que é chamado por Deus a distinguir, entre tantas vozes, aquilo que condiz com os ideais vocacionais professados. A proposta é de um discernimento que permita fazer escolhas, mas, acima de tudo, que possibilite o desenvolvimento de projetos formativos de caráter preventivo", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre e doutorando em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), em resenha sobre o livro Aspectos psicológicos do discernimento vocacional: itinerário formativo para o discernimento das vocações, de Giuseppe Crea e Vagner Sanagiotto.

Eis o artigo.

A integração da psicologia nos processos de discernimento vocacional é a proposta da obra: Aspectos psicológicos do discernimento vocacional: itinerário formativo para o discernimento das vocações (Paulinas, 2022, 256 páginas), de Giuseppe Crea e Vagner Sanagiotto, ambos os autores são psicólogos e psicoterapeutas e trabalham no acompanhamento psicológico e na formação permanente da vida religiosa e presbiteral.

Tendo em conta que o ser humano tem no coração uma lei escrita pelo próprio Deus e o seu desejo mais profundo é regular toda a sua existência com base nessa lei -, as diferentes abordagens psicológicas apresentadas nas páginas deste livro ajudam a examinar as diferentes dimensões do psiquismo humano, a partir da convicção de que cada pessoa tem aspirações profundas que as abrem para o sentido da sua vida. As ciências psicológicas podem contribuir com esse caminho, porque ajudam a entrar em sintonia com o chamado de Deus, a descobrir o sentido orientador da existência e a integrar os diversos aspectos de si mesmo com a vocação.

Crea e Sanagiotto ressaltam que o discernimento não é apenas uma “técnica que colocamos em ato para decidir se alguém que bate à porta dos seminários está apto ou não para continuar ou iniciar um percurso formativo. Ele [o discernimento] é um método que abarca a vida em todos os seus aspectos, inclusive na formação permanente” (p. 13). Assim sendo, “aceitar o convite de discernir a vocação ignifica assumir a história de vida como uma ‘história vocacional’, que se traduz em escolhas cotidianas que orientam o olhar para frente, confiante de que ‘nos desígnios de Deus, cada homem é chamado a desenvolver-se, porque toda a vida é vocação. Significa, também, abrir-se a um percurso educativo entendido como caminho de crescimento pessoal, capaz de responder às próprias aspirações espirituais, realizando, assim, o desejo de comunhão com Deus”(p. 15).

Aspectos psicológicos do Discernimento Vocacional: itinerário formativo para o discernimento das vocações de Giuseppe Crea e Vagner Sanagiotto. (Foto: Divulgação)

Nesta perceptiva este livro que tem como fio condutor a dimensão evolutiva e relacional (cf. 14), estruturado em nove capítulos -, traz indicações de um percurso educativo que ajude a reconhecer os sinais da história vocacional, num percurso interpessoal caracterizado pelo desejo comum do Absoluto. A abordagem psicológica, considerada pelos autores, evidencia como o envolvimento intersubjetivo educa para a experiência de um discernimento permanente, que ajuda a reconhecer os dons recebidos e a valorizá-los para o Reino de Deus. É esse discernimento que permite formar pessoas sólidas e capazes de colaborar com os outros e dar sentido à própria vida.

No primeiro capítulo O discernimento como processo de crescimento pessoal (p. 19-33), os autores tendo em conta os padres do deserto trabalham a dimensão espiritual do discernimento, notando que essa dimensão desde sempre foi considerada a principal maneira de conhecer a vontade de Deus, para se fazer escolhas que abram o coração às realidades futuras, predispondo o indivíduo a um estilo de vida coerente com as aspirações mais profundas de ser criado à imagem e semelhança de Deus.

A função educacional da fé no caminho do discernimento é o assunto abordado no segundo capítulo (p. 35-69). Seguindo uma visão projetual da experiência religiosa os autores destacam a conexão entre os processos de crescimento humano-espiritual – em que a pessoa integra forças e vulnerabilidades e a perspectiva vocacional que adere a uma escolha de fé que estimula cada indivíduo a dar respostas significativas.

No terceiro capítulo os autores destacam que o discernimento não é desvinculado da vida, mas inserido num processo de formação e crescimento da pessoa, um lugar de reflexão e que pode ser motivo de enriquecimento construtivo para abrir o coração e a mente ao chamado de Deus. Desta forma, a preocupação da Igreja em zelar pelo valor educativo da existência envolve os operadores do discernimento: educadores, orientadores espirituais, formadores, missionários, psicólogos, pais -, no sentido de cuidar da autenticidade do estilo de vida, para que seja coerente com a identidade do chamado, ou seja, é preciso reanimar o discernimento em vista de um projeto de vida (p. 71-80).

A escuta ativa como método de discernimento é assunto do quarto capítulo (p. 81-98). Crea e Sanagiotto observam que a escuta é um método valioso para reconhecer a iniciativa divina na densa malha da experiência humana e, baseia-se essencialmente no clima de diálogo entre quem acompanha e quem se deixa guiar, através de relações interpessoais que facilitem a compreensão e o consentimento sobre os sinais da vida que confirmam a vocação, por isso, a escuta atenta inclui as seguintes dimensões: conteúdo, autoapresentação, relação e pedido.

Para melhor apreender a dinâmica do processo dessa integração, entre os princípios que regulam as diferenças individuais e um projeto de vida aberto ao chamado vocacional, no quinto capítulo Itinerários psicológicos no processo de discernimento (p. 99-117), os autores destacam alguns critérios psicológicos que caracterizam o processo de crescimento de quem discerne a vocação. São critérios que distinguem não só os aspectos descritivos do indivíduo, como desenvolvimento e organização da personalidade, mas também os aspectos motivacionais e prospectivos, que estão na base de toda verdade vocacional, para a qual a pessoa tende com a totalidade da sua personalidade.

No sexto capítulo O caminho do discernimento: por uma história gradual e projetual (p. 119-150), referindo-se ao discernimento como itinerário educativo, os autores sublinham que a resposta vocacional não acontece repentinamente. Nestas páginas Crea e Sanagiotto ressaltam que o caminho bem de longe e é construído por meio da progressiva capacidade de integrar as etapas da vida, que gradativamente amadurecem. É uma longa caminhada, que se divide em fases, cada qual com uma finalidade, com um conteúdo específico e disposições que contribuem para o crescimento. Cada uma das fases, com sua peculiaridade, está inserida em um quadro unitário maior, que dá significado projetual a toda a existência e, ao mesmo tempo, oferece a oportunidade de apreender, na variedade dos acontecimentos, os aspectos valiosos a serem discernidos e integrados nas escolhas a serem feitas.

Personalidade, mudança e discernimento são os temas abordados no sétimo capítulo (p. 151-190). Os autores concentrando-se em alguns elementos da estrutura da personalidade mostram como estes elementos ajudam no processo de crescimento orientativo e projetual. Esclarecem que é uma atenção voltada aos recursos do indivíduo e ao seu modo de estar com os outros para responder ao chamado vocacional, mas também para reformular aqueles aspectos de si mesmo que se revelem disfuncionais em relação aos objetivos psicoeducativos que são indicados no percurso formativo.

No oitavo capítulo intitulado A tomada de decisão e o crescimento interpessoal no percurso do discernimento (p. 191-226) são apresentados algumas indicações metodológicas que ajudam a olhar as relações em uma perspectiva educativa, necessária durante o caminha de acompanhamento, em vista de um discernimento vocacional.
No ótimo capítulo Por um caminho de discernimento que caracterize toda a existência (p. 227-242), Crea e Sanagiotto destacam que o método proposto nas páginas deste livro é um caminho concreto, que serve para fornecer novos critérios aplicativos para o discernimento vocacional, a partir da centralidade da relação com os outros. Isso porque a exploração contínua da própria forma de viver as relações, incluindo as relações que se estabelecem ao longo de um percurso de discernimento, possibilita que o vocacionado regule o seu comportamento e avance com mais confiança nos objetivos que dizem respeito as respostas de sentido à própria existência.

Uma abordagem integrada entre as ciências psicológicas e um caminho de fé... Esta obra “introduz os responsáveis pelo discernimento vocacional: pastoral vocacional, formadores, superiores etc no conhecimento das aptidões psicológicas para o acompanhamento dos candidatos à vida religiosa e presbiteral, seja nas etapas iniciais do período formativo, seja nas etapas sucessivas da formação permanente” (p. 9). Estas são palavras do Cardeal Dom João Braz de Aviz, Prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e as Sociedades de Vida Apostólica ao prefaciar este escrito (p. 9-11).

Quanto ao teor desta obra Aviz pontua que o “livro se concentra em oferecer elementos teóricos e práticos que ajudem a repensar o estilo de formação, para renovar as atitudes básicas necessárias ao processo de discernimento. Antes de mais nada, os autores sublinham a importância da fé no caminho do discernimento, especificamente o seu papel integrador da existência humana. Em outras palavras, o discernimento tem sentido quando a resposta ao chamado de Deus dinamiza o crescimento do indivíduo no serviço ao próximo” (p. 10). Considerando as indicações úteis para o trabalho de discernimento “a proposta contida nestas páginas convida a reumanizar o discernimento, mediante a elaboração de um projeto vocacional que integre o protagonismo pessoal, ativo e corajoso, que ajude na mudança de vida, harmonizando os dons recebidos em um processo contínuo e unificador da própria identidade. O discernimento, assim entendido, assume o caráter de missão, no qual o indivíduo se compromete a zelar pelos sinais do crescimento pessoal por meio da integração entre o ideal e a realidade, com atenção específica para diversas formas de fragmentação que podem emergir das vivências de cada um” (p. 10).

Por essa razão o trabalho oferecido por Giuseppe Crea e Vagner Sanagiotto é uma obra recomendável para a formação permanente de todos aqueles que estão envolvidos com o processo de discernimento – valendo o que dizem os autores – o discernimento reconhece que existem motivações interiores que precisam de vigilância constante, para ajudar aquele que é chamado por Deus a distinguir, entre tantas vozes, aquilo que condiz com os ideais vocacionais professados. A proposta é de um discernimento que permita fazer escolhas, mas, acima de tudo, que possibilite o desenvolvimento de projetos formativos de caráter preventivo.

Referência

CREA, Giuseppe; SANAGIOTTO, Vagner. Aspectos psicológicos do discernimento vocacional: itinerário formativo para o discernimento das vocações. São Paulo: Paulinas, 2022. 256 páginas. ISBN 9786558081906 (Coleção Tendas)

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