29 Novembro 2022
"Há quem tema que muitos cidadãos russos que obtiveram um passaporte cipriota nos últimos anos com a intenção de atrair os capitais russos também possam participar da eleição do arcebispo do Chipre. Teremos cristãos ortodoxos que não são nativos do Chipre, mas estão entre os eleitores e que quase certamente votarão em um candidato pró-Rússia", escrevem Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano e Marco Bernardoni, padre e redator do jornal Settimana News, em artigo publicado por Settimana News, 28-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
No passado dia 12 de novembro, na catedral de Nicósia, o Patriarca Ecumênico Bartolomeu presidiu as exéquias do arcebispo ortodoxo do Chipre Crisóstomo II, que morreu em 7 de novembro após uma longa doença. Eleito primaz da Igreja Ortodoxa Autocéfala do Chipre em 2006, depois de ter sido metropolita de Pafos, foi um tenaz defensor da causa do Chipre contra a ocupação turca e manteve boas relações com a Santa Sé, acolhendo no Chipre primeiro o Papa Bento XVI (2010) e depois o Papa Francisco (2021). Com Dimitrios Keramidas, teólogo ortodoxo docente no Angelicum de Roma, conversamos sobre o que acontecerá nos próximos dias, quando a Igreja cipriota elegerá seu novo primaz.
Em vista da eleição do novo arcebispo ortodoxo da Igreja autocéfala do Chipre, foram oficializadas seis candidaturas. Quais são as particularidades do processo eleitoral e por que foi pensado dessa forma?
Para a Igreja do Chipre, a eleição ocorre em duas etapas. A primeira, na qual participam pela primeira vez todos os ortodoxos batizados maiores de idade que residem no Chipre há pelo menos um ano. Eles poderão votar em um nome entre os seis candidatos oficiais, aprovados pelo Santo Sínodo dos Bispos. Todo o povo está, portanto, apto a votar. E foi precisamente o arcebispo Crisóstomo II quem ampliou a participação nos processos eleitorais, já que antes entre o povo eram eleitos delegados que depois participavam da verdadeira eleição do bispo.
Os três nomes que reunirem maior consenso nesta primeira fase terão acesso à segunda etapa, por assim dizer mais "tradicional", na qual o Sínodo dos Bispos escolherá o nome do novo arcebispo a partir do trio. A primeira etapa está marcada para 18 de dezembro. Veremos quais nomes irão compor a lista tríplice.
Depois de uma participação popular tão ampla, o Sínodo terá uma liberdade efetiva para escolher um candidato diferente daquele que poderia receber um consenso muito claro?
O Metropolita de Limassol, que é um dos favoritos (segundo as pesquisas), afirmou que o Sínodo terá que respeitar a vontade do povo. No entanto, ele fez isso por seu próprio interesse. De fato, se assim fosse, é evidente que o poder deliberativo seria completamente tirado dos bispos e seria o povo quem decidiria. Isso claramente proporcionaria problemas canônicos e eclesiológicos relevantes. Não sabemos como se comportará o Sínodo. Mas certamente mantém íntegro o direito de escolher aquele dos três que julgar o mais adequado, mesmo que não seja o mais votado.
Existem diferenças ou questões pastorais significativas que caracterizam os perfis desses seis candidatos? Sobre que eles concordam e sobre que eles divergem?
Na realidade, não vejo diferenças substanciais no plano pastoral e não foram apresentados programas em que as candidaturas divergem, embora existam alguns nomes que até agora tiveram uma abordagem mais "monástica" e tradicionalista das questões ético-sociais (pandemia, reforma litúrgica, etc.). Mais do que aquela pastoral, a questão da ocupação turca do Norte é forte no Chipre. Os programas, portanto, definem mais uma agenda "política" do que pastoral.
Outro tema importante no debate é como se comportarão os candidatos próximos à Igreja Russa. Se eles assumissem o papel de arcebispo ortodoxo do Chipre, continuariam como Crisóstomo a comemorar nos dípticos o nome de Epifânio – primaz da nova Igreja autocéfala ucraniana – ou não?
Essas são as duas questões mais debatidas. Entre os candidatos está também o metropolita de Morfou, Neofitos, que esteve entre os que boicotaram a visita do papa ao Chipre e que, durante a pandemia, protestou publicamente contra a vacinação. Não se trata de questões pastorais, mas se ele obtivesse consenso popular com base em tal posicionamento, perguntas teriam que ser feitas, inclusive sobre a questão ecumênica.
Entre os candidatos ao cargo de arcebispo, pelo menos dois mudaram de posição em relação à Igreja autocéfala ucraniana e à menção do nome do novo arcebispo de Kiev. Por que fizeram isso? Talvez por causa da guerra? Ou receberam outras informações que motivaram a mudança?
O metropolita Isaías de Tamassos, o mais jovem dos dois, que era abertamente pró-Rússia, declarou que mudou de posição por causa da invasão russa da Ucrânia. Alguns meses atrás, ele até visitou o Fanar e se reconciliou com Crisóstomo poucos dias antes de sua morte.
O outro candidato, Atanásio de Limassol, não expôs os motivos de sua mudança de linha. Suponho que seja uma estratégia eleitoral e pragmática. De fato, se depois de uma possível nomeação como arcebispo, desejasse reverter a posição da Igreja do Chipre em relação à Igreja autocéfala ucraniana, ele ainda teria que passar pelo voto do Sínodo e aí ele não tem certeza absoluta de encontrar o consenso necessário.
No Chipre, que eu saiba, a prerrogativa do Patriarcado Ecumênico de conceder a autocefalia nunca foi questionada (ao contrário do que aconteceu em outras igrejas ortodoxas). Em vez disso, a discussão dizia respeito à oportunidade de um reconhecimento imediato da nova igreja autocéfala sem o patriarcado de Moscou. Alguns acharam que fosse mais prudente manter uma postura de esperar para ver.
Falamos da resistência de alguns candidatos à visita do papa e, de maneira mais geral, ao caminho ecumênico. É uma posição relevante ou não?
Francisco foi acolhido com alegria no Chipre pela visibilidade que daria à Igreja local e à questão da “ferida” provocada pela ocupação turca. Sem dúvida, no Chipre – como em todas as outras igrejas ortodoxas – existem oposições à Igreja Católica, ao papado e ao ecumenismo. Esta não é, no entanto, uma linha de pensamento dominante, enquanto em outros lugares é, por exemplo, na Bulgária, na Sérvia ou na Rússia. Não existe uma retórica antiocidental no Chipre. Porque Chipre não pode se separar do Ocidente se quiser continuar existindo politicamente.
Que méritos e que limitações teve o episcopado de Crisóstomo II?
Foi um mandato que cresceu ao longo dos anos. Ele merece crédito por ter acompanhado o caminho que levou ao Concílio Pan-Ortodoxo de Creta, onde ele próprio denunciou o nacionalismo como um dos males da Ortodoxia contemporânea. Mas também foi importante depois do Concílio pela divulgação e recepção dos documentos. Ele tentou mediar (sem sucesso) entre as Igrejas de Jerusalém e Antioquia sobre a questão do Catar. É louvável sua iniciativa de modificar a constituição da Igreja do Chipre, ampliando a possibilidade de votação, talvez para aliviar as pressões e os condicionamentos na eleição do bispo.
O reconhecimento da Igreja autocéfala da Ucrânia é, a meu ver, mais um gesto que deve ser reconhecido. Também o acolhimento das visitas dos Papas Bento e Francisco foram momentos importantes na vida da Igreja cipriota, muito antiga embora pequena. O episcopado de Crisóstomo certamente lhe deu visibilidade. Portanto, vejo mais méritos do que limitações.
A eleição do Chipre no contexto das Igrejas Ortodoxas é considerada um evento maior ou menor?
Trata-se da eleição do primaz de uma Igreja autocéfala e por isso tem sua importância dentro do mundo ortodoxo. Ainda mais hoje, dentro da crise – também eclesial – criada pela guerra de invasão da Rússia na Ucrânia. Como dissemos, hoje não podemos nem mesmo excluir a possibilidade de um reposicionamento da Igreja cipriota em relação à questão ucraniana e isso mantém viva a atenção. A Igreja do Chipre também tem sua importância dentro dos equilíbrios regionais da ortodoxia. O Chipre, de fato, é a primeira Igreja mencionada nos dípticos entre as Igrejas autocéfalas e tem um peso eclesiástico certamente maior que seu peso numérico.
Os documentos do Concílio de Creta terão alguma influência na eleição de patriarcas e arcebispos?
Não, a eleição do primaz é um assunto inteiramente interno a cada Igreja (com diferenças importantes nos procedimentos dentro da Ortodoxia). A agenda do Concílio de Creta, na medida em que foi recebida pela Igreja do Chipre, que aderiu a ela, poderia e seria bom que influenciasse a agenda do novo arcebispo.
Há algo que escapa ao olhar de nós, ocidentais, sobre essa eleição?
Há quem tema que muitos cidadãos russos que obtiveram um passaporte cipriota nos últimos anos com a intenção de atrair os capitais russos também possam participar da eleição do arcebispo do Chipre. Teremos cristãos ortodoxos que não são nativos do Chipre, mas estão entre os eleitores e que quase certamente votarão em um candidato pró-Rússia.
Não é por acaso que também a presidente da República Grega esteve presente no funeral de Crisóstomo II. Talvez uma presença de protocolo, talvez um gesto de cortesia. Mas naquele momento, durante a sua saudação, quis sublinhar a importância da Igreja do Chipre no mundo ortodoxo. Não sabemos qual será a posição do governo local. Não creio, porém, que apreciaria uma inversão de linha da Igreja cipriota.
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Ortodoxia-Chipre: depois de Crisóstomo II - Instituto Humanitas Unisinos - IHU