04 Julho 2023
"A Escola de Articuladoras (es) da Economia de Francisco e Clara surge como uma proposta de sistematizar o caminho traçado desde o chamado do Papa Francisco, em 2019, por um novo pacto econômico que nomeamos como fazer florescer novas economias", explica o sociólogo Eduardo Brasileiro no artigo a seguir, enviado por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU.
Eduardo Brasileiro, sociólogo pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), mestrando em Ciências Sociais pela PUC Minas. Participou do curso de educadores para a cultura do encontro promovido pela Scholas Ocurrentes, em Roma em 2018. Se formou educador popular a partir da periferia de São Paulo e é integrante da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara (ABEFC). Organizador do livro Realmar a economia (Paulus, 2023).
Desde o início do seu pontificado o papa Francisco não tem economizado críticas ao modelo econômico e seu grande empreendimento depois de anos mobilizando questões sobre esse modelo predatório, foi a criação do projeto Economia de Francisco que no Brasil criativamente acrescentaram Clara a criação do movimento. Francisco formula três grandes discursos, em 2020, 2021 e 2022, em todos é possível ver que o que inspira ele nesse projeto é a prioridade de uma radical mudança na vida dos empobrecidos no mundo e a construção de uma ampla frente de cultura do encontro. E, que as juventudes assumam esse chamado a partir do questionamento, da criação, da formulação, da abertura. Mas como construir uma ampla frente brasileira de pessoas que desejam debater economia para além dos moldes tradicionais impostos pelo mercado? A Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara criou a Escola de Articuladoras (es) da Economia de Francisco e Clara, com o objetivo de construir através da pedagogia do encontro - pensando, sentindo e agindo, com as comunidades novas formas de bem viver.
No contexto brasileiro, a chegada de um governo democrático acende luzes sobre problemas imprescindíveis que foram escondidos em meio aos escombros dos desmontes sociais, econômicos e políticos dos últimos anos, favorecido por duas energias contrarrevolucionárias da sociedade atual, o neoliberalismo e o fascismo. Com o governo Lula tem se notado o empenho em desmobilizar a estrutura política do fascismo instaurado nas malhas da sociedade, mas este governo, enquanto segue o projeto da retomada democrática, sofre com a espada neoliberal em sua veia jugular, ora pelos interesses do Congresso Nacional, ora pelo mercado financeiro protagonizado pelo Banco Central. Na contramão de um debate democrático o jornalismo econômico insiste em não abrir discussão sobre alternativas econômicas, contribuindo com uma enorme disseminação de ideias como “rombo das contas públicas” ou “sem ajuste fiscal, a hiperinflação pode voltar”, que apesar de totalmente falsas na perspectiva técnica, constroem imaginários da ciência econômica somente como uma gestão da escassez e não como partilha dos bens comuns.
Diante desta encruzilhada, o povo brasileiro está sob uma desafiante escolha. E, como afirma o Papa Francisco, escutar os poetas sociais, que são os movimentos populares em sua vontade de convergir inúmeras frentes, articulações e lutas que tenham como centro o resgate da vida por meio de uma transição socioecológica construindo um amplo movimento pluralista de educadores e educadoras de novas relações econômicas. Não se trata apenas de educar a razão científica econômica produzida no século passado e esperar que as pessoas tomem consciência da exploração vivida e praticada contra todos os seres vivos, mas reivindicar uma nova relacionalidade econômica, ampliando o cânone econômico para além das perspectivas monetocráticas e financeiras.
Para isso, é preciso método. Maneiras de comunicar a conversão que os movimentos populares provocam dentro da história (Fratelii Tutti 116) e com eles iniciar a mudança de caminhos. Uma decisão política que supere o velho e o novo paradigma de governança, que tem estabelecido durante este século, e quem tem o poder de controlar, o poder de desenvolver, o poder de libertar, o poder de empobrecer, endividar, alienar.
Diante da crise gerada pela pandemia e do aprofundamento do capitalismo, o papa Francisco insiste: “[…] não levantem os punhos para brigar com a cultura, tampouco abaixem os braços em total passividade”, mas “saiam às ruas para escutar os corações” (SAYAGO, 2019, p. 17). Retomar os sentidos diante da globalização neoliberal, buscar uma evangelização da sensibilidade, é tarefa primeira para recompor um corpo místico que seja, no concreto da vida das pessoas, respiro para a retomada de uma Igreja pobre e para os pobres. Desse modo, o desafio educativo reside no compreender nosso corpo diante dos corpos coletivos e suas ausências. O neoliberalismo provocou uma desterritorialização, e isso se sente no fato de as pessoas já não pertencerem às lutas populares, às pastorais, às associações de moradores.
Devolver aos brasileiros e brasileiras o dever da esperança é a disposição que tem se proposto a Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara. Recentemente tendo lançado o livro Realmar a economia (Paulus, 2023), reflete como articular o chamado do papa Francisco de um novo pacto econômico. E, agora lança a Escola de Articuladoras e Articuladores da Economia de Francisco e Clara com inscrições abertas até o dia 3 de julho. Um espaço criado para ampliar o chamado do papa a todo o povo que tem noção da urgência do tempo histórico e a necessidade de uma ação coordenada na atuação nos territórios.
Os objetivos são os seguintes:
1) Educar as pessoas interessadas na práxis da Economia de Francisco e Clara para se tornarem multiplicadoras da construção no Brasil do chamado do Papa Francisco.
2) Partilhar as experiências de novas economias iniciadas a partir da Articulação Brasileira pela Economia de Francisco e Clara.
3) Mobilizar articuladoras(es) para a realização de ações territoriais voltadas para a Economia de Francisco e Clara.
Serão ofertadas aulas sobre o ‘Colapso econômico: financeirização e os super ricos’, ‘Crise Ecológica: neoextrativismo e agronegócio’, ‘O bem viver para a construção de práticas econômicas alternativas’, ‘práticas de economia de Francisco e Clara: Finanças Solidárias’, ‘Organização popular para novas economias’ e ‘incidência para novas economias’. Temas que emergem ação-política e que contarão com importantes expositores como o economista Marcio Pochmann, a educadora Wanda Witoto, o ativista João Pedro Stédile, a educadora especialista em desenvolvimento regional Sirlei Gaspareto e os articuladores da Economia de Francisco e Clara, a sanitarista Marcia Molina, o educador Pe. Vilson Groh, o economista Vitor Tonin, a advogada Gabriela Consolaro e o jornalista Peterson Prates.
Essas formações não se encerram nesse espaço formativo. Mas pelo reconhecimento de que educar é parte constitutiva da partilha e da mobilização os participantes serão convocados a articular os territórios que atuam e/ou vivem. Tateando maneiras de pensar, sentir e fazer coletivamente. As comunidades tem profundos desafios, como por exemplo a experiência ecumênica, o aquilombamento com as comunidades negras e periféricas, a escuta dos povos originários, mas, sobretudo o desejo de na convivência não negar a conflitividade que o capitalismo impõe aos povos, mas denunciá-las e promover espaços de conversão de práticas de resistências por novos arranjos socioeconômicos. Pela solidariedade atravessada por uma espiritualidade que bebe dos vasos constituintes dos territórios (memória eucarística e compromisso).
O sociólogo Tiaraju Pablo D’Andrea (2021) afirma que a periferia é espaço das políticas do descontínuo, do incompleto e do improviso; é um território-outro do pensamento hegemônico e, antes da consciência ou da identidade, é uma condição, pois realiza uma responsabilidade compartilhada. As periferias são potências econômicas, e é nelas que o neoliberalismo 4.0 quer investir, com o empreendedorismo e a meritocracia. É necessário um movimento em favor da solidariedade política que já não permita a ação do neoliberalismo contra nosso povo. Reconhecer a história das periferias, que tem familiaridade com a gratuidade e a coletividade, pode dar vida a novas economias, como o movimento social de economias solidárias, redes de bancos comunitários, economia ecológica, redes de orçamento participativo etc., criando novas tessituras de finanças. As finanças solidárias imprimem uma dinâmica capaz de libertar do império da financeirização do mercado.
A pedagogia econômica traz essa dimensão do amor civil como ferramenta revolucionária. É uma política de afeto que irrompe no dia a dia pela presença a partir do engajamento e do envolvimento. Retoma os sentidos perdidos em meio à tempestade neoliberal e provoca o sentido maior: o encontro com Deus no empobrecido e na terra. Afinal, estes três lugares – Deus, a terra e o pobre – suscitam a germinação de novas relações, de novas economias, de outra lógica de poder, numa verdadeira autoafirmação da identidade. O realmar a economia educa para o encontro com a diversidade, fomenta a partilha da economia e do poder, alarga a vida como encontro transformador com o sagrado pela dignidade da terra e dos irmãos e irmãs.
O que está em risco é a vida de milhões de pessoas. Por conseguinte, é urgente mobilizar e articular as forças sociais, conjugando-as para uma ação pedagógica de forjar um projeto popular. A inspiração econômica de Francisco, Clara e seus companheiros envolvem uma profunda sensibilidade, percepção, cuidado e a força de crer. Ser sensível ao outro é um ato revolucionário em um mundo insensibilizado, violento e deprimido, e a sensibilidade é um caminho honesto para o Brasil real das periferias, pois nutre a hospitalidade, a fraternidade, a amabilidade e o cuidado como práxis da vida cotidiana. Por isso, mobilizar um mutirão de pedagogias econômicas constituído por nova forma de envolver as pessoas, por novos espaços de compartilhamento da justiça e da solidariedade, à luz da chave do sentir-pensar, que conecta o saber dos camponeses ao saber dos periféricos, os sempre considerados atrasados. É urgente compreender esse momento histórico fazendo novos pactos sociais, econômicos e educativos, como pegada humanista de novos processos civilizatórios possíveis.
Lembremos do Papa Francisco em Assis, por ocasião do encontro da Economia de Francisco na cidade de Assis em 2022: A realidade é sempre superior à ideia: prestai atenção a isto!
Vamos à Escola?
Link para inscrição: Escola de Articuladoras (es) da Economia de Francisco e Clara
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Economia de Francisco e Clara: construindo pedagogias econômicas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU