04 Janeiro 2023
No último dia 21 de dezembro de 2022, o ex-policial argentino Mario Sandoval foi condenado a 15 anos de prisão por crimes contra a humanidade na última ditadura militar argentina. "Os assassinos e torturadores argentinos atingiram o auge do horror", expressa Chomsky ao jornalista Edu Montesanti, ao mesmo tempo que celebra mais uma entre tantas condenações de ex-ditadores na Argentina ao longo dos anos.
A reportagem é de Edu Montesanti.
Em processo por crimes contra a humanidade relacionados à última ditadura militar argentina (1976-83), o ex-policial argentino Mario Sandoval, de 69 anos, foi considerado culpado pela Justiça de seu país na última quarta-feira (21) por "privação ilegítima de liberdade, agravada pela condição de funcionário público e aplicação de tortura em detrimento de um perseguido político" contra o estudante de Arquitetura e militante da Juventude Universitária Peronista (JUP), Hernán Abriata.
Sandoval ouviu a sentença de sua cela comum no quartel de Campo de Mayo, a oeste da capital argentina de Buenos Aires. Segundo o tribunal, Abriata, de então 24 anos, havia sido sequestrado em 30 de outubro de 1976.
"Eu estava ao lado de Hernán quando bateram na porta. Os repressores estavam lá, e Sandoval entrou primeiro. Estávamos em um apartamento de dois cômodos. Quando Sandoval sai e o leva embora, ele me mostra sua identidade e sua foto", disse à polícia argentina Mónica Dittmar, companheira de Abriata à época do sequestro. De seu apartamento, o estudante foi levado à antiga Escuela de Mecánica de la Armada (ou Escola Mecânica da Marinha, conhecida pela sigla ESMA) em Buenos Aires, maior centro de detenção clandestino do regime onde os ditadores mantinham presos politicos, torturando-os e assassinando-os.
Com o fim da ditadura Sandoval emigrou à França, país que lhe concedeu nacionalidade. No país europeu, o ex-oficial argentino chegou a trabalhar como assessor do ex-presidente Nicolás Sarkozy, até ser identificado e extraditado em 2019. Apesar do fato de que centenas de outros casos de repressão ilegal pesam sobre o condenado, o governo francês apenas aceitou a extradição do ex-oficial argentino apenas pelo caso de Abriata.
Após 45 anos de impunidade, a sentença de Sandoval foi celebrada como "acontecimento histórico e político" por Carlos Loza, sobrevivente ESMA, onde compartilhou cativeiro com Abriata. "Pessoalmente, estou satisfeito por cumprir o compromisso assumido com ele [Abriata] no campo de concentração, em meio àquela situação extrema. Foi assim que mantivemos viva a luta, a fim de saber o que aconteceu com ele", acrescentou, emocionado, Loza.
Em conversa com o diário argentino Télam, o sobrevivente interpretou que o fim do julgamento “do ponto de vista jurídico, também constitui um fato político porque a ditadura representou, também, a estigmatização de grupos militantes em todo o país”. Loza lembrou que “muitos desses grupos não eram partidários políticos mas sim sociais, pessoas que procuravam a transformação da sociedade”.
Acredita-se acredita que cerca de 5 mil pessoas passaram apenas pelo centro de tortura da ESMA, de um total que supera os 30 mil torturados, assassinados e desaparecidos durante os crueis sete anos de ditadura militar na Argentina.
"Durante a praga das violentas ditaduras militares que varreram a América Latina dos anos 60 aos 80, os assassinos e torturadores argentinos atingiram o auge do horror", lembra o linguista, filósofo, sociólogo e ativista americano Noam Chomsky, procurado por esta reportagem.
Desde que a ditadura chegou ao fim, mais de mil genocidas já foram condenados no país vizinho. Com especial destaque ao general Rafael Videla, presidente da Argentina de março de 1976 a maio de 1981 condenado a prisão perpétua e destituído da patente militar, vindo a falecer em cela comum em maio de 2013.
Chomsky também celebrou a condenação do ex-policial em 21 de dezembro, lembrando que, ao mesmo tempo que outros países da região como Chile, Uruguai e Paraguai igualmente condenaram ex-ditadores militares, a Argentna tem sido um caso exemplar.
"A condenação em julho deste ano de 19 ex-ditadores militares por crimes contra a humanidade durante a ditadura, é outro avanço e deve servir de modelo para outros países, próximos e distantes", disse "o intelectual mais importante da nossa geração" segundo o jornal The New York Times.
No dia 6 daquele mês a Justiça argentina condenou, através de julgamento oral e público iniciado em 29 de abril de 2019, dez ex-ditadores à prisão perpétua, e outros nove a penas entre 22 e quatro anos de prisão. Eles foram considerados culpados pelos crimes de privação ilegal de liberdade, imposição de tortura, invasão ilegal, roubo, atentado ao pudor, estupro e homicídio.
Naquela sentença, ficou provado que o Exército argentino havia utilizado métodos de extermínio durante a ditadura, especialmente no que ficou conhecido como Voos da Morte [Operação Condor] em que aviões militares arremessavam pessoas amarradas de grande altura, ao mar ou ao Rio de la Plata.
As sentenças concluídas em de 6 de julho fizeram parte do veredicto considerado o maior julgamento da história da Argentina, a chamada megacausa ESMA com 54 condenados ao todo pelos crimes cometidos contra 789 vítimas, exclusivamente tratando da operação Voos da Morte.
"Para a honra do povo argentino, das Mães da Praça de Maio, das Avós da Praça de Maio e muitas outras organizações sociais pelos direitos humanos locais, a Argentina desde o fim do regime lidera os rumos regionais ao condenar os terríveis crimes perpetrados pelos ex-ditadores, punindo os culpados", completou o renomado analista americano, considerado "pai da lingustica moderna".
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Condenação de ex-ditadores militares na Argentina é modelo regional, diz Noam Chomsky - Instituto Humanitas Unisinos - IHU