04 Abril 2023
"Se há, portanto, um âmbito em que o trabalho dos especialistas de bastidores é incerto e inútil, é de fato aquele do futuro conclave e as banalidades lidas nestes dois dias também o confirmam".
O comentário é do historiador italiano Alberto Melloni, professor da Universidade de Modena-Reggio Emilia e diretor da Fundação de Ciências Religiosas João XXIII, de Bolonha. O artigo foi publicado por La Repubblica, 03-04-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Como desejava o Papa Francisco, ele voltou para casa em Santa Marta e participará da Semana Santa. O fantasma de 2005, quando João Paulo II em fim de vida não pôde presidir os ritos pascais e deu uma bênção trágica e muda da janela, desapareceu. A opinião pública acolheu com alívio a notícia, mas nada soube sobre a doença da qual Francisco se recuperou: na falta de boletim médico, informações e desinformações, sugeriam as mais variadas hipóteses, um exame de rotina, uma fibrilação atrial, uma pneumonia de rua, uma bronquite viral e, no final das elucubrações, o Papa que se recusou a ter uma corte, foi protegido pelo sigilo como um soberano.
De sua parte, porém, Francisco não se esquivou do dever cristão de consolar dos pais que perderam uma filha de cinco anos durante a noite e de visitar as crianças no setor de oncologia, onde até Deus duvida de sua bondade e fica com os médicos. A direção do hospital da Universidade Católica cumprimentou o Papa na saída da policlínica Gemelli, assim como Monsenhor Giuliodori, que teve o privilégio inédito de ser assistente eclesiástico de Francisco tanto da Universidade do Sagrado Coração quanto da Ação Católica. O carinho dos fiéis de Roma acolheu o Papa no Vaticano: mas também um batismo celebrado às pressas em prol das câmeras de televisão, para não se perguntar por que querer dar um sentido de normalidade tão cedo e a confirmação da difícil viagem para Hungria, lugar que por anos esperava o encontro entre o bispo de Roma e o patriarca de Moscou, que aconteceu em uma modesta sala do aeroporto de Cuba.
Enquanto isso, apareceu nos jornais a 376ª versão do breve romance ‘a conspiração dos Cardeais' (o próprio Papa havia brincado sobre isso alguns anos atrás). Artigos que pintam um colégio sempre fragmentado e hoje altamente fragmentado, felizmente pronto para seu dever e povoado por almas negras: esquecendo que Francisco escolheu cerca de 80 desses cardeais e que entre os quarenta e poucos escolhidos por seus predecessores estão também aqueles que votaram nele.
Se há, portanto, um âmbito em que o trabalho dos especialistas de bastidores é incerto e inútil, é de fato aquele do futuro conclave e as banalidades lidas nestes dois dias também o confirmam. Em primeiro lugar porque o conclave decide com uma maioria dos 2/3, o que é inimaginável para quem vive dentro de dinâmicas democráticas: proporcionalmente, para fazer um paralelo, Giorgia Meloni teve 7 milhões de votos em 47 milhões de eleitores, enquanto Bergoglio teve 66% de um plenário que não pode desertar da urna da Capela Sistina. E depois porque os pequenos esquemas (bergoglianos-anti-bergoglianos-indecisos ou europeus-não europeus) nunca funcionarão. De fato, cada cardeal sério é bergogliano (como não admirar sua clareza evangélica e como não prestar ao Vigário de Cristo a obediência que lhe é devida?). E é ao mesmo tempo anti-bergogliano (como não ver que a verticalidade de seu governo não pode ser um modelo?) e indeciso (porque no conclave não se vota em uma bandeira, mas em uma pessoa que terá méritos e limitações diferentes de seus antecessores e sucessores).
Assim, enquanto a opinião pública rezava ou especulava sobre um futuro que está nas mãos de Deus e do Papa, a lenta máquina da instituição movia-se e fazia saber que o celebrante dos ritos de Ramos e da Páscoa seria o vice-reitor e o decano do colégio cardinalício: isto é, os vértices da entidade que, quando a sede de Roma se torna vacante, cuidam da Igreja e do conclave, sem sobressaltos, sem fantasias, mas de acordo com regras elaboradas e revisadas para assegurar uma transição ordenada. O que, como diziam os piores embaixadores junto à Santa Sé, “não é iminente, mas certa”.
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As tensões na Igreja. Retorno em tempo recorde para silenciar as ilações. Artigo de Alberto Melloni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU