09 Novembro 2022
No silêncio inquietante de bispos, monges e acadêmicos russos diante do apoio do patriarca de Moscou, Kirill, à guerra de agressão na Ucrânia, a declaração do senado acadêmico do Instituto São Sérgio de Paris (4 de novembro) merece ser sinalizada.
O artigo é de Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 08-11-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Muitas das Igrejas Ortodoxas, começando com o Patriarcado de Constantinopla, denunciaram o comprometimento da Igreja Ortodoxa Russa.
500 teólogos não russos se somaram (março de 2022) e toda a assembleia do Conselho Ecumênico de Igrejas. Várias centenas de padres russos haviam se manifestado contra a guerra no início do conflito (março).
A intervenção do Senado de São Sérgio - embora a instituição não dependa diretamente da Rússia - é, no entanto, de particular importância. Em primeiro lugar, porque São Sérgio representou o coração teológico da Ortodoxia por muitas décadas do século XX, porque também representa as igrejas ligadas a Moscou e porque foi lugar de formação frequentado por teólogos, bispos e estudantes russos.
A declaração não pretende ser um juízo geral sobre a guerra em curso. Não questiona o direito de um Estado se defender, mas censura o apoio total à guerra ("nunca é justa nem santa") e sobretudo a pretensão de que o soldado seja um mártir, que o sacrifício da vida na guerra anule os pecados.
A referência direta é à afirmação do Patriarca Kirill de 25 de setembro passado: "A Igreja está ciente de que se alguém, movido pelo senso do dever, pela necessidade de cumprir um juramento, permanece fiel ao seu chamado e morre no exercício do dever militar, então sem dúvida, realiza um ato que equivale a um sacrifício. Ele se sacrifica pelos outros. Acreditamos que esse sacrifício anule os pecados que uma pessoa cometeu”.
E aqui está a resposta: “Jesus Cristo deu a sua vida pela salvação do mundo. Por mais louvável que seja o dom da vida de um soldado para defender seu país, não tem nada a ver com a salvação do mundo. O soldado não é o Cristo e a defesa da pátria terrena não é a salvação do mundo. Portanto, não se pode falar em absolvição dos pecados: somente Cristo, que morreu e ressuscitou, cancela os pecados do mundo. A idolatria da guerra, como a da nação, é uma desgraça que cega reduzindo a religião a uma nação e transformando a nação em uma religião”.
"Para o senado acadêmico - continua a resposta - é teologicamente inaceitável considerar aqueles que, em fidelidade às suas obrigações patrióticas, morrem no campo de batalha no exercício de suas funções militares, como a realização de um ato equivalente a um sacrifício que purificaria de todos os pecados. A absolvição dos pecados não depende de uma compensação mecânica entre pecados e os "atos meritórios"; mas, sim, é um mistério que pertence somente à misericórdia de Deus criador”.
Kirill voltou a se expor por ocasião do dia pela unidade da Rússia (4 de novembro): "Estou profundamente convencido de que hoje a intenção de dividir o povo da Rus' histórica (que inclui Rússia, Ucrânia e Bielorrússia, ndr), de contrapor um lado ao outro, de semear o ódio nas mentes e nos corações pelo nosso passado comum, seja alimentados por motivações anticristãs, pelo desejo de deturpar a imagem de Deus pelos indivíduos, de submeter as pessoas ao poder do pecado e do vício, para torná-las sujeitos obedientes do mercado global e puros consumidores”.
Na mesma ocasião - perante as autoridades do Estado, incluindo Putin - pediu para abrir cursos de estudo na história da Igreja na Rússia, de reconhecer o núcleo da unidade nacional nos valores cristãos e de orientar para isso a educação dos jovens.
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Kirill: o não dos teólogos de São Sérgio. Artigo de Lorenzo Prezzi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU