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10 Janeiro 2023

"Um ato terrorista com a dimensão do perpetrado em Brasília não nasceu ontem. Tem raízes longínquas e profundas, com a participação e conivência – direta e indireta – de muitos corações e mentes, pessoas maduras, lideranças civis, militares, religiosas, apoiadoras de Bolsonaro", escreve Alexandre Aragão de Albuquerque, arte-educador (UFPE), especialista em Democracia Participativa (UFMG) e mestre em Políticas Públicas e Sociedade (UECE).

Eis o artigo. 

Um dia vieram e levaram meu vizinho que era comunista. Como não sou comunista, não me incomodei. Depois vieram e levaram meu vizinho católico, como não sou católico, não me incomodei. Por fim, vieram e me levaram; já não havia mais ninguém a quem eu pudesse reclamar”. (Martin Niemöller)

Hoje pela manhã conversando com uma velha amiga, ela deixou a entender que o vandalismo ocorrido ontem não deve ser cobrado daqueles que indiretamente contribuíram para a sua realização. Indaguei-lhe então: será que a sociedade brasileira concorda com o terrorismo como prática política?

No caso específico dessa amiga, ela em nossa conversa estava defendendo um religioso que fez campanha pela televisão, nas mídias sociais, em atos litúrgicos e ligações telefônicas para a reeleição de Bolsonaro, não obstante todas as mazelas sociais e ameaças politicas por ele perpetradas nos últimos quatro anos, de pleno conhecimento público. O importante para seu amigo frei não era Bolsonaro, mas o seu projeto corporativo em primeiro plano, situando-o acima do bem coletivo, assim como estão a fazer pastores evangélicos, garimpeiros ilegais, madeireiros ilegais, ruralistas ilegais, militares ilegais.

Contudo, disse-lhe, um ato terrorista com a dimensão do perpetrado em Brasília não nasceu ontem. Tem raízes longínquas e profundas, com a participação e conivência – direta e indireta – de muitos corações e mentes, pessoas maduras, lideranças civis, militares, religiosas, apoiadoras de Bolsonaro. Trata-se de um acúmulo histórico, de uma guerra construída no tempo, rumo a um projeto ditatorial. Somente enfrentando a Esfinge cara a cara é possível superar tais atrocidades e equívocos que começam pequeninos. Esconder a cara debaixo da terra, como um avestruz, ou colocar a sujeira embaixo do tapete, não resolverá o problema.

Três momentos de ontem, documentados pelas câmeras chamam bastante atenção. Primeiramente a cena do cortejo de bolsonaristas, fazendo a caminhada do QG do Exército rumo à Praça do Três Poderes, sendo protegidas e guiadas cuidadosamente por policiais militares. Conforme especialistas, esse trajeto dura em torno de 90 minutos. O segundo quadro, já bem mais grave, ocorre quando a multidão fascista já se encontra na Praça ameaçando invadir os prédios dos poderes republicanos, e cerca de cinco a seis policiais fazem um aparente enfrentamento da multidão com spray de pimenta. Algo totalmente desproporcional e deletério. Resultado: a multidão passou por cima daqueles gatos pingados fardados. Por fim, já com a manada tomando conta do pasto, outros cinco a seis guardas estavam à distância deliciando-se e filmando o vandalismo terrorista. O resultado foi a horda neofascista depredando o patrimônio público e histórico da Humanidade, com objetivos claros de atiçar ainda mais a ultradireita para formar uma ruptura institucional, alimentando o caos para desgastar o Governo Lula em seus primeiros dias.

Pergunta-se: a inteligência militar sabia ou não desses atos? Se não sabia, são incompetentes e seu comando precisa ser exonerado imediatamente, tanto a nível federal como a nível distrital. Se sabia, o caso se agrava, porque envolve não apenas negligência mas explícita conivência e composição com o terrorismo neofascista, requerendo profunda e ágil investigação sobre tais comportamentos para que se proceda punições exemplares a esses servidores públicos. Como anota o professor Manuel Domingos Neto, “a depredação do Palácio do Planalto foi possível porque o Batalhão de Guardas não se mexeu. Seu comandante, não tendo cumprido seu dever, deve ser preso imediatamente”.

Na madrugada de hoje, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Alexandre de Moraes, acertadamente, afastou o governador do Distrito Federal Ibaneis Rocha, por 90 dias. Segundo Moraes, o descaso do exonerado secretário de Segurança Pública Anderson Torres com qualquer planejamento que garantisse a segurança e a ordem só não foi mais acintoso do que a conduta dolosamente omissiva do governador do Distrito Federal. Ibaneis não só deu declarações públicas defendendo uma falsa livre manifestação política em Brasília, como também ignorou todos os apelos das autoridades para a realização de um plano de segurança, tendo liberado amplo acesso dos terroristas à Praça dos Três Poderes.

Além disso, Moraes determinou a desocupação e dissolução total, em 24 horas, dos acampamentos neofascistas nas imediações dos quartéis-generais e outras unidades militares, com a prisão em flagrante de seus participantes; apreensão e bloqueio de todos os ônibus identificados pela Polícia Federal que trouxeram os terroristas para o Distrito Federal (DF); desocupação em até 24 horas de todas as vias e prédios públicos estaduais e federais de todo o país; proibição imediata, até 31 de janeiro, de ingresso de qualquer ônibus e caminhões com manifestantes do DF; manda Facebook, TikTok, Twitter bloquearem cerca de 18 perfis nas redes sociais.

Por fim, até o presente momento em que concluímos este artigo, os generais Braga Netto, Augusto Heleno, Luiz Ramos, Fernando Azevedo e Villas Bôas não se manifestaram sobre estes atos terroristas neofascistas. E assim a conjugação dos fatos leva a crer que tudo foi facilitado. Por quem? É preciso que sejam urgentemente identificados e exemplarmente punidos.

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