29 Agosto 2023
O artigo é de Pedro Pierre, padre francês que vive há mais de 40 anos na América Latina, publicado por Religión Digital, 27-08-2023.
Sempre as eleições trazem novidades porque projetamos nos outros o que pensamos e queremos. A conclusão que podemos tirar é que dois terços dos equatorianos não querem mudar a organização política e econômica do país. É bastante surpreendente quando se qualifica a gestão do atual presidente como calamitosa.
Esses dois terços dos equatorianos pensam que os ricos vão nos salvar, ou seja, não percebem que a colonização iniciada pelos espanhóis continua com os governos dos ricos brancos, os novos senhores do país. Nem os indígenas escapam dessa realidade. Uma luz no meio dessa densa neblina: a confirmação por 60% dos votantes de deixar o Parque Yasuní fora da exploração de petróleo.
Vejamos os números dos resultados eleitorais. O correísmo com a Revolução Cidadã, lista 5, conquista o primeiro lugar com Luisa González e Andrés Araúz, 33% dos votos e 40% dos deputados. A união contra o correísmo é quase 2 vezes mais forte, uma vez que os outros binômios presidenciais se unificaram contra ele. A dupla surpresa é, por um lado, a vitória para disputar o segundo turno do binômio da ADN (Ação Democrática Nacional). Aliança das listas 4 e 35 (24% dos votos), com Daniel Noboa e Verónica Abad, que representam a classe empresarial equatoriana, e, por outro lado, a eleição de cerca de 30 deputados que formam a segunda força no poder legislativo, do Movimento Construye (MC 25) do falecido candidato Fernando Villavicencio, Maria Paula Romo e Lenin Moreno. Este Movimento Construye representa a extrema direita fascista do Equador na linha de Bolsonaro do Brasil, Uribe-Santos da Colômbia e Pinochet do Chile.
Quanto aos indígenas, a situação eleitoral é bastante desastrosa devido às divisões internas na CONAIE (Confederação das Nacionalidades Indígenas do Equador) e em seu braço político 'Pachakutik', lista 18, que não apresentaram candidatos à presidência... devido aos acordos feitos com o governo de Guillermo Lasso, tanto os legisladores anteriores quanto o partido de Carlo Yaku Pérez (4% dos votos nacionais). O Movimento Pachakutik alcançou apenas cerca de 5 deputados.
O grande perdedor é Otto Sonnenholzner, com 7% dos votos. O Partido Social Cristão, lista 5 de Jaime Nebot, que apoiou Jan Topic (15% dos votos), conquistou apenas cerca de 5 deputados. Vale ressaltar as falhas na votação eletrônica, que prejudicaram os migrantes residentes no exterior: segundo avaliações, apenas cerca de 10% votaram, o que freia o avanço da Revolução Cidadã e limita a presença deles a apenas 3 deputados em vez de 6...
A primeira conclusão é que, com esses votos, estamos bastante distantes de uma mudança para o país. O assassinato de Villavicencio conseguiu interromper o avanço da Revolução Cidadã, permitindo o crescimento da extrema direita com Maria Paula Romo e a direita empresarial do grupo Noboa, que acumula a maior riqueza do país graças a salários de miséria, péssimas condições de trabalho, contratação de menores de idade e elevada dívida com o SRI (Serviço de Renda Interna, ou seja, impostos). Essa realidade desanimadora é resultado das preferências dos jovens, que não têm formação política, dos indígenas que continuam apoiando seus algozes seculares, das mulheres que não se identificaram com Luisa González, daqueles que votaram nulo para favorecer a eleição de Guillermo Lasso, e dos machistas que não querem uma mulher como presidente.
No mínimo, podemos dizer que a situação da Revolução Cidadã está crítica diante do segundo turno em 15 de outubro: onde encontrará os 17% de votos para enfrentar as alianças de direita (todos contra um!), desafiar as mentiras e manipulações da mídia e da televisão corruptas e ganhar a presidência? Os comentários latino-americanos lamentam o pouco apoio à Revolução Cidadã, ressaltam o retrocesso de uma linha progressista e a intensificação do espectro de direita no país, preveem tempos difíceis para os setores populares já bastante afetados nos últimos 6 anos, preveem o crescimento das privatizações (especialmente da Previdência Social), o aumento da migração, poucas oportunidades de emprego para os jovens, aumento do IVA (Imposto sobre Valor Agregado) e aumento dos combustíveis, e consequentemente a continuação da violência e da insegurança."
A comparação da gaiola dourada ainda é relevante, na qual os pássaros nascidos nela não querem sair, apesar das portas abertas. O sistema neoliberal aprisionou a grande maioria dos equatorianos, convencendo-os de que precisam de seus senhores, para que acreditem que não há alternativas fora deles, desprezando assim as possibilidades de abrir caminhos de liberdade, progresso e felicidade. As Igrejas aceitaram os privilégios que os governos de turno lhes oferecem e se acomodaram à tranquilidade e à falta de solidariedade com os pobres, que se tornam cada vez mais numerosos.
Inspirados por Leonardo Boff, deixaremos uma nota final esperançosa diante da pergunta: 'Por que tantos pobres votam em quem promete torná-los ainda mais pobres?' 'Da desordem surgirá uma nova ordem. Assim foi a história da humanidade. De suas várias extinções surgiu um salto qualitativo e uma ordem superior. O que é caótico e deixado de lado é reconfigurado até formar uma nova ordem...' Que possamos, como equatorianos, ser capazes de emergir em breve de caos atual um futuro melhor!"
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Equador. “Por que tantos pobres votam em quem promete torná-los ainda mais pobres?” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU