01 Novembro 2020
Quando passar a emergência de Covid, “retomaremos nossas vidas com o entusiasmo do usuário de drogas para quem acabou a abstinência”, sem ter aprendido nada. E, entretanto, apesar de uma pandemia que causa “200 mortes por dia”, o “individualismo desenfreado” que caracteriza uma sociedade que “nunca teve o senso de comunidade” continuará a nos guiar. É com um olhar severo e preocupado, e tons inflamados, que Umberto Galimberti, filósofo, psicanalista e antropólogo, descreve a Itália que vive a segunda onda de infecções.
A entrevista é de Elisabetta Pagani, publicada por La Stampa, 31-10-2020. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, "esta pandemia deve nos fazer refletir sobre nosso sistema econômico: é justa uma sociedade baseada no dinheiro? Que calcula apenas o que é útil? Não podemos parar na espuma do mar, devemos olhar para as profundezas. Realmente não queremos mesmo abrir mão de ir ao restaurante? Mas que ideia temos da humanidade?".
O governo fecha os restaurantes às 18h e os italianos vão jantar em San Marino. O que essa atitude nos diz?
O nosso individualismo. É preciso entender que a cidade vem antes do indivíduo, mas nós, italianos, cidadãos ainda não o somos, somos apenas familiares, também por razões históricas. Até 150 anos atrás, éramos dominados por potências estrangeiras e o Estado era visto como um inimigo a ser enganado. Uma orientação que permaneceu, a evasão fiscal prova isso. Não existe senso de coletividade, mas essa é uma cultura que não se inculca em um ano porque aconteceu uma desgraça, é ensinada na escola. E a Itália fecha as escolas.
E se o ensino à distância retornasse em todas as situações?
Fechar escolas é a decisão mais infeliz, a mais absurda. Realmente deve nos deixar revoltados. França e Alemanha fecham tudo, mas não a escola. Escola a distância não existe. Você sabe qual é o problema? Que a Itália nunca deu a mínima para a educação. Basta pensar que, dados da OCDE, 70% dos italianos não entendem o que leem. São os locais da agitação noturna que já deveriam ter sido fechados desde junho: os jovens tiveram uma atitude irresponsável.
Na primavera passada, houve quem dissesse que sairíamos melhores da pandemia. Que sociedade você acha que encontraremos?
A Covid nos ofereceu a oportunidade de refletir sobre nós mesmos, sobre a qualidade de nossos afetos, e não o fizemos. Viver sem o conhecimento de si mesmos é a pior coisa do mundo, mas infelizmente não nos interessa. Esta sociedade amolecida deve ser derrubada desde as bases. As pessoas se rebelam contra o governo, enquanto o inimigo é o vírus.
Vandalismo à parte, o que você acha da raiva e do descontentamento expressos nas ruas?
Penso que neste momento, em que nos encaminhamos para um novo lockdown, só resta suportar. Se cada um de nós é potencialmente um portador do mal, como vamos nos reunir? As manifestações são locais de contaminação.
No entanto, muitos empresários estão quebrados.
Se nossa economia precisa apenas de dois meses para entrar em colapso, isso significa que é extremamente frágil. Esta pandemia deve nos fazer refletir sobre nosso sistema econômico: é justa uma sociedade baseada no dinheiro? Que calcula apenas o que é útil? Não podemos parar na espuma do mar, devemos olhar para as profundezas. Realmente não queremos mesmo abrir mão de ir ao restaurante? Mas que ideia temos da humanidade?
Em abril, você disse que não são mais capazes de dar uma palavra de conforto aos que sofrem e que perdemos a relação com a morte.
E ainda é. As tantas mortes para nós não são mortes, mas números de mortes. Só entendemos se a tragédia nos atinge pessoalmente, e às vezes nem mesmo nesse caso. Talvez com a morte de um idoso haja quem pense na herança.
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“Hoje há muito individualismo, os mortos são só números”. Entrevista com Umberto Galimberti - Instituto Humanitas Unisinos - IHU