19 Abril 2023
Chegou a hora de a orgia da frivolidade, que celebra os mitos do consumismo exasperado e do hedonismo desenfreado, ser contraposta por escolhas fundamentadas na verdade e no primado dos valores, dos quais ninguém tem o direito de se isentar.
A opinião é de Domenico Marrone, teólogo e padre italiano, professor no Instituto Superior de Ciências Religiosas de Bari, na Itália, em artigo publicado por Settimana News, 15-04-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Leia o segundo artigo da série "As tentações do ministério" aqui.
O tema da repulsa às vaidades se inscreve ab antiquo na tradição cristã. Ao longo dos séculos, foram sendo especificados os modos e as razões do convite à moderação, e razões novas de outra ordem foram sendo acrescentadas aos valores morais e às indicações penitenciais.
Quanto mais se difundia o gosto pelos ornamentos e aumentavam as possibilidades de se dispor de vestes e de objetos preciosos, mais recorrente, mais perspícua e cada vez menos abstrata se tornava a discussão sobre o tema da luta contra as vaidades pelos pregadores.
“A vaidade é como uma osteoporose da alma: os ossos parecem bons por fora, mas por dentro estão todos arruinados” (Papa Francisco).
A vaidade pode ser entendida de dois modos diferentes. Acima de tudo, indica o caráter efêmero de tudo o que existe: tudo passa, tudo acaba. É um tema clássico na literatura espiritual e uma passagem obrigatória para cada passo adiante no caminho da sabedoria.
A esse propósito, são sempre atuais as reflexões do livro do Eclesiastes, verdadeira joia da literatura de todos os tempos: “Vaidade das vaidades, diz Coélet, vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Que proveito tira o homem de todo o seu trabalho com que se afadiga debaixo do sol? Uma geração passa e uma geração vem, mas a terra sempre permanece. (...) O que foi é o que será, e o que se fez é o que se tornará a fazer; nada há de novo debaixo do sol” (Ec 1,2-4.9).
Por vaidade, entende-se ainda o desejo fútil de se distinguir dos outros e de ser notado. Esse vício contrasta com a virtude da modéstia e da humildade.
Pode-se sorrir diante disso e julgá-lo sem importância. Mas os mestres espirituais são bastante severos em relação à vaidade. São Vicente de Paulo dizia aos presbíteros: “É isso que vocês procuram? Sobem na cátedra não mais para pregar a Deus, mas para falar de vocês mesmos e para se servirem (coisa seriíssima!) de algo tão santo como a palavra de Deus para alimentar e aumentar a vaidade de vocês!”.
A vaidade é essencialmente exibicionismo, mas também narcisismo, enquanto apenas uma parte insignificante se manifesta como fatuidade. O exibicionismo, além disso, não parece tão diferente de uma forma vaidosa do acalentado “desejo de reconhecimento”, de querer ser “criado” pelo olhar dos outros, aqueles mesmos outros que o velho Sartre considerava o inferno.
Os outros: inferno e paraíso, imagem móvel do campo de batalha que é a vida. Os outros, cujos olhares são terríveis, mas, ao mesmo tempo, sublime sal da vida, e seu reconhecimento é o motor inesgotável dos nossos esforços. E essa relação tão tremendamente dinâmica com os outros é o que nos impulsiona, “em vez de nos afogarmos em demasiados vícios como talvez fosse justo (...), a embarcar na nossa fatigante viagem na vaidade” que se alimenta, por sua vez, precisamente da sublimação das nossas pulsões.
Embora as fronteiras entre os dois sejam tênues, o exibicionismo se dirige principalmente para o exterior, enquanto o narcisismo é particularmente autorreferido (“na verdade, o mundo está cheio de atores que recitam na frente do espelho em seu quarto”).
Em suma, nada recomendável ou sugerível. E é inquietante associar coisas desse tipo à Igreja. Como os homens são terrenos, mesmo os da Igreja! Isso não é surpreendente, já que a Igreja, com seus organogramas e hierarquias, tem muito a ver justamente com o homem tanto quanto com Deus.
Não deveria ser surpreendente, mas, quando se sente o ímpeto da vaidade se apoderando de homens cuja única tarefa deveria ser a de cuidar das almas, por sua escolha, um certo aborrecimento abre caminho, seja ele observante, praticante, crente ou qualquer outra coisa.
Ostentam-se ainda vestes suntuosas e ornamentos com toda a pompa de ouros, pedras preciosas e pratas, além de preciosíssimos bordados, tecidos de seda, cetins reluzentes, rendas preciosas e damascos.
O sacramento, todo sacramento, não pode evitar a lacuna, e a lacuna sempre considerável, entre o signum (o significante) e a res (o significado). Mas aqui teríamos até um signum que contradiz e subverte a res: como a Igreja vaidosa poderia se conectar e o que poderia transmitir sobre Jesus, o “filho do carpinteiro”?
Mas a Igreja é vaidosa? Paul Winninger, no fim dos anos 1960, coletou um vasto material e o resumiu em um pequeno volume: “La vanità nella Chiesa” [A vaidade na Igreja” (Ed. Cittadella, 1969) [1]. Vaidade na Igreja, e não da Igreja. Com razão, porque nem todos na Igreja cultivam rendas, ornamentos e títulos honoríficos.
Mas também com benevolência, porque as rendas, os ornamentos e os títulos honoríficos em questão diziam (e dizem) respeito àqueles que, pelo menos na acepção pré-conciliar atual, em vez de constituírem uma parte da Igreja, identificavam toda a Igreja como o papa, os bispos, o clero.
No entanto, o Código de Direito Canônico recomenda que “os clérigos cultivem a simplicidade de vida e abstenham-se de tudo o que possa ter sabor de vaidade” (cân. 282 §1).
No entanto, a vaidade na (ou da) Igreja foi superada ou ainda existe? A vaidade ainda tem lugar na Igreja, e um lugar não por fraquezas pessoais, mas – e a diferença não é insignificante – por concessões institucionais [2].
São João Crisóstomo, e precisamente em seu “Tratado sobre o sacerdócio” (III,9), afirma que “a sede das honras é uma das paixões que mais corrompe a alma humana”.
Não por acaso, Jesus de Nazaré havia posto em prática um verdadeiro concentrado de anticorpos, inventando até a vaidade invertida: quem quer ser o primeiro deve ser o último... E esse sistema imunitário parece ter funcionado – não importam aqui as humaníssimas concessões episódicas e individuais – no cristianismo marginalizado, perseguido, fora do círculo de quem importa.
Mas perdeu força assim que o cristianismo foi acolhido e inserido nas fileiras do sistema de comando. Porque, associada ao poder, a vaidade não é mais vaidade, mas graus, uniformes, assentos, títulos devidos. Porque toda honra concedida aos cristãos pareceu ser uma honra ao cristianismo, um momento de triunfo da fé. E também porque surgiram cargos substitutos para os eclesiásticos e tornou-se fácil associar as honras ao papel (leigo) e não à pessoa (eclesiástica).
O fato é que grande parte da vaidade se introduziu na Igreja por derivação de costumes sociopolíticos, seja inicialmente do império, seja posteriormente de outros sistemas dominantes (é vasta a herança feudal). Vaidade tomada de empréstimo. Que, porém, tornou-se vaidade defendida e até aumentada por conta própria.
Há um fato curioso que diz respeito justamente ao título de “excelência” concedido aos bispos. Ele foi conferido aos bispos italianos por um decreto da Congregação do Cerimonial [3] em 31 de dezembro de 1930 e imediatamente adotado pelos bispos de todo o mundo, em resposta a Mussolini que havia concedido a “excelência” aos prefeitos italianos [4]. No entanto, não foi cancelado para os bispos quando foi cancelado na Itália, por disposição primeiro de Gronchi e depois de Segni [ex-presidentes italianos], tanto para os prefeitos quanto para o próprio presidente da República [5].
Afinal, títulos não faltam: há um para cada grau hierárquico. Vaidade conservada. Porque é vaidade teologizada, de alguma forma sacralizada. Não é por acaso que a maior concentração e a fonte de todos os títulos, insígnias, paramentos e distinções eclesiásticos se situa na liturgia, na qual tudo o que exalta as pessoas passa como esplendor do culto, como honra prestada a Deus e também – o outro lado da moeda – como epifania, sinal e manifestação da grandiosidade e potência divinas.
E isso é suficiente para tirar da vaidade a marca do vício e promovê-la, senão como virtude, pelo menos como valor. Até mesmo rendas, fitas, capas, cores, ouros e pedras preciosas deixam de ser frivolidades e se tornam coisas sagradas. Dentro, mas também fora do templo.
Para dizer a verdade, houve alguns sinais de mudança nas últimas décadas. Pio XII havia cortado alguns metros das capas dos cardeais, e, depois do Vaticano II, outras medidas seguiram na linha de uma maior sobriedade e – é preciso dizer – de mais bom gosto.
Quando olhamos para as fotografias do nosso passado recente, a primeira coisa que salta aos olhos e que nos dá a medida de “como éramos” e das mudanças que foram verdadeiramente “epocais” são justamente os elementos do figurino que marcam a diferença: o comprimento das vestes, os penteados, os modelos de sapatos.
Não sei se é uma banalidade. Não acredito e chamo como testemunha aquilo que ocorreu poucos dias antes do encerramento do Concílio Vaticano II, em 16 de novembro de 1965. O fato é conhecido: cerca de 40 Padres conciliares se reuniram nas catacumbas de Domitila para proclamar e assinar o Pacto das Catacumbas, que depois também seria assinado por algumas centenas de outros bispos.
Deixemos de lado tudo o que se pode dizer a partir de muitos pontos de vista sobre esse momento de colegialidade eclesial e seus significados reais e simbólicos, além do fato de que, em 2019, ao término do Sínodo sobre a Amazônia, 150 bispos quiseram renovar, no mesmo lugar, essas mesmas promessas. Limito-me, porém, a observar algo que, a meu ver, tem uma dimensão verdadeiramente “epocal”.
Os dois primeiros artigos desse documento, que para alguns Padres conciliares traduziam imediatamente na prática aquilo que foi vivido e decidido no Concílio, dizem assim:
“Procuraremos viver segundo o modo ordinário da nossa população, no que concerne à habitação, à alimentação, aos meios de locomoção e a tudo o que se segue (cf. Mt 5,3; 6,33; 8,20). Para sempre renunciaremos à aparência e à realidade da riqueza, especialmente no traje (fazendas ricas, cores berrantes), nas insígnias de matéria preciosa (devem esses signos ser, com efeito, evangélicos) (Mc 6,9; Mt 10,9s; At 3,6.). Nem ouro nem prata.”
Os trajes, portanto, os tecidos, as cores: nada folclórico. Mas seria tolice limitar isso a um impulso pauperístico. Mesmo quando passam pelas telas das nossas televisões, as imagens dos “trajes de cena” clericais confirmam a percepção de uma distância cada vez mais intransponível, bem distante da determinação de viver “como a nossa população vive ordinariamente” [6].
Em ambientes com alto índice de hipocrisia funcional, como os eclesiásticos, é urgente se interrogar a fundo sobre a eclesiologia da qual as “divisas eclesiásticas” são uma atestação inequívoca. Acredito que, se o Papa Francisco, talvez com um motu proprio, decretasse terminada totalmente a era das batinas e dos botões vermelhos, das capas e dos pileoli (solidéus), ele daria um golpe de aceleração naquela reforma sistêmica da Igreja tão necessária, da qual tanto se fala e que, ao contrário, custa a trilhar os caminhos do possível.
Naturalmente, incumbe a advertência de Jesus quando ironizava os observantes exteriores que “alargam suas faixas e alongam suas franjas”, ou seja, os tefilin e os talit, componentes do culto judaico (Mt 23,5). De fato, o risco que o escritor inglês William Hazlitt apontará em seu ensaio “On the Clerical Character” (1818) permanece: “Aqueles que fazem do vestuário uma parte principal de si mesmos acabam, em geral, por não valer mais do que sua veste” [7].
Enquanto isso, registraram-se mudanças também nas escolhas e nos comportamentos de alguns eclesiásticos. Especialmente no vestuário extralitúrgico. Até nos títulos: vários bispos pedem para ser chamados de “padre”, talvez não se defrontando adequadamente, além de Freud [em relação à figura do “pai”], com claras advertências evangélicas (Mt 23,8-10).
Algo está mudando: a Igreja está se tornando menos vaidosa. E não é uma conversão de pouca importância. Pode diminuir os riscos tanto de servilismos quanto de autoritarismos. Palavra ainda de São João Crisóstomo (op.cit., VI,3): “As honras que ordinariamente são dadas aos padres são ocasião de uma infinidade de males. Eles se expõem aos assaltos de duas paixões contrárias, a adulação servil ou a arrogância tola. Abaixam-se até o chão diante dos grandes para obter favores, depois, enfatuados com o que obtiveram, endurecem-se contra os pequenos, a quem oprimem com seu desdém, e assim caem no abismo do orgulho”.
A vaidade clerical realmente nunca tem fim. Por um lado, aqueles que tendem a tornar a liturgia um show para se mostrarem; por outro, a moda das selfies que já contagiaram também o clero, razão pela qual a todo momento, como pequenos adolescentes, alguns enviam imagens em que sempre eles estão no centro.
Vai-se difundindo cada vez mais a atitude a preferir a vanitas à veritas, a vaidade à verdade [8]. As duas lógicas se opõem: a vaidade dá o primado à aparência, àquela máscara tranquilizadora, que encobre interesses egoístas e perspectivas de curto alcance, por trás de proclamações altissonantes, medindo tudo pelo gosto da maioria. A verdade, ao invés disso, fundamenta as escolhas nos valores permanentes, na dignidade de cada pessoa humana diante de seu destino temporal e eterno.
Chegou a hora de a orgia da frivolidade, que celebra os mitos do consumismo exasperado e do hedonismo desenfreado, ser contraposta por escolhas fundamentadas na verdade e no primado dos valores, dos quais ninguém tem o direito de se isentar.
“Ó reprováveis homens carnais – admoestou São Pedro Damião –, por que desejam com tão ambicioso ardor o alto cargo eclesiástico? Por que com tanto desejo tentam enredar o povo de Deus com os laços de sua própria perdição?” Ou ainda Santa Catarina de Siena: “Inchados de soberba, são devoradores das almas resgatadas pelo sangue de Cristo”.
Não esqueçamos que, no nível dos modelos culturais e dos recursos espirituais, a vanitas triunfa onde se privilegia o efêmero sobre aquilo que não é. O que parece urgente é preferir, em vez da lógica míope da vanitas, a lógica da sobriedade, da partilha e do serviço, único horizonte de sentido e de esperança para o futuro do cristianismo, do ministério e da Igreja, para não ir ao encontro de um irrefreável destino de dissolução no nosso Ocidente.
1. Cf. WINNINGER, P. La vanità nella chiesa. Assis: Cittadella, 1969.
2. E os exemplos continuam abundantes, muitas vezes curiosos, mais de uma vez francamente ridículos: veja-se, em particular, pp. 30-34 de Winninger: diversão garantida!
3. A Sagrada Congregação do Cerimonial (Sacra congregatio cæremonialis) era uma congregação cardinalícia que se ocupava na Cúria do protocolo das várias cerimônias que envolviam o pontífice e os cardeais na corte pontifícia. Foi suprimida pelo Papa Paulo VI em 29 de junho de 1967.
4. Cf. WINNINGER, P. La vanità nella chiesa. Assis: Cittadella, 1969, pp. 26-27.
5. O título de “excelência” foi abolido pelo decreto legislativo 406 de 28 de junho de 1945.
6. Cf. PERRONI, M. Diga-me como se veste..., traduzido pelo IHU, 21-07-2021.
7. HAZLITT, W., On the Clerical Character, 1818.
8. Cf. FORTE, B. L’Italia a un bivio tra verità e vanità, in “Il Sole 24 Ore”, 11-03-2012.
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As tentações do ministério [1]: a vaidade. Artigo de Domenico Marrone - Instituto Humanitas Unisinos - IHU