29 Abril 2023
A história da correspondência, que permaneceu secreta (por pedido do jesuíta), entre o teólogo Karl Rahner e sua amiga a escritora Luise Rinser.
Prefácio do livro de Luise Rinser: Sul filo del rasoio. Lettere di amicizia a Karl Rahner 1962-1984 (No fio da navalha. Cartas de amizade para Karl Rahner 1962-1984, em tradução livre). Na Opera omnia do teólogo jesuíta K. Rahner, foram excluídas as cartas
Gratwanderung: Briefe der Freundschaft an Karl Rahner 1962-1984, de Luise Rinser (Foto: divulgação)
A reportagem é de Emanuela Provera, publicada por Il sismógrafo, 29-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Karl Rahner [1] sem dúvida um dos maiores teólogos do século XX, padre jesuíta, teve um relacionamento com uma mulher, escritora, que durou 20 anos, até sua morte em 1984. Ninguém conhece a história de forma mais aprofundada, exceto a ordem dos jesuítas, a Companhia de Jesus.
Publicar a tradução em italiano do prefácio do livro de Luise Rinser Gratwanderung: Briefe der Freundschaft an Karl Rahner 1962-1984 apresenta a relação entre os dois; a seguir irei detalhar as motivações.
A figura de Karl Rahner, imponente no meio acadêmico alemão e internacional, inclusive italiano, dispensa apresentações. Protagonista do Concílio Vaticano II e da chamada virada antropológica, Rahner provocou uma reviravolta no pensamento teológico, herdado da neoescolástica, identificando na relação uma mudança de perspectiva também no modo de viver e entender o cristianismo: o ser humano, fonte da única experiência que temos, é posto no centro de toda teologia. Tanto que aqueles que o criticam acreditam, erroneamente, que Rahner tenha atribuído ao homem o lugar que pertence a Deus.
Em 2018 foi concluída uma grande obra editorial: a publicação das Obras Completas [2] do teólogo alemão em 32 volumes (com um total de 27.200 páginas). Definida por Karl Lehmann como uma "montanha gigantesca", contém todas as obras de Rahner publicadas de 1904 a 1984. Andreas R. Batlogg, um dos curadores, especifica sua finalidade: "Poder-se-á notar, por exemplo, o quanto o pensamento de Rahner estivesse fundado biblicamente. Aflorará com que competência o teólogo alemão haurisse da tradição, que não se limitava a utilizar, mas elaborava de maneira criativa. E se poderá ver o quanto Rahner fosse especialista em belas cartas, assim como em literatura moderna”.
Mas nenhum dos 32 volumes contém o epistolário entre o teólogo e Luise Rinser, composto por centenas de cartas, como ela mesma declarou: “Tenho todas as suas cartas, cerca de 1800, e parte daquelas que lhe enviei”. Em 2016, uma importante editora alemã, Fischer, publica as suas cartas para Rahner [3], revelando assim pela primeira vez como a relação de amizade entre os dois também tivesse assumido uma dimensão afetiva inequívoca ao longo dos anos.
Como Rahner vivenciou o conflito entre as razões do logos e o espaço do coração?
No seu texto dedicado precisamente ao tema do celibato, define-o como um "tremendo enigma", escrevendo sem hesitações que "o celibato é uma ferida". As cartas do epistolário escritas pelo teólogo e endereçadas a Rinser, deveriam pertencer a ela de forma exclusiva, mas existe uma razão de tipo jurídico que, até à data, impede a sua publicação, uma vez que a Companhia de Jesus nunca apreciou a sua divulgação: talvez devido à "proteção" de uma figura mítica da teologia do século XX, de um diamante da ordem religiosa fundada por Santo Inácio? E, no entanto, conhecer a verdade de sua vida, revelando uma dimensão íntima como aquela afetiva vivida talvez à margem ou fora dos limites impostos pelo celibato, credenciaria aquela parcela de padres e fiéis contrários ao celibato obrigatório, e que o consideram, inclusive, causa de duplo comportamento e enormes sofrimentos pessoais. Uma prescrição de ordem eclesiástica que nada tem a ver com a Revelação.
Surgem, portanto, duas questões de natureza ética e científica. Quando se leem os capítulos que estruturam a Opera omnia de Rahner [4] é legítimo se perguntar por que a correspondência entre ele e Rinser não possa legitimamente ser incluída neles. Especialmente porque Rinser o declara explicitamente, quando no prefácio escreve que as cartas continham "... pensamentos e sentimentos, importantes para a compreensão de sua pessoa e também de sua teologia", referindo-se a Rahner. Portanto, se - na Itália e no mundo - não podemos conhecer o conteúdo de todas as cartas ou pelo menos de algumas daquelas escritas pelo teólogo (selecionando e cuidando para não conferir um viés sensacionalista), creio que se possa configurar uma operação de censura.
Uma vez apurado o conteúdo "também teológico" da troca epistolar com Rinser, não seria um problema encontrar uma colocação na atual estruturação dos volumes da Opera omnia de Rahner: se fosse possível, faria sentido colocar as cartas no vol. 20 (Existência sacerdotal), mas – provocativamente, admito – também no vol. 15 (Responsabilidade da teologia) ou no 15 (Renovação Eclesial) ou no 18 (Corporeidade da graça) ou no 23 (Fé na vida de todos os dias). Para além das provocações, mesmo no caso de autores contemporâneos, é normal que, fechado o plano da obra, surjam novos escritos até então desconhecidos; nesses casos, um volume separado de "Apêndices" costuma ser dedicado a eles.
Urge, portanto, que os curadores das Obras Completas, que certamente não desconhecem o vínculo entre biografia e teologia, se rendam à sinceridade de uma pesquisa sem duplos fins (despojar do véu clerical uma certa verdade muito humana), para contar a amizade entre Rahner e Rinser da forma mais respeitosa e correta possível. A comunidade científica tem o direito de saber.
[1] Freiburg im Breisgau (Alemanha) 1904 – Innsbruck (Áustria) 1984
[2] Clique aqui.
[3] Gratwanderung: Briefe der Freundschaft an Karl Rahner 1962-1984, Luise Rinser, 2016 S. Fischer Verlag GmbH.
[4] Clique aqui.
[5] Gratwanderung: Briefe der Freundschaft an Karl Rahner 1962-1984, Luise Rinser, 2016 S. Fischer Verlag GmbH.
Alessandro Perduca colaborou no projeto, cuidando da tradução.
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Uma reconstrução honesta da Obra de Karl Rahner um ano antes do quadragésimo aniversário da morte do conhecido teólogo jesuíta alemão - Instituto Humanitas Unisinos - IHU