21 Julho 2023
"Encontramos Deus nos lugares que eles disseram que não deveríamos: em um corte de cabelo, em usar roupas do outro lado do corredor, em dar as mãos a quem amamos. Vemos beleza nas cicatrizes deixadas por uma cirurgia de afirmação de gênero, assim como vemos beleza nas feridas de Cristo", escreve Maxwell Kuzma, homem transgênero estadunidense que escreve sobre a interseção entre 'queerness' e fé, em artigo publicado por National Catholic Reporter, 16-06-2023.
Assistir aos eventos atuais como uma pessoa transgênero e católica é o suficiente para fazer minha cabeça girar nos dias de hoje. Quando as lojas Target começaram a vender novas roupas LGBTQ+ em preparação para o mês de junho – incluindo uma linha feita e desenhada por um criador LGBTQ+ – conservadores radicais entraram em algumas lojas e destruíram as vitrines. Muitos vincularam esse comportamento à reação exagerada à Bud Light pelo mesmo eleitorado: quando a empresa enviou uma lata para uma mulher trans no TikTok, as pessoas destruíram latas de cerveja como protesto.
Parece dolorosamente óbvio apontar que dentro da comunidade LGBTQ+ as pessoas trans são atualmente um foco particular de indignação, raiva e ódio. Depois, há a Igreja Católica. Muito já foi escrito sobre o padrão inconsistente na Igreja Católica americana moderna e institucional em relação à forma como as identidades LGBTQ+ são direcionadas exclusivamente.
Professores gays são demitidos de escolas católicas, mas funcionários que, digamos, coabitam antes do casamento podem permanecer na equipe. Nossas histórias são censuradas, editadas ou recontadas de forma a torná-las menos queer. A linguagem inclusiva, como identificar os pronomes de alguém, é rejeitada na tentativa de tornar a estranheza menos ameaçadora para a teologia cis-het [cisgênero e heterossexual] e mais palatável em uma sociedade heteronormativa.
Alguns católicos acham que Deus exige que todos vivam e se apresentem de uma forma que é simplesmente irreal, mesmo para pessoas heterossexuais e cisgênero. Não há questão de acreditar em um credo compartilhado, não há questão de seguir a mensagem de Jesus Cristo; em vez disso, a questão é um legalismo rígido combinado com uma visão revisionista da história e preocupação com a tradição feita pelo homem (ênfase no homem).
O policiamento da linguagem dentro do mundo católico queer – por exemplo, a insistência em usar termos como "atração pelo mesmo sexo" ou "transgenerismo", nenhum dos quais é aceito nas comunidades a que se referem – não tem a ver com ser preciso ou teologicamente preciso. Esses termos sinalizam uma postura não afirmativa em relação às pessoas LGBTQ+ e, talvez ainda mais prejudiciais, servem para isolar os católicos queer da comunidade queer mais ampla, alimentando a narrativa de que as duas comunidades são exclusivas e incapazes de se conectar.
Ao longo da história, a estratégia não mudou muito. Durante a crise da AIDS, a homossexualidade foi retratada como um assunto impróprio para crianças e foi alegado que a inclusão de gays na sociedade era uma tática de recrutamento. Ouvimos o mesmo sobre pessoas trans hoje.
Mas as pessoas LGBTQ+ nunca tentaram recrutar ninguém; estamos apenas tentando nos manter vivos/as. E tivemos que trabalhar tanto para nos autoaceitar em uma sociedade hostil que achamos importante falar sobre nossas experiências e identidades, sabendo que nosso testemunho de esperança pode salvar a vida de outra pessoa.
Parte dessa experiência e identidade, para muitos de nós, é nossa vida espiritual. Frequentemente, ser visivelmente gay é suficiente para fazer alguns cristãos presumirem que alguém não é espiritual. Mas o queerness (estranheza) não exclui a fé.
Existem muitos cristãos e católicos queer apaixonados, alguns deles visivelmente queer, mas muitos escondidos à vista de todos: veja, por exemplo, pessoas bissexuais que estão em casamentos heterossexuais. Sua estranheza não é apagada por causa de seu parceiro. Eles também compartilham da rica história da espiritualidade queer.
Católicos LGBTQ+ têm espiritualidades ricas. Encontramos os santos com códigos estranhos (Joana d'Arc, Santo Estêvão, Juliano de Norwich e muitos outros), apesar das tentativas de escondê-los ou reescrever suas histórias. Celebramos a intimidade das amizades entre pessoas do mesmo sexo na Bíblia (Davi e Jônatas, Noemi e Rute, até mesmo o relacionamento entre Jesus e o apóstolo João – "aquele que Jesus amava"). Esses exemplos de amizades sagradas entre pessoas do mesmo sexo fornecem uma inspiração única para a comunidade queer porque servem como modelos espirituais para relacionamentos familiares para nós; a representação queer não precisa ser explicitamente romântica para ressoar.
Participamos da comunidade católica sob as formas que nos são permitidas: no ministério de música, como coroinhas, comissões paroquiais, etc. Praticamos a devoção ao Sagrado Coração de Jesus ou a Nossa Senhora das Dores, ressoando de forma única com Nossa Senhora sofrendo. Fazemos arte religiosa fantástica.
As pessoas LGBTQ+ articulam as Estações da Cruz de uma forma que outras pessoas muitas vezes nunca consideraram, porque adicionamos detalhes únicos à nossa experiência: elevar a liderança das mulheres, enfatizar a importância de ter um aliado como Simão para ajudar a carregar sua cruz, conhecer uma solidariedade com a experiência de traição e condenação de Jesus, a maneira como ele foi profundamente mal interpretado pelas pessoas de seu tempo – até mesmo por alguns de seus amigos.
Veja, encontramos Deus nos lugares que eles disseram que não deveríamos: em um corte de cabelo, em usar roupas do outro lado do corredor, em dar as mãos a quem amamos. Vemos beleza nas cicatrizes deixadas por uma cirurgia de afirmação de gênero, assim como vemos beleza nas feridas de Cristo.
Encontramos Deus quando vivemos a identidade que nos foi dada, compartilhando nossos dons no mundo com orgulho. Sim, orgulho.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Católicos LGBTQ+ têm um legado espiritual do qual se orgulhar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU