28 Novembro 2022
Por que o Papa Francisco demitiu toda a liderança do braço mundial de caridade da Igreja na terça-feira?
Que papel desempenhará Pier Francesco Pinelli como administrador temporário da Caritas Internationalis, nomeado por decreto papal em 22 de novembro?
Uma data importante para entender a mudança e como ela se alinha com as reformas mais amplas do papa é 15 de outubro de 2022.
Nesse dia, o Papa Francisco recebeu em audiência no Vaticano o padre Giacomo Canobbio e os delegados de Bain Capital. A empresa de investimentos financeiros é onde Pinelli trabalhou anteriormente. E Canobbio é o padre que, sem anúncio, foi nomeado pelo Papa Francisco para o cargo de comissário da Pontifícia Universidade Lateranense.
Ambas as nomeações são típicas do pontífice e seu modus operandi preferido: o Papa Francisco envia uma inspeção ou nomeia um comissário sempre que deseja reformar alguma coisa.
A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada por Catholic News Agency, 22-11-2022.
Não havia razões aparentes para nomear um comissário da Caritas Internationalis – assim como não havia razões aparentes para nomear um comissário da Pontifícia Universidade Lateranense.
No entanto, o Papa Francisco já havia ordenado uma série de inspeções.
O bispo Claudio Maniago foi nomeado inspetor da Congregação para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos, após o que o papa nomeou o arcebispo Arthur Roche como prefeito do dicastério. Em seguida, o bispo Egidio Miragoli inspecionou a Congregação do Clero, que ainda estava em andamento quando o papa nomeou o bispo coreano Lazzaro You Heung-sik – depois criado cardeal – como prefeito do dicastério.
No início de seu pontificado, o Papa Francisco nomeou várias comissões.
Um desses órgãos foi a comissão de referência sobre as estruturas administrativo-econômicas da Santa Sé, conhecida pela sigla italiana COSEA. Outra era a CRIOR, a comissão para estudar a reforma do Instituto de Obras da Religião, comumente conhecido como Banco do Vaticano.
Seu trabalho, uma vez concluído, resultou na extensa revisão dos departamentos financeiros do Vaticano e nos novos estatutos do Instituto de Obras de Religião, promulgados em 2019.
No entanto, a nomeação de um comissário na Caritas Internationalis tem outro precedente claro: a inspeção do Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral.
A inspeção ocorreu em julho de 2021 e foi liderada pelo cardeal Blase Cupich, arcebispo de Chicago. A equipe também incluiu a irmã Helen Alford, vice-reitora da Pontifícia Universidade Angelicum, membro ordinário da Pontifícia Academia de Ciências Sociais; e Pinelli, o novo administrador da Caritas Internationalis.
Engenheiro formado e gestor experiente, Pinelli trabalhou com várias instituições, bem como consultor de empresas de gestão e investimento.
De acordo com rumores do Vaticano não confirmados oficialmente, mas fornecidos à CNA por várias fontes, Pinelli também esteve envolvido na reestruturação do que hoje é o Dicastério para o Desenvolvimento Humano Integral.
Um comunicado de imprensa do dicastério disse que Pinelli era um engenheiro “com um modo de proceder mais humanista do que técnico” e que era “formado na espiritualidade inaciana”, um homem que “desde muito jovem atuou como voluntário trabalhando na recuperação de drogas toxicodependentes, na cooperação para o desenvolvimento, no apoio às obras missionárias e na catequese”. A declaração também observou que ele é casado e tem três filhos e três netos.
O comunicado também enfatizou que “em 33 anos de trabalho”, Pinelli ganhou experiência gerencial em diferentes setores, incluindo uma grande empresa de energia.
Tendo trabalhado tanto como gerente de projetos para empresas de energia quanto como consultor de gestão para a Bain, Pinelli também tem experiência em trabalhar com obras e instituições religiosas e seculares, de acordo com o comunicado.
Obviamente, sua formação e posições em algumas instituições jesuítas podem ter desempenhado um papel. Parece provável que o cardeal Michael Czerny, SJ, atual prefeito do dicastério, tenha falado sobre ele e outros.
No entanto, ainda é difícil avaliar quais questões estão em jogo. Parece claro que o papa quer reformar a Caritas Internationalis, incluindo seus estatutos e estatutos.
Fundada em 1951, a confederação católica é composta por 162 organizações de caridade com sede em 200 países ao redor do mundo. Sua sede está localizada no território do Vaticano, em Roma, e o Vaticano supervisiona sua atividade.
De acordo com o dicastério de Czerny, “nenhuma evidência surgiu de má administração financeira ou impropriedade sexual”; no entanto, “constataram-se deficiências na gestão e nos procedimentos, prejudicando gravemente o espírito de equipa e a moral dos colaboradores”.
A reforma dos estatutos será a primeira tarefa do novo comissário.
Pinelli será auxiliado por Maria Amparo Alonso Escobar, chefe de advocacia da Caritas Internationalis, e pelo padre jesuíta Manuel Morujão, que fará acompanhamento pessoal e espiritual aos funcionários da Caritas, de acordo com o decreto do Papa Francisco.
Em maio de 2023, está prevista a próxima assembleia geral da Caritas Internationalis em Roma, com a nomeação do novo presidente, secretário geral e tesoureiro. Até lá, o processo de reforma provavelmente estará concluído.
A Caritas Internationalis passará por uma revisão “a fim de melhorar suas normas e procedimentos de gestão – mesmo quando as questões financeiras foram bem tratadas e as metas de arrecadação de fundos regularmente alcançadas – e assim servir melhor suas organizações de caridade membros em todo o mundo”.
No entanto, uma reforma dos estatutos já ocorreu em 2019 e foi aprovada pelo papa com rescrito em 13 de janeiro de 2020.
Quanto à mudança dos estatutos da Caritas Internationalis, tratou-se simplesmente de passar as competências do Pontifício Conselho Cor Unum, que já não existe, ao Dicastério para a Promoção do Desenvolvimento Humano Integral, que absorveu as suas funções.
Quanto ao regimento interno, essas alterações não foram comunicadas. Mas em geral aceitaram alguns dos pedidos aprovados pela Assembleia Geral da Cáritas, que previa incentivar a presença de mulheres nos mais altos órgãos representativos e incluir dois jovens nos mesmos órgãos representativos.
Em especial, falava-se do Conselho Representativo da federação, abreviado com o nome de RE.CO., sigla para Conselho Representativo. Estas indicações já foram implementadas e tornar-se-ão operacionais.
A estrutura da Caritas Internationalis foi assim “ajustada” e adaptada à reforma da Cúria.
No entanto, os estatutos da Caritas Internationalis permaneceram confirmados na estrutura quando o Papa Bento XVI os reformou em 2012. Esses estatutos fortaleceram a colaboração entre a Caritas Internationalis e a Santa Sé e delinearam claramente as competências da Secretaria de Estado do Vaticano.
Não só: a nova estrutura da Caritas Internationalis deu uma maior coordenação aos departamentos e organismos ligados à Santa Sé, que diziam respeito também aos aspectos doutrinários.
Vale ressaltar que a reforma de 2012 fazia parte de um projeto mais amplo de Bento XVI para cumprir plenamente as disposições da Pastor Bonus.
Pastor Bonus era a constituição apostólica que regulava as funções e tarefas dos escritórios da Cúria, e Praedicate Evangelium agora a substitui.
No entanto, a reforma veio depois de uma crise de governança. Em 2011, a Secretaria de Estado não aprovou a renomeação da ex-secretária-geral Lesley-Anne Knight. (No entanto, seu trabalho foi elogiado pelo presidente da Caritas Internationalis na época, o cardeal Oscar Andrés Rodriguez Maradiaga). Como resultado, ela foi substituída por Michel Roy, um francês que trabalhava com a Secours Catholique - a Caritas na França.
A não confirmação de Knight também decorreu da nova abordagem dada com a reforma subsequente da Caritas Internationalis.
Foi uma abordagem derivada da formulação da encíclica Caritas in veritate de Bento XVI. Na encíclica, Bento XVI destacou que o desenvolvimento humano e a ajuda externa não podem ser separados da exigência da verdade. A encíclica também apontava para o fato de que muitas organizações internacionais estavam promovendo o aborto, a contracepção, a esterilização e a eutanásia.
Essa foi uma abordagem que Knight não compartilhou totalmente, como ela explicou publicamente à mídia na época.
Enquanto alguns aprovaram a saída de Knight, outros ficaram desapontados. Apesar de uma robusta mudança geracional na Caritas Internationalis nos últimos anos, esses sentimentos de divisão podem ter permanecido em segundo plano e alimentado algumas reclamações sobre “gestão e procedimentos”.
O tom do comunicado de imprensa do dicastério sugere que a reforma será mais gerencial. Mas, acima de tudo, é uma mudança substancial na filosofia desde a reforma de Bento XVI.
Em suma, poderia ser outra mudança de paradigma do Papa Francisco, comparável até certo ponto às suas restrições à Missa Tradicional em Latim.
Deste ponto de vista, o Papa Francisco identificou várias pessoas para ajudar a completar suas mudanças na estrutura da Igreja.
Ao realizar a reforma, o papa não hesita em rebaixar alguém como o cardeal Luis Antonio Tagle, atual presidente da Caritas, que agora se vê encarregado de “fazer a ligação” com Pinelli e sua equipe para a próxima assembléia geral.
Dizia-se que Tagle seria nomeado o próximo prefeito do Dicastério dos Bispos. Mesmo que esses rumores fossem confirmados, a imagem pública de Tagle agora foi comprometida pela decisão da Caritas. Isso também pesará em um futuro conclave.
O Papa Francisco, no entanto, está cumprindo seus objetivos. Como ele disse em uma de suas homilias nos dias do bloqueio do COVID-19 de 2020 - e também em uma reunião com a Fundação Candia em abril - ele continua criticando as organizações humanitárias que fazem um bom trabalho, mas gastam 60% de seu orçamento em remunerações. O papa pediu que reduzissem os custos ao mínimo, “para que a maior parte do dinheiro fosse para o povo”.
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O que está por trás das mudanças na Caritas Internationalis? - Instituto Humanitas Unisinos - IHU