12 Janeiro 2023
Na região, muitos ativistas enfrentam ambiente hostil de bolsonaristas e do agronegócio; mesmo assim, não temeram participar da mobilização nacional.
A reportagem é de Wérica Lima e Elaíze Farias, publicada por Amazônia Real, 09-01-2023.
Capitais da região Norte promoveram nesta segunda-feira (09) atos em defesa da democracia, com manifestantes repudiando a tentativa de golpe e gritando a frase símbolo contra os terroristas que atacaram Brasília e seus financiadores: “Sem Anistia!”. Realizada em todo o Brasil, a mobilização democrática é resposta aos atos golpistas que neste domingo destruíram prédios do Palácio do Planalto, Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal (STF) e depredaram móveis, objetos e obras de arte. A mobilização nacional desta segunda foi convocada por organizações do movimento social e sindicatos.
Em Manaus, de forma pacífica, mas com indignação, os manifestantes denunciaram as impunidades do governo passado, discursaram em defesa da democracia e reiteraram que não haveria um novo golpe no país, em ato realizado na Praça São Sebastião, no centro da cidade, em frente ao Teatro Amazonas. Embora Lula tenha vencido com 51,1% dos votos no Amazonas, Bolsonaro saiu vitorioso na capital.
Desde o fim das eleições, grupos de bolsonaristas se concentraram em frente ao Comando Militar da Amazônia (CMA), em Manaus, pedindo intervenção militar e somente nesta segunda-feira foram retirados, por decisão judicial do ministro Alexandre de Moraes, do STF, e da juíza federal Jaiza Fraxe.
Ainda no domingo à noite, os golpistas de Manaus também tentaram fechar uma refinaria responsável por abastecer os postos de combustíveis da capital e de estados do Norte, sem sucesso.
José Eurico de Souza, coordenador do sindicato nacional dos servidores federais da educação (Sinasefe-AM) e professor do Instituto Federal do Amazonas (Ifam), foi um dos presentes no ato democrático em Manaus, iniciado às 17h. Na sua avaliação, a sociedade passou tempo demais tolerando os atos terroristas, na tentativa de não entrar em confronto, mas já estava na hora de acabar.
“Nós passamos mais de dois meses aceitando que ele se posicionassem. Só que acabou, não existe mais tolerância, não tem como se tolerar o fascismo, não tem como se tolerar terrorismo nesse país. Tem que caçar todos os terroristas, tem que caçar mesmo, tem que prender”, desabafou José Eurico de Souza.
Estudante de Engenharia Elétrica na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), Raiane Alencar, que também esteve no ato em Manaus, disse que o trauma do golpe sofrido pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT), em 2016, deixa clara a necessidade de incriminar os culpados por todo o processo que gerou o neofacismo no Brasil.
“Isso deixou a gente muito triste, mas também deixou a gente com muita vontade de dizer que a gente não aceita esses atos antidemocráticos. Essas pessoas têm que aceitar o resultado das urnas sendo favorável ou não”, ressalta Raiane Alencar, que é presidente da União Estadual dos Estudantes do Amazonas (UEE-AM).
Dos momentos em que participou de outras manifestações, Raiane conta que já viveu momentos de tensão enquanto lutava pelos direitos estudantis em Brasília e critica a conduta da polícia diante do vandalismo ocorrido neste dia 08 de janeiro.
“Foi muito observada a presença da polícia nesses lugares e se observa que o que aconteceu ontem é totalmente diferente. Eu já tive experiência da situação em Brasília, perto do Palácio do Planalto, e o número de policiais era diferente. O que se mostrou é que eles (policiais) estavam concordando, escoltando as pessoas e não fazendo o papel que eles deveriam estar fazendo, mostra uma polícia parcial, que tem um lado muito bem claro e que não se mostrou ser da população”, ressalta.
Rita Al Qamar, presidente do Centro Acadêmico de Pedagogia da Ufam considera inaceitável o que aconteceu neste dia 8, um episódio sem precedentes no país. A agressividade dos golpistas fez Rita se lembrar das referências que estigmatizam países árabes como terroristas.
“Nós frequentemente ouvimos falar em terrorismo em países árabes, mas ali era um monte de gente branca da extrema direita cometendo atos terroristas com conivência da polícia. Esse momento é histórico, é o momento de nós estarmos aqui lutando pela preservação da democracia e fazer valer o nosso voto”, frisa Rita Al Qamar, que é muçulmana.
“É inacreditável que a população ainda defenda o governo do ex-presidente Bolsonaro mesmo após ele ter fugido covardemente aos Estados Unidos e promovido políticas de morte durante a pandemia da covid-19. Acho que futuramente os estudiosos vão ter muito trabalho para compreender esse movimento aqui no Brasil”, acrescenta.
Raiane Alencar (de azul), durante ato pela democracia, em Manaus (Foto: Alberto César Araújo/Amazônia Real)
Militante de movimentos sociais há 40 anos em Manaus, Luzanira Varela contou que, em décadas de luta, nunca havia visto uma ameaça tão emergente como o fascismo e nazismo presente no bolsonarismo.
“A minha geração e a geração que veio antes de mim, além de lutar por muitos direitos que foi retirado nesse governo que saiu, lutou pela democracia que a gente tem e é tão nova ainda. É muito doído a gente ter visto como foi ferida a nossa Constituição ontem, como foi ferida a nossa democracia. foram umas pessoas tão insanas que a gente diz que é doido, mas não é doido. Eles sabem o que estão fazendo, isso é muito perigoso”, conta Luzanira.
Aliada do atual governo de Luis Inácio Lula da Silva, Luzanira, que pertence ao Forúm Permanente das Mulheres de Manaus (FPMM), Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (Musa) e da Pastoral Operária (PO), relembra que vivenciou momentos tensos, mas sem atrelar ao vandalismo.
“Passei por todas essas eleições, nós ganhamos, nós perdemos. Em 89 o que a direita usou para ganhar eleição, foi baixo, cruel, mas mesmo assim nós não fomos quebrar nada. Nós aceitamos o resultado. Depois concorremos a eleição de novo, até ganhar. Sofremos um golpe da presidente Dilma, perdemos a eleição com Haddad, mas mesmo assim não destruímos nada”, relata, ao lembrar das vezes em que esteve em Brasília e chegou a chorar nas perdas.
Jorge Lobato, diretor do sindicato dos servidores Públicos Federais do Amazonas (Sindsep) e servidor público do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), diz que sente-se aliviado, com a derrota de Bolsonaro, após sofrer perseguição institucional por quatro anos e finalmente estar em um governo que não apoia o fascismo.
“Após aquela exoneração [da diretora do Inpa] e após o novo governo, é totalmente diferente para nós que somos do movimento sindical. Eu como dirigente sindical foi difícil se posicionar à frente de um governo fascista, que não houve diálogo, onde houve represália. Passei por todo esse processo de enfrentamento, de mordaça e de proibição em fazer qualquer gesto de manifestação dentro dos órgãos”, explica.
Ato em favor da democracia, na praça Ulysses Guimarães, em Cuiabá, Mato Grosso (Foto cedida por Júlio César Barbosa)
Em estados de predominância bolsonarista, como Rôndonia e Mato Grosso, ativistas de movimentos ambientais e sociais também protestaram em praças das capitais.
Em Cuiabá (MT), o ato se concentrou na Praça Ulysses Guimarães, no centro da capital. Também houve manifestações nas cidades de Cáceres e Rondonópolis. Júlio César Barbosa, militante do MST de Mato Grosso, disse que o ato teve como objetivo mostrar que os movimentos seguirão nas ruas, denunciando tentativas de golpes e construindo força popular em defesa do estado democrático de direito.
“Estamos aqui para lutar contra os atos terroristas, como foi essa tentativa frustrada de ontem (domingo). Mas os três poderes deram a resposta e a sociedade civil se mobiliza para denunciar vamos seguir nas ruas”.
Ele destacou que o Mato Grosso é um dos estados com forte presença do agronegócio e que, muitos ruralistas ajudaram a financiar os atos golpistas. Júlio César também chamou atenção para a demora do governador do Estado, Mauro Mendes (DEM), em atender a retirada dos golpistas da frente dos quarteis militares, na capital. “Eles continuam acampados”, disse.
“As investigações vão descobrir muitas pessoas ligadas ao agronegócio no Mato Grosso financiando atos golpistas, garantindo os acampamentos”, disse Barbosa.
Na capital de Rondônia, os manifestantes realizaram um ato político na Praça Marechal Rondon, iniciado às 16h, com participação de movimentos sociais e populares, estudantes, professores, lideranças, sindicatos e partidos. Ao centro, uma faixa com a frase “Sem anistia aos golpistas!”.
Os manifestantes também criticaram a demora do governador do estado, Marcos Rocha, em atender a decisão do STF para desmontar os acampamentos.
Larissa Rodrigues, militante do Levante Popular da Juventude, disse que, no momento em que ocorria o ato, a Força Tática iniciou, enfim, a evacuação do acampamento que estava há meses na 17° Brigada de Infantaria de Selva na capital rondoniense.
Rondônia é um estado onde o agronegócio se expande e pressiona a floresta e as áreas protegidas, contribuindo para o avanço do desmatamento, junto com exploração ilegal de madeira. O estado deu maioria para Bolsonaro nas últimas eleições e, segundo Larissa, a vitória de Lula provocou o aumento de ofensivas de apoiadores do ex-presidente contra populações ligadas aos movimentos sociais.
“Desde a campanha eleitoral, Rondônia tem sido um palco de guerra. Com resultado favorável ao Lula e também às nossas bandeiras, as bases radicais bolsonaristas têm feito diversas ofensivas contra nosso povo, contra nossa militância. No momento em que eles convocaram o fechamento das BRs em Rondônia ocorreram diversas ações de terror e de alta violência”, disse.
Apesar das ameaças, ela disse que os movimentos sociais de Rondônia não poderiam ter deixado de aderir à mobilização que aconteceu nesta segunda-feira no Brasil.
“Os criminosos devem ser punidos, criminalizados, por isso que a nossa mensagem é ‘Sem Anistia’. A nossa mobilização, desde a denúncia ao genocídio, pedido de vacina para a população, etc, foi cercado de medo. O fascismo em nosso estado é bem financiado e é um ato corajoso de nossa militância reunida em marcha em defesa da democracia”, afirmou.
Nesta segunda, o governador Marcos Rocha (União) divulgou nota condenando os atos terroristas deste domingo (08) em Brasília. “Manifestar-se também é democracia, mas os atos de hostilidade e destruição não podem ser tolerados”, disse.
Em Belém, o ato em defesa da democracia aconteceu em frente ao mercado de São Brás desde as 18h, reunindo centenas de manifestantes. Em Macapá, capital do Amapá, o ato foi marcado para acontecer na Praça Veiga Cabral, às 17h.
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Movimentos sociais de capitais amazônicas fazem atos pela democracia - Instituto Humanitas Unisinos - IHU