12 Dezembro 2022
Grande tristeza e perplexidade se espalharam pela notícia das investigações envolvendo pe. Marko Rupnik, o jesuíta animador do Centro Aletti em Roma, artista, teólogo e referência espiritual para muitos.
A comentário é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, publicado por Settimana News, 11-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Alimentadas por sites on-line nem sempre confiáveis, as informações são imprecisas e incompletas, mas suficientes para indicar uma dupla investigação a respeito do jesuíta. A primeira, indireta, surge de uma visita canônica a uma fundação religiosa eslovena, a "comunidade Loyola" de Ljubljana, e à sua fundadora Ivanka Hosta.
A investigação foi conduzida por Mons. Daniele Libanori, jesuíta e bispo auxiliar de Roma, cidade onde foi feita a denúncia. A segunda investigação, sobre a atividade religiosa de Rupnik, foi iniciada pela Congregação para a Doutrina da Fé, solicitada pela cúria jesuíta e conduzida por um religioso dominicano. Esta segunda investigação foi encerrada por prescrição: os fatos, que podem ser datados no início dos anos 1990, não são mais passíveis de ação penal, exceto por derrogação das normas canônicas, como aliás costuma acontecer em casos de abuso.
No estado atual dos fatos – considerando as pressões impróprias no sentido de uma transparência absoluta que não respeita direitos pessoais e interesses ideológicos não partilháveis - é possível uma informação que leve em conta o respeito prioritário devido às vítimas, o debate suscitado entre os Jesuítas, as hipóteses montadas pelas diversas fontes de informação, com referência à obra e aos resultados perseguidos pelo Centro Aletti.
A primeira investigação, conduzida por Mons. Libanori, diz respeito à família religiosa "comunidade Loyola" de direito diocesano com algumas dezenas de consagradas (Ljubljana, Eslovênia), fundada nos anos 1980 por Ivanka Hosta e há tempo atravessada por grandes tensões.
Insuficiências formativas, ambiguidade na distinção entre foro interno (consciência) e foro externo (disciplina), questionáveis práticas comunitárias acumularam um crescente mal-estar que a visita canônica registrou. Decisões, mesmo drásticas, são possíveis de parte do dicastério da vida religiosa. Pe. Rupnik está envolvido com os primeiros anos, de 1990 a 1993, quando houve uma ruptura insuperável entre ele e a fundadora, que nunca foi superada.
Um testemunho inicial, recolhido pelo site Left, registra uma carta ao papa na qual, entre outras coisas, consta: “Nos seus inícios a comunidade foi marcada por abusos de consciência, mas também abusos afetivos e presumivelmente sexuais por parte do Pe. Marco Rupnik. Como amigo da fundadora e de várias irmãs daquele primeiro tempo tinha uma presença e uma proximidade constante na vida pessoal de todas as irmãs e da comunidade como um todo”.
Um segundo testemunho é recolhido por F. Giansoldati. Luisa (nome de fantasia) teria voltado a denunciar abusos após 28 anos, movida pela dúvida “de não ter sido acreditada” na denúncia anterior.
Um terceiro, atribuível a uma consagrada leiga, acusa o Pe. Rupnik de ter se aproveitado de "seu papel de amigo, confessor e pai espiritual para estabelecer, por meio de uma manipulação sutil, relações íntimas de natureza sexual".
No dia 2 de dezembro, o delegado para as comunidades romanas da Companhia de Jesus divulga uma declaração em que admite uma denúncia contra Pe. Rupnik e confirma a abertura de uma investigação preliminar entre 2021 e 2022.
Tudo é então examinado pelo Dicastério da Doutrina da Fé que em outubro constata "que os fatos em causa deviam ser considerados prescritos e, portanto, arquivou o caso". Recorda as medidas cautelares implementadas no meio tempo (proibição de confissão, direção espiritual e acompanhamento nos exercícios espirituais) que se prolongam também posteriormente.
Diante da onda midiática na Eslovênia, o provincial local dos jesuítas, pe. Miran Žvanut, lembra o arquivamento do caso, as únicas medidas "cautelares" adotadas, a ausência de qualquer condenação. Ressalta a seriedade de a Companhia "incumbir-se" de toda denúncia das vítimas.
O ex-provincial da Província Euro-Mediterrânea da Companhia, Pe. Gianfranco Matarazzo vê no caso Rupnik um "tsunami" "de injustiça, falta de transparência, gestão questionável, atividade corrompida, obra personalizada, comunidade apostólica sacrificada ao líder, disparidade de tratamento". Ele pede à congregação que assuma a plena responsabilidade, uma reconstrução detalhada dos fatos, uma coletiva de imprensa esclarecedora, a abertura dos arquivos e a intervenção do Pe. Hans Zollner, membro da Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores e Diretor do Instituto de Antropologia.
Sobre o recurso à prescrição e sobre as questões suscitadas pelo arquivamento, o p. Zollner observa que "até onde vejo, uma resposta só pode ser dada pelo dicastério para a doutrina da fé". Em entrevista posterior, o superior geral, pe. Artur Sosa se manifesta, ressaltando: os direitos das vítimas, mas também dos acusados, não estão envolvidos menores de idade e a investigação preliminar foi confiada a um religioso não jesuíta.
As medidas tomadas contra o Pe. Rupnik "foram proporcionais aos fatos" e foram mantidas "porque queremos aprofundar mais a questão, para ver como ajudar todos os envolvidos". Exclui que o interessado conduza os exercícios, mas não lhe é impedido celebrar. “Ele não está preso, nem nenhuma das medidas afeta seu trabalho artístico. Tem compromissos artísticos muito importantes… Continua a ter a mesma mobilidade que todos nós, por motivos de trabalho” (entrevista a António Marujo).
É difícil acompanhar todos os meandros das informações nas redes sociais e sites. Limito-me a anotar alguns elementos. Teria havido uma indenização de 43.000 euros pela comunidade Loyola às vítimas (Left).
Não está claro por que seu caso não foi confiado ao dicastério de padres ou religiosos; alguém o orientou? Denuncia-se o silencia sobre o caso e a ambiguidade da atitude do papa (Silere non possum). Há quem supõe o crime canônico da absolvição do cúmplice (Messainlatino), quem considera indevido o recurso ao jesuíta Libanori e questionável o envolvimento de Mons. Giacomo Morandi, então secretário do dicastério e amigo do Pe. Rupnik.
Outros denunciam as incertezas "culpadas" do vigário, card. Angelo De Donatis. Muitos se concentram nas atividades públicas, pastorais e midiáticas do Pe. Rupnik que não foram interrompidas e que teriam motivado as vítimas a renovarem suas denúncias.
Estão praticamente ausentes na mídia as referências ao papel e ao futuro do Centro Aletti, à qual dediquei alguns artigos, especialmente na década entre a virada do século. Mesmo com efetivos muito reduzidos (cerca de dez jesuítas, leigas consagradas, além de mais numerosos e ocasionais artistas e mosaicistas em particular) o centro tem abordado temas de grande importância.
Em primeiro lugar, a relação entre Leste e Oeste. A presença do card. Tomàš Špidlík, com sua competência em teologia oriental e o ensino de alguns jesuítas no Pontifício Instituto Oriental, orientaram uma atenção renovada ao outro "pulmão" da Igreja. A atenção inicial dispensada a centenas de intelectuais e teólogos orientais alimentou e estabilizou uma reflexão teológica que difundiu estilemas comuns hoje como a “divina humanidade”, a beleza espiritual, a Sofia (sofianidade), a inteligência espiritual do sentimento, a “divização” etc.
A amizade com E. Clément, o maior teólogo ortodoxo da segunda metade de 1900, foi o seu selo. Em segundo lugar, o tema da arte, levado pelos mosaicos do Pe. Rupnik. Ele conquistou um espaço para si na renovação geral da arte litúrgica e representou uma das respostas da arte visual capaz de devolver às imagens "devotadas" a intencionalidade vital dos ícones.
As obras do artista esloveno estão distribuídas em cerca de trinta países e em locais de grande impacto como o Vaticano, os mais famosos santuários (Lourdes. Fátima, Aparecida), lugares significativos do catolicismo atual (Cracóvia, Washington). Em terceiro lugar, a produção teológica. Graças à editora Lipa, chegaram ao mercado centenas de volumes de grande interesse cultural. Basta recordar alguns nomes: Špidlík, Clément, Taft, Soloviev, Bulgakov, Brock, Evdokimov, Truhlar, Zizioulas. Até as obras mais recentemente publicadas de Schmeman.
As denúncias atuais vão colocar a dura prova a convivência original entre consagradas e religiosos no Centro de Aletti e vão reiniciar debates de mais longa gestação.
Em particular sobre o papel da psicologia contemporânea nos processos vitais da vida consagrada e a pertinência de um sistema cultural construído na sucessão de épocas críticas e orgânicas nos moldes de V. Ivanon. No aguardo que o "tsunami" midiático e as justas expectativas das vítimas nos devolvam as oportunas referências para o caminho futuro.
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Rupnik: a ruptura e as perguntas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU