30 Março 2023
Gänswein, secretário de Ratzinger: “Ao ex-cardeal de Milão me ligam estima e simpatia pessoal. Mas não posso dizer mais nada, em Santa Marta são muito sensíveis...”.
"Acredito que não poucos cardeais teriam vivido bem se Angelo Scola tivesse sido Pontífice". As palavras parecem fluir confortavelmente no largo sorriso que as acompanha. O padre Georg Gänswein, secretário pessoal de Joseph Ratzinger por quase vinte anos, não busca tópicos polêmicos ou frase de efeito, mas não se esquiva e não evita as perguntas, exceto uma.
A entrevista é de Giampiero Rossi, publicada por Corriere della Sera, 20-03-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Olhando para trás agora, em uma tarde de primavera milanesa em 2023, o senhor pessoalmente teria preferido a eleição como Papa do então arcebispo de Milão, o cardeal Angelo Scola?
Não posso dizer que fui amigo do Cardeal Scola, mas a ele me liga uma grande simpatia pessoal e uma profunda estima. Mas dizer certas coisas hoje, sabendo que em Santa Marta são tão sensíveis...
Nascido em 1950, sacerdote da arquidiocese de Freiburg, na Alemanha desde 1984 e doutor em direito canônico. Chamado ao Vaticano em 1995, primeiro para a Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos e no ano seguinte para aquela da Doutrina da Fé, em 2003 tornou-se secretário pessoal do então Cardeal Joseph Ratzinger.
Após sua eleição ao pontificado, em 19 de abril de 2005, Bento XVI o confirmou no cargo e em 2012 o nomeou prefeito da Casa pontifícia, consagrando-o arcebispo, em 6 de janeiro de 2013, com o título de Urbisaglia. O Papa Francisco o manteve na responsabilidade do cargo confiando-lhe, porém, desde janeiro de 2020, a tarefa de se dedicar exclusivamente ao Papa Emérito.
E agora que Ratzinger se foi, ele aguarda por uma nova atribuição. Mas, nesse meio tempo, juntamente com o jornalista Saverio Gaeta, escreveu um livro: "Nient’altro che la verità - La mia vita al fianco di Benedetto XVI” [Nada mais que a verdade - A minha vida ao lado de Bento XVI]. E de passagem por Milão para uma apresentação na livraria Mondadori, fez uma pausa para recordar a relação entre o “seu” Papa e o cardeal Angelo Scola. O próprio arcebispo emérito de Milão proferiu palavras de grande afeto e estima, por ocasião da morte de Bento XVI: “Ele foi meu amigo, mas ainda mais um pai, nunca me deixando faltar a sua ajuda mesmo em determinados momentos não fáceis da minha vida”.
Que lembranças o senhor tem da relação entre essas duas figuras importantes da Igreja Católica?
Vêm-me à memória as duas visitas oficiais que Ratzinger fez a Scola durante o seu pontificado. A primeira foi em Veneza, onde Scola era Patriarca. Em maio de 2011. Além da própria da cidade, que por si só já me deixou lindas lembranças indeléveis, a acolhida foi extraordinária e já se notava muito bem a simpatia humana e a sintonia teológica entre o Papa e o Patriarca. Eles se conheciam já há tempo, precisamente em um contexto de reflexões teológicas, e naquele momento eles se encontravam numa bela sintonia. Para descrevê-la, penso na imagem de um veleiro levado por uma boa brisa.
E um ano depois a situação se reapresentou, em Milão, onde Scola se tornara arcebispo precisamente por escolha de Ratzinger.
No entanto, aquela não foi uma visita à diocese, mas aconteceu por ocasião do Encontro Mundial das Famílias. Eram as mesmas duas pessoas, ainda que o cardeal tivesse mudado de cargo e de cidade e ainda me lembro muito bem de vê-los muito felizes quando entraram no estádio San Siro lotado de pessoas.
Naquela época não se falava de um sucessor em potencial porque não era sequer concebível que um Papa renunciasse. Mas em 11 de fevereiro de 2013, as coisas mudaram improvisamente.
E ainda mais a partir do dia 28 de fevereiro, quando às 20 horas o Papa assinou a renúncia e embarcou no helicóptero que o levou a Castel Gandolfo, porque o mosteiro Mater Ecclesiae ainda não estava pronto para hospedá-lo. Lembro-me muito bem que muitos, e vocês jornalistas em particular, se apressaram em dizer que o cardeal Scola teria sido o sucessor natural, aliás, dado como certo.
E qual é a realidade, pelo que o senhor lembra?
O Papa Bento XVI não falou com ninguém, não respondia a ninguém, precisamente porque não queria e, em todo caso, não podia influenciar de forma alguma o Conclave. Mas como existem os chamados ‘kingmakers’, também existem os ‘papamakers’ que, talvez até partindo de fatos reais, como a sintonia teológica e humana entre os dois, acrescentavam também muita fantasia. Mas o mundo católico e da Igreja é grande e diversificado, há sempre algum elemento incalculável e focar apenas em Roma é um erro.
O próprio cardeal Scola, antes de partir para o conclave, disse a seus colaboradores no arcebispado que ficassem "tranquilos" porque ele não seria eleito. Mas o senhor, que esteve tão próximo do Papa Ratzinger, teria ficado feliz se a escolha dos cardeais tivesse recaído sobre o arcebispo de Milão?
Para além de minha estima e simpatia pessoal, você entende que cada minha frase sobre isso poderia ser interpretada como uma manifestação negativa em relação ao atual Pontífice. E como lhe disse, em Santa Marta são muito sensíveis…
Então eu vou tentar dizer e o senhor me diz se estou errado. Na minha opinião, de tudo o que o senhor disse não é difícil deduzir que teria gostado muito de Angelo Scola como sucessor do Papa Bento XVI. Mas isso sou eu quem está dizendo.
Nenhuma resposta verbal. Mãos juntas na frente da boca. Sorriso largo. Olhos semicerrados. Cabeça que confirma. Mas depois acrescenta: "Acredito que não poucos cardeais teriam vivido bem se Angelo Scola tivesse sido Papa".
E o que significa para um cardeal viver bem em um pontificado?
Significa sentir-se em sintonia não só externamente, mas também internamente.
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“Muitos cardeais hoje estariam em sintonia com Angelo Scola como Papa”. Entrevista com Georg Gänswein - Instituto Humanitas Unisinos - IHU