08 Agosto 2023
"Parece-me que não há consciência de que, quando falta a escuta, a modalidade das relações torna-se verdadeiramente patológica e pouco a pouco prevalece a barbárie", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 07-08-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Há poucos dias foi noticiada a criação, por parte do poder político e de algumas associações, de uma "sala de escuta", pensada para mulheres que se questionam sobre a interrupção da gravidez. Sua intenção seria de servir de auxílio para um discernimento certamente difícil, mas poderia facilmente tornar-se um lugar onde se exercem pressões obedientes a diversas ideologias.
Mas, além dessas considerações, minha reação a essa notícia é mais uma vez a constatação da falta de escuta em nossa vida social hoje.
E parece-me que não há consciência de que, quando falta a escuta, a modalidade das relações torna-se verdadeiramente patológica e pouco a pouco prevalece a barbárie. Cada vez mais percebemos a escuta como uma prática incômoda, acreditamos que temos de empenhar cada minuto do nosso tempo em falar e em fazer, certamente não em escutar, e quando somos realmente obrigados a escutar fazemos com que essa "incumbência" dure o mínimo possível. Mas deveríamos saber que para o ser humano "no princípio era a escuta...", que a escuta é o que nos permite nos situar em relação aos outros. A relação com os outros assenta-se na capacidade de articular a palavra falada com a escuta e só esta última torna fecunda e significativa a palavra ouvida.
Escutar é muito mais do que ouvir e por isso é um ato de vontade, requer uma decisão. Quando nos predispomos à escuta, é preciso voltar para dentro de si mesmo, silenciar o zumbido interior e prestar atenção naquele ou naquela que se escuta. Certamente escutar também é uma operação desgastante, exige estar presentes e despertos diante do outro, tentando entendê-lo até se sentir envolvidos com ele. O outro nem sempre pronuncia palavras de real interesse: por isso quem escuta deve ser treinado na paciência e empenhado em um esforço de interpretação que muitas vezes é pesado e custa bastante.
Só assim é possível escutar o que o outro quer comunicar e se conhece a empatia. Uma escuta feita porque “é preciso”, a escuta de rotina, sem envolvimento e sem “eros”, ou seja, paixão pelo outro, fracassa. Só a escuta autêntica faz viver o outro, só a escuta recíproca cria um vínculo! Mas ao lado da escuta do outro, igualmente necessária e ainda mais difícil, está a arte da escuta de si mesmo, das profundezas do coração, do próprio íntimo. Tão importante que os crentes dizem que isso é a escuta do próprio Deus: uma escuta da consciência.
Cada um de nós tem em seu íntimo o mestre interior que lhe indica o que é bom e o que é mau. Daí a necessidade de escutar as intuições que vêm de dentro, palavras que emergem do mistério do próprio "homem escondido do coração", que inspiram as palavras que dizemos e oferecem as chaves de interpretação das palavras que escutamos. Escutar é prestar escuta! Se na vida cotidiana a praticássemos mais, não chegaríamos a ter que preconizar "salas de escuta", que em si são insuficientes para possibilitar aquela grande experiência humanizadora que é a escuta autêntica.