13 Julho 2023
A reportagem é de Sérgio Rubin, publicada por Valores Religiosos, 13-07-2023.
O Papa Francisco se prepara para dar o passo mais ousado de seu pontificado em relação à vida da Igreja. Permitirá que os temas que geram mais polêmica dentro da instituição sejam submetidos a um amplo debate, como o celibato e a possibilidade de homens casados de fé comprovada poderem ser padres em regiões com acentuada escassez de vocações, o diaconato feminino (o degrau antes do sacerdócio), a integração plena dos católicos divorciados em uma nova união e das pessoas com condição homossexual à vida eclesial e, finalmente, uma maior proximidade com os pobres e descartados.
Será por ocasião da realização de um sínodo (assembleia eclesial) em duas seções (a primeira em outubro deste ano e a segunda no mesmo mês do próximo ano) que começou em 2021 com uma consulta (inédita por sua caráter participativo) ao clero e aos fiéis do mundo todo com o objetivo de promover o diálogo interno à luz da fé. Nesta consulta surgiram diversos assuntos das bases, inclusive os mais críticos. E, embora não se espere que, necessariamente, haja resoluções sobre elas e que o pontífice as assuma, ele quer ser uma forma de abordá-las.
O que o Papa aspira é uma Igreja que dialoga mais internamente diante dos desafios. Dito em termos teológicos: discernir a realidade sob a iluminação do Espírito Santo. De fato, sínodo significa “caminhar juntos” e isso será justamente sobre a sinodalidade. E para acentuar seu caráter de diálogo entre os quase 400 participantes não haverá apenas bispos e sacerdotes, mas nisso crescerá a participação de leigos e religiosos – serão um quarto – e, pela primeira vez, 56 mulheres terão a direito de voto. Tudo isso leva alguns a falar de um “miniconcílio”.
“Este sínodo sobre a sinodalidade é de grande importância porque, por um lado, conseguiu uma participação inédita em outros processos realizados na Igreja até hoje e porque, por outro, consolida a identidade como povo de Deus que se abre a ouvir a voz do Espírito Santo que fala em nossas comunidades, no grito dos pobres e na geminação da Terra”, afirma dom Jorge Lozano, arcebispo de San Juan e ex-secretário-geral do Conselho Episcopal Latino-Americano e Caribenho (Celam), que acompanhou o processo pré-sínodo em nível regional.
Sobre as questões críticas, Lozano diz que "já houve vários avanços" como no caso do acesso de homens casados ao sacerdócio ou ao diaconato feminino no Sínodo da Amazônia e na abertura aos divorciados em um novo união na exortação apostólica "Amores Laetitia", mas que "será possível continuar aprofundando seu tratamento". Além disso, considerou um fato animador e “um incentivo para continuar buscando espaços para a participação dos leigos, especialmente leigos e jovens”, que 56 mulheres participem com direito a voto.
A argentina María Lía Zervino, presidente da União Mundial das Organizações de Mulheres Católicas (WUCWO) e uma das três primeiras mulheres membros do Dicastério para os Bispos, considera este sínodo de "máxima importância" porque "só caminhando juntas, que raramente o fazemos, conseguiremos pregar a Boa Nova e ser credíveis. Ao mesmo tempo, assinala que "é uma grande oportunidade para encontrar um novo modo de encarar o Evangelho e de aplicar mais plenamente o Concílio Vaticano II".
Zervino acredita que os assuntos mais polêmicos surgiram nas consultas e foram incluídos no documento de trabalho para “ser tratados com a metodologia de 'conversar no Espírito' e respondidos”. Mas isso não deve impedir "apreciar o resto do sínodo". Quanto à figura do diaconato feminino, diz que isso lhe dá “esperança”, embora esclareça que uma maior participação das mulheres não acontece só aí. E considerou “um ato de justiça, não uma reivindicação feminista, que 56 mulheres possam votar”.
“Creio que o sínodo abre uma nova etapa no caminho de toda a Igreja e é, sem dúvida, uma oportunidade para aprofundar as grandes orientações que Francisco lhe deu a partir de sua exortação apostólica Evangelii gaudium”, afirma o padre Matías Taricco, subsecretário da Conferência Episcopal e coordenador da delegação argentina que participou da reunião regional preparatória em Brasília. "O que mais me entusiasma", acrescenta, "é que nos permite presenciar este processo de aggiornamento".
Padre Taricco afirma que espera “que todas as questões espinhosas possam ser tratadas”, embora esclareça que “enfrentá-las não significa saber de antemão como serão resolvidas”. Além disso, disse que se deve levar em conta que o sínodo “tem duas sessões, que devem permitir o amadurecimento das questões e não cortar frutos verdes”. A respeito da Igreja argentina, destacou que “tem seguido com grande ardor o caminho sinodal” e que sua contribuição foi “muito valorizada” no Vaticano.
A delegada argentina para a etapa continental, a doutora em Teologia Marcela Mazzini também acredita que o sínodo é “de fundamental importância porque é, nem mais nem menos, uma nova maneira de ser Igreja. É a verdadeira reforma da Igreja, que não é um cisma, mas uma profunda conversão pessoal e comunitária, dos corações e das estruturas para ser realmente aquilo a que somos chamados, a nossa vocação, aquilo que Jesus sonhou para nós".
Mazzini acrescenta que "será possível avançar", embora seja necessário ver em que dimensão, em algumas das questões mais críticas porque "estamos, sem dúvida, em um caminho de renovação eclesial". No caso particular do diaconato feminino, acredita que ainda não será tratado, mas "certamente será abordada uma presença e participação mais incisiva das mulheres na Igreja, não só na evangelização, mas nos lugares onde as decisões são tomadas".
O Papa convocou a participar expoentes das principais correntes internas. Por exemplo, o conservador cardeal Gerard Müller, prefeito emérito do Dicastério para a Doutrina da Fé e crítico severo de várias decisões de Francisco, incluindo a convocação para o sínodo: “É uma protestantização de fato”, disparou. Mas também a personalidades progressistas como o jesuíta americano James Martin, que defende a inclusão dos homossexuais.
Diante do risco de discussões ideológicas, o Papa não se cansa de lembrar que o sínodo “não é um congresso ou um parlamento, mas uma Igreja que caminha unida para ler a realidade com os olhos da fé e com o coração de Deus”. Assim, a sua revolução cultural na Igreja está a caminho de atingir o seu ponto mais alto.
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Por que as reformas de Francisco na Igreja estão entrando em uma etapa decisiva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU