09 Novembro 2022
"Quem atenta conta o Estado de direito comete crime. Portanto tem que, no mínimo, passar por processo, com direito à defesa. Mas não pode ficar impune", escreve Edelberto Behs, jornalista.
O meu país tem cores. Sim, verde e amarelo são as cores predominantes. Estão registradas na bandeira. O verde simboliza as matas, o amarelo as riquezas minerais. Mas queimadas exterminam a floresta e o Pantanal. Garimpo invade terras indígenas. Mas isso não importa aos extremistas que andam para lá e para cá carregando a bandeira pedindo golpe, atentando contra o Estado de direito. A bandeira proclama “Ordem e Progresso” e, com ela em riste, promovem a desordem bloqueando rodovias ou se postando em frente a quartéis.
O mundo assiste cenas ridículas, que envergonham qualquer pessoa com um mínimo de civilidade, como a do manifestante que se dependurou na cabine de um caminhão dirigido por motorista que furou o bloqueio e, assim, percorreu quilômetros. Bolsonaristas inconformados, de extrema-direita, pedem, como dizia uma faixa “intervensão (sic) federal”. Assistindo a tais manifestações fico com a impressão de que o capeta abriu as portas do inferno e soltou diabinhos Brasil afora.
Como entender a agressão de um militar policial aposentado, de 55 anos, contra um menino, atenção, um me-ni-no de 7 anos de idade, o Gabriel Azevedo, em Divinópolis, Minas Gerais, porque, perguntado se era bolsonarista, respondeu “Lula-lá”.
Ou de atirador que matou o jovem Pedro Henrique Dias Soares, 28 anos, e feriu sua mãe e prima, além da adolescente Luana Rafaela Oliveira Barcelos, de 12 anos, que veio a falecer dias depois, em Belo Horizonte! Ele portava, no domingo, depois da divulgação do resultado da eleição, duas pistolas, 15 munições e dois carregadores! Ele era um CAC, um “colecionador autorizado”, possibilidade aberta pelo presidente Jair Messias Bolsonaro para que “pessoas de bem” pudessem defender a família.
Ah, mas esses agressores são desclassificados! – poderia alguém argumentar. O que dizer, então, do médico Igor José Saraiva, de Nova Andradina, gritando que não atenderia petista, que, se em risco de vida, deixaria morrer. Viralizou e ele se justificou, então, de que se tratava de brincadeira. Ou dos inconformados que invadiram um ônibus escolar em Jundiaí e agrediram secundaristas porque fizeram o “L” de Lula! São pessoas apoiadas por evangélicos, que defendem um “euangelho” da violência, da arminha!
Como qualificar a atitude da professora bolsonarista Sheylla Susan, da Universidade Federal do Amapá (UNIFAP), que cancelou a orientação de doutorandos por serem “esquerdistas”. Uma educadora! Arrependida, alegou que “no calor das eleições acabei me excedendo nas palavras onde disse para dois alunos que procurassem outro orientador”. Que fofa! Ou do “ídolo” das pistas, Nelson Piquet, para quem o lugar apropriado para Lula é o cemitério! Ou do vídeo produzido por alunos do Colégio Israelita, de Porto Alegre, zoando de pessoas pobres!
E das centenas de pessoas que bloqueavam a SC-163, em São Miguel do Oeste, Santa Catarina, com a mão erguida, numa típica saudação nazista, durante entonação do hino nacional. O Ministério Público analisou o fato, mas concluiu, em apuração preliminar, que os manifestantes não tiveram intenção de fazer apologia ao nazismo, mas, com o gesto, buscavam “emanar energias positivas"! Ai, é fofura demais!
Quantas “pessoas de bem”, da tradicional família cristã, branca, da raça superior defendem a violência, seja armada, seja falada, e expõem toda a ignorância de quem não sabe argumentar civilizadamente para defender seus pontos de vista. “Nossa bandeira nunca será vermelha”, gritam bolsonaristas. Mas o vermelho de sangue de mortes por motivos políticos tinge o verde e o amarelo da bandeira. Esse é o Brasil que o presidente Jair Bolsonaro deixa como herança do seu governo autoritário, fascista.
Quem esperava que após o período eleitoral finalmente o país entraria num mar de calmaria se frustrou, porque os defensores do golpe atacam a democracia, as leis. Com a conivência de autoridades, como a Polícia Rodoviária Federal, tão zelosa em vistoriar ônibus que transportavam eleitores no Nordeste, no domingo, 30 de outubro, mas não foi capaz de pedir a documentação de caminhoneiros que fecharam estradas para descobrir a quem pertence o veículo e aplicar, no mínimo, a devida multa por obstrução de rodovia.
As manifestações antidemocráticas trazem à luz do dia a ratazana política, que não aceita resultado de urnas, que não consegue conviver com as diferenças. Não é esse Brasil que quero deixar para gerações vindouras. Mas extremistas atiçados por autoridades parecem não se importar com o legado que deixarão para seus filhos e filhas, netos e netas.
Os tribunais superiores não podem fazer vistas grossas, como o fizeram em setembro de 2018, quando, em plena campanha em Rio Branco, no Acre, Bolsonaro pegou um tripé de câmara e, imitando uma arma, disse: “Vamos fuzilar a petralhada do Acre!” Como é que é? Candidato pode apresentar como meta “fuzilar” adversários políticos? A candidatura merecia impugnação em seguida. Mas isso não aconteceu, e o país viu no que deu o ovo da serpente.
Quem atenta conta o Estado de direito comete crime. Portanto tem que, no mínimo, passar por processo, com direito à defesa. Mas não pode ficar impune.
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O Brasil que me apavora. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU