30 Agosto 2022
"Escutar é a experiência que humaniza mais do que qualquer outra: basta tentar resolutamente ficar em silêncio e espichar o ouvido à beira-mar, ou numa floresta e numa montanha... Cada coisa tem uma voz, e se não padecermos de esclerose auditiva podemos escutar como as criaturas têm uma linguagem, todas nos transmitem uma mensagem que nos ajuda a viver e a morrer", escreve Enzo Bianchi, monge italiano e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 29-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O filósofo Pier Aldo Rovatti afirma com razão que o individualismo hoje dominante na sociedade pode ser medido pela falta de escuta.
Porque quando já não existe mais preocupação em escutar, se obedece ao instinto que nos leva a falar em todas as situações para afirmar que existimos, que se estamos presentes, para ser ouvidos: loquor ergo sum, falo logo existo!
Isso já não acontece mais só em casa, na família, onde cada vez mais se registra a morte da escuta, mas também no espaço público, no meio dos outros. Já se impôs de forma generalizada um estado de espírito de angústia diante do silêncio e de cansaço diante das palavras do outro. E assim, desde quando nos levantamos até nos retirarmos na solidão para dormir, nos sentimos compelidos a falar, a nos fazer ouvir. Vamos confessar: quando o outro fala conosco, pensamos mais em responder-lhe do que em ouvi-lo, quase impacientes para retomar a palavra para sermos ouvidos. E muitas vezes, quem está à nossa frente se comporta da mesma forma, impossibilitando a comunicação e o diálogo.
Escutar, do latim aus cultura, significa cultivar o ouvido, colocar o ouvido no peito para prestar atenção à voz profunda que vem do outro, e é uma operação que deve colocar em comunicação o coração do outro com o próprio coração. Se é verdade, como lembra o Pequeno Príncipe, que "só se vê bem com o coração", é igualmente verdade que só com o coração se pode ouvir bem. Pode-se, de fato, discernir o não dito, o sentido recôndito das palavras e das mensagens, só quando nos “a-cordamos”, entramos em sintonia com a interioridade do outro.
Escutar não é uma tarefa fácil: o aprendemos desde o ventre materno. E desde o nascimento em diante aprendemos a viver não só de leite, mas de cada palavra que sai da boca da mãe. A escuta gera a palavra. Justamente da escuta nasce o empenho, o esforço de todo o nosso ser, não só do órgão auditivo, para que o que chega aos ouvidos possa ser decifrado, interpretado, pensado, acolhido.
A escuta é sempre escuta de um “outro”, um diferente de nós, e requer humildade, paciência, luta contra os preconceitos. Por outro lado, a escuta é a primeira forma de respeito e de atenção do outro, a primeira forma de cuidar do outro, para dar início a uma comunicação saudável.
No entanto, não devemos esquecer que a escuta dos outros é inerente à escuta do mundo e que devemos aprender a decifrar também as vozes, o grito da terra, das plantas, dos animais. Quem não consegue perceber a terra que geme e não sabe escutar a voz das plantas também terá uma escuta incompleta das pessoas.
Escutar é a experiência que humaniza mais do que qualquer outra: basta tentar resolutamente ficar em silêncio e espichar o ouvido à beira-mar, ou numa floresta e numa montanha... Cada coisa tem uma voz, e se não padecermos de esclerose auditiva podemos escutar como as criaturas têm uma linguagem, todas nos transmitem uma mensagem que nos ajuda a viver e a morrer.
Eu escuto, portanto não estou sozinho, estou em relação com o mundo.
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A importância da escuta. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU