06 Fevereiro 2023
A crítica da teologia política e a fidelidade ao Concílio, com a urgência de testemunhar de forma humanamente crível a novidade cristã no mundo.
A entrevista com o filósofo Massimo Borghesi é de Carlo Cefaloni, publicada por Città Nuova, 03-02-2023.
Em sua viagem em curso na República Democrática do Congo, Francisco está de fato escrevendo, dentro da rica complexidade do continente africano, uma nova encíclica social. Desde a sua eleição, o Papa que chega “quase do fim do mundo” foi um sinal profético que inevitavelmente atraiu também fortes críticas e incompreensões. As obras do filósofo Massimo Borghesi, docente na Universidade de Perugia, nestes 10 anos de seu pontificado, foram um instrumento decisivo para aprofundar o conhecimento de Francisco.
O livro de Borghesi de 2017 dedicado à biografia intelectual de Bergoglio é um texto de referência que foi traduzido para vários idiomas. Fundamentais são seus textos anteriores sobre modernidade e ateísmo, o pensamento de Romano Guardini e a crítica da teologia política, para citar apenas alguns. Disso tudo é uma verdadeira summa o livro de 2021 sobre Francisco. A Igreja entre a ideologia Teocon e "hospital de campanha" (título original, Francesco. La Chiesa tra ideologia teocon e “ospedale da campo”).
Nesta entrevista concedida em meados de janeiro tentamos fazer um balanço do vínculo entre Francisco e Bento XVI que encerrou seus dias terrenos no último dia de 2022.
Como você escreveu várias vezes, em sua opinião, a rejeição da teologia política expressa a profunda continuidade entre os dois papas. Como se pode entender isso em termos acessíveis a todos?
Desde 11 de setembro de 2001, assistimos a um reiterado abuso da religião utilizada para legitimar situações de guerra entre povos e Estados, entre Ocidente e Islã. Hoje entre a ortodoxia russa e ucraniana. No mundo pós-secular, os conflitos assumem uma face político-religiosa. Tanto Bento, com seu discurso em Regensburg, quanto Francisco se revelaram intransigentes críticos da mistura fatal entre religião e guerra. Diante do processo de secularização, promovido de forma totalmente acrítica por uma esquerda liberal que se esqueceu do social, avança uma reação conservadora que utiliza a religião instrumentalmente para fins de poder. Tanto Bento quanto Francisco chamaram, e hoje Francisco chama, os cristãos à sua responsabilidade histórica, distinguindo entre a fé e suas explicitações contingentes.
Como podemos ler a ligação entre os dois papas sobre a questão da paz e da guerra? Ratzinger escolheu o nome em continuidade com Bento XV, enquanto Francisco foi o primeiro a falar, em meio à incredulidade geral, de uma terceira guerra mundial em pedaços…
Sim, Bento escolheu seu nome pensando não só em São Bento padroeiro da Europa, mas também em Bento XV, o papa que se opôs ao "massacre inútil" da Primeira Guerra Mundial e que foi obstaculizado por isso por governos e pela imprensa da época, todos radicalmente nacionalistas. Em Francisco, a preocupação de uma terceira guerra mundial, no centro de seu pontificado, encontrou uma trágica confirmação no conflito que atualmente cobre de sangue a Ucrânia invadida pela Rússia. A oposição à guerra é uma constante dos papas dos anos 1900 e, a partir da Pacem in terris de João XXIII, tornou-se uma constante do magistério. Fratelli tutti, a terceira encíclica de Francisco promulgada em 5 de setembro de 2020, é um convite premente ao diálogo e ao encontro entre os povos, para evitar que as oposições degenerem em contradições. Infelizmente, o quadro maniqueísta, a eterna divisão entre Leste e Oeste, voltou a assumir o controle devido à infame decisão do homem do Kremlin.
O Papa Bergoglio colocou em evidência o pueblo fiel e a importância dos movimentos populares enquanto nas instituições eclesiais sempre aparece recorrente o fascínio de se dirigir às elites para depois incidir sobre os povos. A virada traçada pelo Concílio chegou com Francisco?
A categoria de pueblo fiel em Bergoglio indica a dimensão do povo crente, cristão. Uma realidade muito presente na América Latina e que nós, na Europa, temos dificuldade em decifrar. O processo de secularização entre nós diz respeito tanto às realidades populares quanto às elites. Nesse sentido, o desafio da fé e pela fé é, no Ocidente, mais radical. Francisco é certamente um papa conciliar e seu pontificado só pode ser compreendido a partir do Vaticano II, que ele pretende promover contra o vento conservador que sopra na Igreja hoje. Não diria, porém, que ele seja o papa da “virada”. Na realidade, todos os papas dos últimos 60 anos, a partir de João XXIII, representaram, com estilos e formas diferentes, o vento do Concílio.
Do caso do desaparecimento de Emanuela Orlandi aos venenos dos vatileaks e à praga dos abusos, os escândalos que afetam o Vaticano levantam algumas questões. Como a Igreja pode propor soluções sobre o governo global do mundo se nem mesmo em um mini Estado consegue banir as piores lógicas de poder? Como ler a grandeza da mensagem cristã em tais contradições?
Poderíamos observar que o Vaticano, hoje como ontem, não é o melhor lugar para alimentar a fé! A Igreja, sabemos, é, como diziam os Padres, uma casta meretrix ("casta prostituta"). Essa consciência não a exime da função, cada vez mais atual, de se reformar, de se livrar da "sujeira" de que falava o Cardeal Ratzinger em 2005. Isso não exclui que em sua miséria brilhe uma grandeza imerecida, aquela de Cristo que, por meio dela, continua em sua obra de transformação da história.
O declínio da Igreja no Ocidente é irreversível? Estamos a caminho da "opção Beneditina" entendida como diz o teólogo Dreher na escolha do jovem santo que foge da Roma corrupta para se refugiar na ermida de Subiaco para refundar a Igreja e, portanto, a Europa?
Não, a "opção Beneditina" proposta por Rod Dreher em seu afortunado livro, que fez tanto sucesso nos Estados Unidos e na Itália, representa apenas o ponto de fuga de um conservador cristão estadunidense decepcionado com a deriva trumpiana do partido republicano. Na realidade, não se trata de refugiar-se em lugares protegidos, longe do caos da metrópole, mas de testemunhar de forma humanamente credível a novidade cristã no mundo, aquele de hoje, que não tem a menor ideia da fé e da tradição cristã. Isso requer experiências de vida, amadurecidas em ambientes comunitários e eclesiais abertos, não fundamentalistas. Exige processos de formação capazes de orientar-se, também do ponto de vista cultural, num mundo complexo, muito diferente daquele sonhado nos anos 1960. Para tanto, tomo a liberdade de citar um meu artigo que publiquei recentemente no final de dezembro no il Sussidario.
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Opor-se à guerra, de Bento a Francisco. Entrevista com Massimo Borghesi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU