21 Junho 2023
O artigo é de José Manuel Vidal, publicado por Religión Digital, 21-06-2023.
Revolução promovida a partir de baixo, do santo povo de Deus e incentivada pela liderança papal. Assim se apresenta o Sínodo. Um fenômeno, por si só, sem precedentes na história. Francisco quer que a Igreja passe, de uma vez por todas, da pirâmide ao poliedro e, assim, quebre a espinha dorsal do clericalismo e que floresça uma Igreja samaritana, extrovertida e, sobretudo, sinodal. De todos e para todos.
Uma verdadeira revolução primaveril, aquela sugerida pelo Instrumentum Laboris do Sínodo, que, por enquanto, não passam de propostas para debate. Mas já se começa a ouvir o "choro e ranger de dentes" dos rigoristas, que sem dúvida aumentará. Mas ninguém pode impedir a primavera, especialmente se ela vier nas asas do Espírito.
Será o grande legado de Francisco ao mundo e à Igreja. Seu concílio sem concílio. Ou o prelúdio do Concílio Vaticano III. Se a sua saúde lhe permitir (se Deus quiser) chegar a 2025, terá conseguido lançar um processo sinodal imparável que mudará o rosto da Igreja, adaptando-o ao Evangelho e tornando-o significativo para os homens de hoje e poder continuar dando sentido às suas vidas.
Porque, a meu ver, o fundamental do Instrumentum laboris não é tanto (mas também) a abordagem das questões polêmicas, como o celibato facultativo ou o diaconato feminino, mas sim a mudança do modelo eclesial. Ou melhor, a volta ao modelo circular do Vaticano II, desativado durante o reinado da involução de João Paulo II e Bento XVI.
Se o Sínodo aprovar o roteiro deste documento (e provavelmente o fará), ele irá virar de cabeça para baixo a estrutura tradicional de tomada de decisões na Igreja, que será baseada mais no povo de Deus do que na hierarquia. A classe tropa, que prega o "Caminho" do Opus Dei, desaparece e o batismo dignifica igualmente todos os crentes. Sem casta, sem classes.
Haverá resistência amarga. O próprio documento reconhece que durante e após as assembleias sinodais de outubro de 2023 e 2024 haverá, sem dúvida, tensões. Não é em vão que se trata de acabar com a hierarquia de poder na Igreja, para convertê-la em uma verdadeira hierarquia de serviço. Que acabem os bispos donos e senhores, para que saibam caminhar com o povo: umas vezes atrás, outras, no meio e outras, na frente.
Por isso, o documento pede uma revisão do papel dos bispos na direção de suas dioceses, para que não caiam na anarquia ou ditadura vigente quanto à sua forma de administrar as dioceses. Além disso, devemos rever os critérios de seleção episcopal, pensar em perfis mais sociáveis e sociais, servidores, pastorais e dedicados, bem como habituá-los à transparência e prestação de contas aos fiéis.
Outro tipo de bispo, que deve ser formado, como diz o documento, a partir do seminário em serviço e na sinodalidade. Para que os padres deixem de se julgar os escolhidos e se tornem, de uma vez por todas, servidores da comunidade.
Trata-se de deixar de olhar para o próprio umbigo e de ser continuamente autorreferencial, para colocar no centro da comunidade os (realmente) pobres, os imigrantes e, em geral, todos os que são lançados na vala da vida e da história.
E, para isso, as paróquias têm de se reconverter e passar de meros pontos de distribuição de sacramentos a casas comuns de acolhimento, misericórdia e amor, onde cabem todos, incluindo, claro, os gays, os divorciados recasados ou as vítimas de abusos sexuais clericais.
Uma mudança radical, que implica que os párocos deixem de ser os únicos funcionários do sagrado, para se tornarem servidores da vila ou do bairro. E, portanto, a abertura dos ministérios aos leigos.
Diante dessa mudança fundamental e estrutural, já parece que as demandas históricas do povo ao Sínodo ficam aquém, mas muitas delas são as que materializam a revolução sinodal.
Do diaconato feminino à ordenação de homens casados, passando pelo celibato facultativo ou pelo acolhimento dos divorciados recasados ou da comunidade LGTBI.
Se a tudo isto somarmos a revisão da moral sexual e, além disso, que as mudanças adotadas sejam assumidas e se reflitam no Direito Canônico, estamos falando de outra Igreja. Uma Igreja que, depois de tantos anos enfrentando o mundo, se aproxima dele, para amá-lo e oferecer-lhe o Evangelho. Sem imposições, sem proselitismo e com muito testemunho de fraternidade. Voltamos à Igreja primitiva. Voltamos ao Evangelho do Reino. Embora o Sínodo seja apenas um primeiro passo. Mas um passo fundamental, que marca o caminho da primavera.
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Instrumento de Trabalho do Sínodo tem cheiro de uma revolução primaveril nas asas do Espírito - Instituto Humanitas Unisinos - IHU