Arquivamento do Projeto Mina Guaíba é uma das maiores vitórias socioambientais da sociedade gaúcha. Entrevista especial com John Wurdig e Carmynie Barros e Xavier

“O Rio Grande do Sul tem as maiores reservas brasileiras de carvão mineral e há inúmeros projetos de usinas termelétricas para se instalarem no estado”, dizem os ambientalistas

Foto: Instituto Internacional Arayara

Por: Patricia Fachin | 14 Março 2023

Nesta terça-feira, 14-03-2023, a sociedade gaúcha e o movimento ambientalista comemoram um ano do arquivamento do Projeto Mina Guaíba pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler – Fepam. O projeto, encaminhado pela Copelmi Mineração, previa a operação da maior mina de carvão do Brasil na região metropolitana de Porto Alegre e foi amplamente questionado pelos possíveis impactos socioambientais. Segundo John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier, que acompanharam os desdobramentos em torno do projeto, “a sociedade gaúcha obteve uma das maiores vitórias no que tange à qualidade socioambiental da região metropolitana de Porto Alegre para as presentes e futuras gerações. Enquanto o mundo, no âmbito das últimas conferências do clima da ONU – COPs 25, 26 e 27 –, discute o fim da mineração de carvão para fins energéticos e os países buscam projetos para realizarem uma transição energética justa e sustentável rumo a economias e tecnologias verdes e com baixa emissão de gases de efeito estufa, o estado do Rio Grande do Sul poderia ter, a apenas dezesseis quilômetros do Centro de Porto Alegre, a maior mina de carvão do Brasil”.

Segundo eles, “uma das maiores vitórias deste arquivamento foi em relação à comunidade indígena da Aldeia Guajayvi, que fica a três quilômetros da Mina Guaíba, na cidade de Charqueadas, e havia sido omitida e negligenciada pela Copelmi e Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai no Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA”.

Na entrevista a seguir, concedida por e-mail ao Instituto Humanitas Unisinos – IHU, John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier informam que atualmente, no Rio Grande do Sul, “tramitam inúmeras Ações Civis Públicas em processos de litigância climática na Justiça Federal” e “as falhas encontradas no Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA do Projeto Mina Guaíba abriram precedentes para analisar os estudos ambientais de forma mais sistêmica e de acordo com a legislação ambiental brasileira vigente”. Entre os processos, destacam, “o movimento ambientalista gaúcho está acompanhando de perto e torce pelo arquivamento do processo de licenciamento ambiental da Usina Termelétrica Nova Seival e pela suspensão da licença prévia expedida pelo Ibama para a Usina Ouro Negro”.

 


John Wurdig (Foto: Arquivo Pessoal) 

John Fernando de Farias Wurdig é graduado em Engenharia Ambiental pela Universidade La Salle e mestre em Planejamento Urbano e Regional pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É ativista ambiental e líder da realidade climática do Climate Reality Brasil e coordenador do Coletivo Não Mina Guaíba.

 


Carmynie Xavier (Foto: Arquivo Pessoal) 

Carmynie Barros e Xavier é graduada em Gestão Ambiental pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Sul e mestre em Desenvolvimento Rural pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS. É gestora ambiental e gerente institucional e consultora no Centro Brasil no Clima.

Confira a entrevista.

IHU – Esta semana completa um ano do arquivamento definitivo pela Fundação Estadual de Proteção Ambiental Henrique Luis Roessler – Fepam do Projeto Mina Guaíba. O que essa vitória significa do ponto de vista socioambiental para a sociedade civil?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – A sociedade gaúcha obteve uma das maiores vitórias no que tange à qualidade socioambiental da região metropolitana de Porto Alegre para as presentes e futuras gerações. Enquanto o mundo, no âmbito das últimas conferências do Clima da ONUCOPs 25, 26 e 27 –, discute o fim da mineração de carvão para fins energéticos e os países buscam projetos para realizarem uma transição energética justa e sustentável rumo a economias e tecnologias verdes e com baixa emissão de gases de efeito estufa, o estado do Rio Grande do Sul poderia ter, a apenas dezesseis quilômetros do Centro de Porto Alegre, a maior mina de carvão do Brasil. Em uma área de mais de 4,7 mil hectares, começaria, neste ano, 2023, a operação da extração de carvão mineral do Projeto Mina Guaíba.

 

Mapa do Projeto Mina Guaíba (Foto: Divulgação)

Este é um projeto altamente poluidor, especialmente pelo impacto na qualidade dos recursos hídricos da região, em especial o Rio Jacuí e o Lago Guaíba, na biodiversidade local, onde há espécies endêmicas e em extinção dos biomas Pampa e Mata Atlântica, e na supressão da maior área de produção de arroz agroecológico da América Latina, o Assentamento Apolônio de Carvalho, em que mais de 70 famílias, juntamente com mais de 120 moradias do condomínio Rural Guaíba City, seriam removidas para a instalação de um mina de carvão que exploraria este minério através da empresa Copelmi Mineração Ltda. Então, um dos maiores ganhos, para a sociedade, foi em relação à qualidade do ar de Porto Alegre.

O processo de licenciamento ambiental do empreendimento não indicava com clareza os usos dos mais de 166 milhões de toneladas de carvão que provavelmente seriam utilizados em queima para fins energéticos em um polo carboquímico indicado pela mineradora. Uma das maiores vitórias deste arquivamento foi em relação à comunidade indígena da Aldeia Guajayvi, que fica a três quilômetros da Mina Guaíba, na cidade de Charqueadas, e havia sido omitida e negligenciada pela Copelmi e Fundação Nacional dos Povos Indígenas – Funai no Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA. O projeto estava em desconformidade com a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho – OIT, e isto foi passível de inconstitucionalidade na ação civil pública julgada na Justiça Federal contra o empreendimento.

 

Audiência Pública sobre o Projeto Mina Guaíba (Foto: Divulgação)

IHU – O que o arquivamento desse projeto indica em relação à postura do RS em relação à exploração de carvão no estado?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – Este arquivamento indica que o Estado gaúcho começa um processo de transição energética justa e sustentável para a instalação de empreendimentos para a geração de energia elétrica com baixa emissão de gases de efeito estufa, apesar de toda a pressão internacional. O Rio Grande do Sul tem as maiores reservas brasileiras de carvão mineral e há inúmeros projetos de usinas termelétricas para se instalarem no estado. Por uma questão de atribuição, todos os processos estão tramitando junto ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama e as falhas encontradas no EIA/RIMA do Projeto Mina Guaíba abriram precedentes para analisar os estudos ambientais de forma mais sistêmica e de acordo com a legislação ambiental brasileira vigente. Neste sentido, hoje, no Rio Grande do Sul, tramitam inúmeras Ações Civis Públicas em processos de litigância climática na Justiça Federal.

 

Comunidades indígenas participaram de Audiência Pública (Foto: Divulgação)

IHU – Quais seriam os prejuízos socioambientais para a população gaúcha caso o Projeto Mina Guaíba tivesse sido levado adiante?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – No Projeto Mina Guaíba, havia a previsão de ser construído um grande lago para os rejeitos da mineração do carvão. Por conta da quantidade do volume de recursos hídricos utilizados durante o processo de beneficiamento do carvão, seria feita a transposição de dois cursos d’água, assim como o rebaixamento do lençol freático.

Mesmo a empresa alegando que não haveria resíduos e efluentes de drenagem ácida de mineração de carvão, tornando a água extremamente ácida e contaminada com metais pesados, havia evidências de que, se houvesse o rompimento de um grande dique às margens do Rio Jacuí, a contaminação desse recurso hídrico e do lago Guaíba iria inviabilizar a pesca, a agricultura e o consumo de água para abastecimento humano de mais de dois milhões de pessoas, especialmente de toda a população de Porto Alegre. Seria uma grande tragédia ambiental como aconteceu em Mariana e Brumadinho, em Minas Gerais.

IHU – A partir do arquivamento do Projeto Mina Guaíba, há expectativa em relação ao arquivamento de outros projetos de impacto socioambiental no Rio Grande do Sul?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – O movimento ambientalista gaúcho está acompanhando de perto e torce pelo arquivamento do processo de licenciamento ambiental da Usina Termelétrica Nova Seival e pela suspensão da licença prévia expedida pelo Ibama para a Usina Ouro Negro. O estado do Rio Grande do Sul não comporta mais usinas que queimam carvão mineral para fins energéticos. Somos referência e temos grandes potenciais para outras fontes renováveis, como as energias eólica, solar, de biomassa, pequenas centrais hidrelétricas e o Projeto do Hidrogênio Verde. Podemos caminhar para a redução drástica das emissões atmosféricas de gases de efeito estufa e buscar as neutralizações destes poluentes atmosféricos que contribuem para o efeito das mudanças climáticas.

IHU – Alguns meses antes do arquivamento definitivo do processo do empreendimento Mina Guaíba pela Fepam, em janeiro de 2022 o atual governador gaúcho, Eduardo Leite, promulgou o Decreto n. 56.347, que dispõe sobre a adesão do estado às campanhas “Race to Zero” e “Race to Resilience”, no âmbito da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças de Clima – CQNUMC/UNFCCC. Como essa medida tem repercutido nos processos decisórios acerca de novos projetos e empreendimentos estaduais?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – Podemos dizer que ainda de forma estratégica, como política pública em âmbito estadual, a efetivação do referido decreto e a adesão da campanha “Race to Zero” precisam estar materializadas no orçamento estadual, em programas e projetos nas secretarias estaduais, com objetivos e metas bem claros, com seus respectivos responsáveis e prazos de efetivação, com uma governança transparente e alinhada aos acordos internacionais da ONU, da COP 27 e do Acordo de Paris.

Um dos pontos mais importantes consiste na atualização da política estadual de mudanças climáticas, aprovada em 2010, ou seja, há 13 anos esta legislação não incorporou os novos dispositivos legais nacionais e internacionais que tratam do tema das mudanças climáticas. Tampouco a Fepam e o Ibama incorporam, nos estudos de impactos ambientais dos empreendimentos da área de energia, o instrumento de avaliação ambiental estratégica que permite uma avaliação e diagnósticos mais sistêmicos sobre o somatório de outras fontes poluidoras que também são grandes emissoras de gases de efeitos estufa, como outras termelétricas movidas por combustíveis fósseis e que, junto aos novos empreendimentos, podem saturar a bacia hidrográfica. Esses empreendimentos consumem um volume de água gigantesco para o resfriamento das turbinas, assim como saturam a bacia aérea da região em que estão instalados e contribuem para o aumento dos casos de câncer, em especial o câncer de pulmão.

 

 

IHU – Em que consiste a proposta do RS de elaboração e aprovação de Plano Estadual sobre Mudanças Climáticas 2050? O que tem sido discutido?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – Este plano não foi exposto de forma clara e estratégica para a sociedade gaúcha. O Fórum de Mudanças Climáticas do Rio Grande do Sul é um colegiado que hoje não garante a representação da sociedade gaúcha atuante no setor energético e climático, em especial as organizações ambientalistas. A maioria dos membros é de órgãos governamentais.

IHU – Na Alemanha, mas também em outros locais, uma parcela da população tem reagido com violência aos protestos de ambientalistas. Como avalia esse tipo de reação e quais suas implicações para a sociedade civil?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – O grande problema na questão das mudanças climáticas consiste no negacionismo, em especial da extrema-direita, que defende ainda, como alternativa de desenvolvimento socioeconômico, projetos relacionados à matriz energética dos combustíveis fósseis.

Há uma grande cooperação da indústria fóssil com a indústria plástica e petroquímica que, juntamente com a indústria alimentícia, mudaram o comportamento do consumidor que hoje busca praticidade em alimentos ultraprocessados causadores de inúmeras doenças, como o câncer. Há uma alegação de que estes setores geram empregos, renda e trazem desenvolvimento. Mas, na verdade, geram poluição em âmbito global, como evidenciado nos inúmeros eventos climáticos extremos. Os racismos energético e ambiental mostram que a população da periferia sempre é e será a mais prejudicada.

Somado ao contexto do desmatamento intenso e da mineração clandestina, a região amazônica evidencia o descaso no que tange ao não cumprimento do Brasil das metas climáticas, dos acordos internacionais de direitos humanos, sem falar na questão dos subsídios do governo federal para os combustíveis fósseis. Quem paga a conta é o consumidor, com a tarifa vermelha na conta de energia elétrica. Então, diante deste cenário, é claro que a “culpa” será atribuída aos ambientalistas que são contra o desenvolvimento.

IHU – Desejam acrescentar algo?

John Fernando de Farias Wurdig e Carmynie Barros e Xavier – É fundamental que sejam intensificadas as providências expressas nos dispositivos normativos voltados aos sistemas preservacionistas e atentos à mitigação, adaptação e desempenho de novas tecnologias para a redução das emissões de gases de efeito estufa em vigor no estado, criando por hábito a provocação da participação dos múltiplos segmentos da sociedade gaúcha na gestão integrada e compartilhada dos modelos que garantam conceituar sustentabilidade, propiciando planejamento para uso do solo.

É imprescindível que as políticas climáticas no Rio Grande do Sul estejam condicionadas a assegurar e disseminar boas práticas, incentivando o fortalecimento de iniciativas de cooperação para incluir não só as variáveis ambiental, sociedade e governança (conhecidas pela sigla em inglês ESG) nos processos decisórios, mas também a constituição de arranjos estratégicos permanentes, aptos a fornecer dados e informações que culminem na descarbonização do RS.

Adotando-se tais posturas, poderão ser vislumbradas as demais formas de engajamento dos agentes públicos diante da emergência climática, propondo soluções consolidadas com a realidade e potencializando o debate sobre o que é relevante em termos de meio ambiente e direitos humanos.

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